• Nenhum resultado encontrado

Relações de Caso em orações subordinadas

1.4 Relações de Caso em karitiana sob uma perspectiva minimalista

1.4.3 Relações de Caso em orações subordinadas

Embora Vivanco (2018) assuma junto à Storto (1999) que orações subordinadas em ka- ritiana compreendam menos estrutura quando comparadas a orações matriz, ela propõe uma estrutura diferente para as subordinadas, argumentando que elas são nominalizadas por um núcleo n nulo acima de vP.49

Como vimos, as sentenças subordinadas do karitiana não possuem T, projetando no máximo um AspP (36).

(36) y-py-so‘oot-yn

1-ASSERT-ver-NFUT yneu

[Inácio

Inácio ‘epárvoreop˜icortar tyka-t ]IMPERF.MOV-OBL ‘Eu vi o Inácio cortando a árvore.’

(VIVANCO, 2018) (p.90)

O que a estrutura apresentada para orações subordinadas em28, repetida abaixo como 37, não é capaz de capturar são os comportamentos nominais que tais construções exibem.

(37) Estrutura das subordinadas OSV (provisória) AspP Asp Asp v v V vP v’ v’ tv VP tV tO S O

Primeiramente, a autora observa que estas orações podem ser construídas com o nominalizador locativo/instrumental -pa (38). Elas também podem funcionar como um objeto indireto, sendo marcadas com o Caso oblíquo -ty (39).

48 Embora tenha-se argumentado que movimento por razões de EPP seja independente de Agree (ASA-

RINA, 2011) (p.65), em que a Condição de Atividade não desempenharia um papel em banir tal tipo de movimento, sugerimos que sob as condições encontradas em karitiana CdA “entra em jogo” como um último recurso do sistema para decidir qual elemento será alçado, evitando uma opcionalidade no sistema visto que ambos sujeito e objeto, equidistantes do núcleo contendo EPP, parecem estar disponíveis para checar tal traço.

49 Conforme Vivanco (2018) (p.89) aponta, a nominalização é uma estratégia de subordinação muito comum em línguas indígenas brasileiras.

(38) a. ambo-pa subir-NMZ ‘Escada.’ b. y-pyr-amyntyn 1-ASSERT-comprar-NFUT [ cama

cama tasohomemkat-a ]-pa-tydormir-EPEN-NMZ-OBL ‘Eu comprei a cama onde o homem dormiu.’

(VIVANCO, 2018) (p.93)

(39) a. ø-py-pyting-yn

3-ASSERT-querer-NFUT˜jonsomulher opi-tybrinco-OBL ‘A mulher quer o brinco.’

b. yn

eu ø-na-aka-t3-DECL-COP-NFUTi-pyting-øNMZ-querer-CONC.ABS. [gijo

milho LucianaLuciana ti-tak-a ]-ty

CFO-pilar-EPEN-OBL

‘Eu quero o milho que a Luciana pilou.’

(VIVANCO, 2018) (p.93-4)

Vivanco (2018) também argumenta que perguntas Qu- de longa distância não são permitidas na línguas pois a extração de um elemento de um domínio subordinado em karitiana é uma violação do Complex NP Constraint. Portanto, perguntas Qu- de longa distância requerem pied-piping de larga escala em que toda a oração subordinada é fronteada de modo a evitar uma violação de ilha (40).

(40) Pied-piping de larga escala com o verbo factivo ‘koro’op oky’ (‘lamentar’) [ morã

QU haraharaespelho ko ]-tyquebrar -OBLi-koro‘op3-dentro okymachucar Pedro?Pedro ‘Quem o Pedro lamentou que quebrou o espelho?’

(lit. ‘[ Quem quebrou o espelho ] Pedro lamentou?’)

(VIVANCO, 2018) (p.93-4)

A fim de lidar com os fenômenos acima, Vivanco (2018) propõe a estrutura em

(41) Orações subordinadas do karitiana nP n AspP Asp vP v VP

Outro aspecto destas construções relevante para a nossa discussão é o fato de que pronomes podem aparecer cliticizados ao verbo (somente) em contextos subordinados (42).50

(42) [ y-opiso ]

eu-escutar a-taka-kãra-t2-DECL-pensar-NFUT anvocê ‘Você pensou que eu escutei.’

(VIVANCO, 2018) (p.109)

Visto que a classe de pronomes que aparecem cliticizados ao verbo em subordi- nadas é idêntica à classe dos pronomes possessivos, Vivanco (2018) sugere que estes NPs sejam marcados com Caso genitivo em karitiana. Ela chama a atenção para o fato de que muitas línguas marcam os seus argumentos com Caso genitivo quando certas construções são nominalizadas (p.110).

