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2.3 ELEMENTOS CONCEITUAIS DA TAR RELEVANTES PARA A PESQUISA

2.3.2 Relação e Translação

Conforme discutido anteriormente, a rede é formada de diferentes materialidades, as quais se encontram em permanente ordenação. Entende-se também que a ordem é capaz de gerar um efeito parcial de estabilização com relação às diferentes significações, onde se faz essencial “compreender as redes em seus constantes movimentos e não se apegar a um modelo ou a um arranjo definitivo que as estabilize” (ANDRADE, 2004, p. 9), assim, percebe-se que a organização é dinamizada pelas relações de que é constituída. Segundo Callén et al. (2011), a Teoria Ator-Rede consiste em um conjunto de histórias ou contos, nos quais o analista foca sempre nos relacionamentos, ao invés de estações estabelecidas ou entidades fixas. Assim, sua preocupação diz respeito a como são produzidas e montadas as relações, bem como giram em

torno de determinadas entidades ou constituem novas. As traduções englobam, conforme Latour (1994), um impulso, deslocamento, mediação, invenção, concepção de um elo que antes não existia e que altera, em certo grau, dois agentes ou elementos. Há sempre resistência, atrito e transformação na medida em que as redes de atores são reestruturadas, de modo que nada circula intacto (GARUD; GEHMAN, 2012). Ainda Garud (2008) ressalta, por sua vez, que é necessário o insight semiótico, o da relacionalidade das entidades, a percepção de que eles são estabelecidos nas relações, e o aplica sem dó a todos os materiais (não somente aos linguísticos). Assim, uma organização é um espaço contínuo de relações e de processos criadores de significados (WATSON, 2005). A palavra “relação” carrega consigo uma ideia transformacional, enquanto a palavra “interação” remete à noção de simples contato.

Intimamente interligado à noção relacional, encontra-se o conceito da Teoria Ator-Rede sobre translação. Callon (1986) aponta que a translação trata-se de um processo interpretativo realizado pelos construtores de fatos direcionada aos interesses, tanto deles mesmos, como dos demais indivíduos alistados (LATOUR, 2000, p. 178). Admite-se, também, ao complementar essa noção, que o ato de fazer uma translação é “um verbo que implica transformação e a possibilidade de equivalência, além da possibilidade de uma coisa (por exemplo, um ator) representar outra” (LAW, 1992, p. 6). Discorrer sobre translação implica entender como os atores conseguem mobilizar, atrair e manter a união os diferentes setores da rede. Portanto, a translação é caracterizada como o processo pelo qual os objetivos e interesses variados e contraditórios são deslocados e transformados pelos actantes, tentando torná-los comuns (CALLON, 1986; LATOUR, 2000; 2012). Assim, o processo de translação consiste em explicitar, na linguagem de um ator, o que os outros almejam dizer, por que eles atuam e de que forma eles se associam uns aos outros (CALLON, 1986).

Callon (1986) e Latour (2000; 2012) apontam que a translação consiste, então, no processo através do qual os actantes desprendem e alteram seus interesses e objetivos contraditórios e variados, buscando fazer com que se tornem comuns. Callon deu uma entrevista, no ano de 2008, em que elucidou ideias referentes ao princípio de translação, apontando que a mesma se trata de uma noção simples e, ao mesmo tempo, fundamental e que, embora muito trabalhada, ao final foi pouco explorada. Assim, conforme Callon (2008), a noção de translação está relacionada com a ideia de circulação com enfoque não nos pontos/nós instantaneamente estabilizados da rede, mas sim nas coisas que se deslocam e circulam na mesma. Portanto, de acordo com o autor, o entendimento de translação coincide com a ideia de circulação, deslocamento ou transporte dos elementos, fazendo com que um ponto se ligue a

outro. Ainda conforme Camillis e Antonello (2014), a translação refere-se à ordenação de elementos que seriam capazes de funcionar independentemente, sem estar sob a tutela dessa translação, ocasionando situações em que certas entidades exercem controle sobre as demais.

Destacam-se quatro importantes momentos no processo de translação envolvendo o caso mencionado, demonstrados por Callon (1986): a) A problematização: é importante para tornar a intenção da pesquisa imprescindível. Os atores envolvidos levantam questões aos demais, redigem artigos e relatórios, tornando-se centrais na rede de relações que se constitui; b) Os dispositivos de interesse: são e estão ligados num lugar, assim como os aliados. O termo “interesse” é definido por Callon (1986) como ações pelas quais uma entidade procura impor ou consolidar outros atores. Segundo o autor, to be interested significa estar no meio. Os atores agregam forças com o intuito de atingir certos propósitos. Ao fazer isso, eles “definem identidade, objetivos ou a inclinação de seus aliados” (CALLON, 1986, p. 9); c) Como definir e coordenar os papéis (enrolment): é essencial explicar que este momento do processo de tradução não tem nada a ver com a visão da sociologia funcionalista acerca dos papéis. Seu objetivo é elucidar “o dispositivo pelo qual um conjunto de papéis inter-relacionados é definido e atribuído aos atores, que os aceitam” (CALLON, 1986, p. 10); e d) A mobilização de aliados: o autor retrata, nesta etapa, que alguns atores da rede representam as massas, falando em nome dos demais. Para obter uma representação, é preciso que haja um processo de negociação, venda de ideias e mobilização de viés, que se constitui ao longo da rede. Identifica-se a formação de uma cadeia de intermediários, que vinculam entidades inteiramente dispersas e não facilmente acessíveis, bem como mobilizam os atores. Assim, entender o princípio de translação na TAR possibilita explicar de que forma certos actantes tornam-se capazes de serem representantes de diversos outros actantes que não possuem voz em certas situações. Além disso, permite compreender seus deslocamentos, entre eles: a maneira como aproximam, mobilizam e mantêm as várias partes da rede unidas (BUSSULAR, 2012).

Por fim, transladar significa falar em nome de determinado actante, na sua linguagem, sendo um porta-voz e manifestando o que os outros querem dizer, os motivos por que eles atuam e de que forma se associam uns com os outros (CALLON, 1986). Assim, este é o mecanismo através do qual os mundos social e natural tomam forma, progressivamente. Dessa forma, Latour (2005) destaca que apenas é possível alguém compreender as posições que estavam sendo apresentadas, por intermédio da rede de associações entre elementos tão heterogêneos, sendo esse o processo de translação. O aspecto de translação também se apresenta adequado a essa pesquisa, haja vista que, no contexto de controvérsias em que a economia

compartilhada se encontra, observar como as controvérsias são negociadas, bem como as interpretações, objetivos e interesses de diferentes atores que se envolvem com o banco de tempo, possibilitou a compreensão de como essas partes mantêm unida ou promovem a desunião dessa rede.