A este respeito, Asarina (2011) propõe, para a língua uyghur, que um sufixo nominalizador N (i.e. -ish) selecina uma oração reduzida (i.e. menor que TP/AspP), sendo também responsável por atribuir Caso genitivo ao sujeito (p.33), tal como representado em 43.

(43) Atribuição de Caso genitivo em uyghur NP N vP v’ DPGEN Adaptado de Asarina (2011) (p.28)

Considerando que ao sujeito transitivo em karitiana já é atribuído Caso ergativo (inerente) por v, propomos que o núcleo nominalizador n acima seja o responsável pela 50 Lembre-se que os prefixos de pessoa que aparecem no verbo em orações matriz são marcas de con-

atribuição de Caso genitivo ao objeto em contextos subordinados tal como representado em 44, do contrário, o traço de Caso estrutural do objeto não seria valorado devido à ausência de T nesses ambientes, o que causaria o fracasso da derivação.

(44) nP n vP v’ v’ v[EPP] VP V tO SERG O[uCase:GEN]

Em44o objeto move-se para o especificador extra de vP para checar EPP. Desta posição ele tem seu traço de Caso estrutural valorado como genitivo pelo núcleo n. Esta análise cobre as similaridades observadas por Vivanco (2018) entre os pronomes cliticiza- dos das construções subordinadas e das construções possessivas.

1.4.4

(Outras) Derivações possíveis

Deve ser dito que trabalhos bem recentes têm atestado diferentes resultados no que se refere à ordem de palavras default em karitiana. Vivanco (2018), por exemplo, diz que SOV seria uma ordem mais básica do que OSV para as orações subordinadas, ao passo em que Storto (No prelo) aponta que VSO seja hoje a ordem básica para sentenças assertivas. De qualquer maneira, OSV e SOV são ambas disposições legítimas para as orações subor- dinadas da língua, e o mesmo pode ser dito a respeito de VSO e VOS para as assertivas. Uma vez que OSV e VOS ainda são possíveis sem parecer ativar algum tipo de conteúdo semântico/informacional marcado, acreditamos que uma proposta derivacional para estas sentenças se justifica, o que foi o intuito deste capítulo. Aqui, levaremos brevemente a derivação de subordinadas SOV e de assertivas VSO em consideração.

No tocante às subordinadas, assumimos que OSV e SOV diferem-se unicamente com respeito ao traço EPP associado ao verbo leve. Quando v possui um EPP, temos a configuração object shift em que o objeto move-se acima do sujeito para um Spec extra de vP e, desta posição, tem seu traço de Caso valorado como genitivo por n, derivando a ordem OSV. Quando v não possui um EPP, o objeto permanece em VP, derivando a ordem SOV. Já com relação às assertivas, o mesmo ocorreria. A ausência de um traço EPP em v não desencadearia o deslocamento do objeto, derivando VSO ao invés de

VOS.51 A presença ou ausência de um traço EPP em v pode ser pensada não como

uma opcionalidade prevista no interior de uma só gramática, mas como propriedades de gramáticas karitiana distintas.

No que se refere à atribuição de Caso quando não há traço EPP disponível, Jairo Nunes (comunicação pessoal) chamou-nos a atenção que elementos inerentemente marcados não bloqueiam movimento-A através deles. Ou seja, T/n poderiam livremente sondar o objeto “pulando” o sujeito ergativo, um elemento inerentemente marcado com ergativo, sem violar minimalidade.52

Para declarativas, parece-nos que a ordem SVO pode ser derivada independente- mente da estrutura assumida para o vP (com ou sem object shift). No cenário em que v não possui um traço EPP e o objeto, portanto, permanece em VP, o sujeito em Spec,vP irá subir normalmente para Spec,MoodDECLP sem que o objeto sequer seja considerado

para checagem de EPP em MoodDECL. Quando v possui EPP, a história já foi contada:

ambos sujeito e objeto ocupam o especificador do mesmo núcleo (i.e. v) no ponto em que MoodDECL com seu próprio EPP é concatenado. Sendo ambos os candidatos igual-

mente qualificados para desempenhar Movimento formal, a Condição de Atividade entra em jogo como uma condicão de Último Recurso escolhendo o sujeito, visto que o objeto está desativado por ter entrado em uma relação de Agree com T.

Estes diferentes resultados com relação à ordem de palavras não são surpreenden- tes. Por muito tempo a língua karitiana tem estado em intenso contato com o Português Brasileiro, uma língua que “gosta” de sujeitos iniciais, e esta variação observada pode muito bem ser um reflexo disso (Storto, comunicação pessoal). Este assunto é, em si mesmo, um tópico de estudo muito interessante referente a contato linguístico.