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Relações de Vinculação em Crianças e Jovens Institucionalizados

PARTE I – ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Capítulo 3 – A Institucionalização de Crianças e Jovens

3.1. Relações de Vinculação em Crianças e Jovens Institucionalizados

Estudos sobre a vinculação em crianças em risco têm vindo a ganhar destaque nos últimos anos, contribuindo para uma melhor compreensão da importância desta ao nível da análise de certos fenómenos e comportamentos (Harter, 2006; Kobak, Cassidy, Lyons- Ruth & Ziv, 2006).

Alguns estudos empíricos (Toth, Cicchetti, Macfie, Maughan, & Vanmeenen, 2000; Benavente, Justo & Veríssimo 2009) têm demonstrado que crianças maltratadas apresentam uma maior probabilidade de desenvolverem padrões de vinculação inseguros e desestruturados. Pelo contrário,

(…) crianças que tenham vivências de sólidas relações familiares, que tenham crescido num bom lar, ao lado de uns pais afectivos e carinhosos, previsíveis, constituindo-se como figuras acessíveis, dos quais sempre pode esperar apoio, conforto e protecção terão maiores probabilidades de activar respostas que permitam a adaptação a situações adversas, por comparação com crianças com histórias de vida familiares controversas, que cresceram na certeza de pais, indisponíveis, ou abusivos (Pinhel, Torres & Maia, 2009, p.510).

Crianças que estão expostas aos mais variados tipos de risco apresentam uma maior probabilidade de virem a desenvolver um tipo de vinculação insegura, na qual é possível reconhecer determinados tipos de condutas ambíguos interligados a outras vertentes do desenvolvimento sócio-emocional da criança, como o tipo de relação estabelecido com o grupo de pares (conflitos bastante presentes, dependência, castigos, vitimização, adversidade), ou até mesmo na construção do próprio self (variações de humor, condutas

Por oposição, crianças que vivenciam uma vinculação segura, tendencialmente demonstram competências pessoais melhores e mais positivas (elevada auto-estima, adaptação às situações adversas, e capacidades cognitivas) bem como competências sociais mais adequadas (reciprocidade, empatia, capacidade de resolução de problemas) e fácil gestão e interação com os adultos (obediência às regras, independência, perceções e expetativas que vão de encontro à idealização que os adultos nutrem por elas) (Soares, 2002; Stroufe, 2005). Face ao exposto, facilmente se compreende que

(…) a organização dos padrões de vinculação depende do feedback dinâmico que se estabelece entre as principais figuras cuidadoras e a criança, através da rotina e redundância das interacções entre ambas e da forma como estes adultos conseguem, ou não, funcionar quer como base segura, da qual a criança pode partir para explorar o meio, quer como porto de abrigo, ao qual pode voltar sempre que as suas incursões se tornarem assustadoras (Pinhel, Torres & Maia, 2009, p.511).

Alguns estudos (Smyke, Dumitresco & Zeanah, 2002; Pinhel, Torres & Maia, 2009) provam que as crianças que vivem em contexto institucional experienciam dificuldades em desenvolver uma relação de vinculação seletiva com um cuidador e muito se deve ao facto de existem muitas crianças para poucos cuidadores, o trabalho por turnos e a frequente alteração dos funcionários.

Na verdade, uma das exteriorizações típicas dessas crianças prende-se com o facto de estabelecerem relações de amizade não discriminadas entre os adultos que lhe são próximos e outros que não aparentam ter qualquer significado (Chisholm, Carter, Ames & Morison, 1995).

Silva (2004) refere que mediante situações adversas que podem levar à retirada da criança do seu núcleo familiar e colocá-la numa Instituição, parecem existir crianças que demonstram uma maior vulnerabilidade e crianças que se apresentam mais resilientes.

O fenómeno da institucionalização tem impactos nas questões da vinculação. Assim, têm-se constatado problemas emocionais e de comportamento, os quais se destacam a “(…) «depressão analítica», retraimento social e um padrão comportamental caracterizado por uma «sociabilidade indiscriminada» ou ausência de reticência da criança face a estranhos” (Soares, Silva, Marques, Baptista & Oliveira, 2010, p.55). Estes acontecimentos são perturbações no relacionamento social de crianças que viveram em Instituições sem terem a presença de um cuidador que atendesse às suas necessidades e carências.

Para Aquino e Silva (2005, p.190) o atendimento massificado das crianças institucionalizadas “(…) tem revelado os custos pessoais que tal situação acarreta: carência afectiva, dificuldade para estabelecimento de vínculos, baixa auto-estima, atrasos no desenvolvimento psicomotor e pouca familiaridade com rotinas familiares”.

Bowlby (1981; 1984) defende a ideia de que devido ao facto da criança estar numa Instituição e, por isso mesmo, existirem outras crianças, é-lhe mais difícil requerer do tempo, atenção e disponibilidade por parte do outro (e que tanto carece), dificultando a construção e o desenvolvimento de um vínculo mais seguro e de proximidade com os adultos e/ou cuidadores, na medida em que estes terão de prestar esses cuidados a tantas outras crianças acolhidas. Assim,

(…) crianças precocemente institucionalizadas, com uma trajectória quase sempre marcada pela interrupção de cuidados e pela alternância, muitas vezes caótica, de figuras de referência constituem um grupo de risco para o desenvolvimento de padrões inseguros de vinculação, padrões estes que quase sempre estão na base dos problemas de comportamento, tanto de nível internalizante como externalizante, frequentemente exibidos por esta população (Pinhel, Torres e Maia, 2009, p.512).

Estas situações e acontecimentos pautados pela ausência ou dúvida quanto à presença de uma figura de referência conduzem a criança a conceber o seu auto-conceito, ou seja, a construir a imagem do seu self (que tem de si mesmo).

Tendencialmente, a criança desenvolve, com regularidade, sentimentos de punição e auto-culpabilidade por acontecimentos pautados pelo fracasso (motivos internos e impossíveis de controlar) e atribuições externas (por exemplo, a sorte). Este tipo de atribuições reforça a vulnerabilidade emocional da criança e/ou jovem, na medida em que estes sujeitos institucionalizados vão acumulando o fracasso das relações sociais e desenvolvendo o sentimento de solidão (Trigo e Alberto, 2010).

O período do acolhimento institucional provoca na criança sentimentos conturbados, marcados pelo desalento, tristeza, angústia, medo e incerteza quanto ao futuro. Deste modo,

(…) uma criança terá maiores probabilidades de desenvolver uma representação positiva de si própria, na qual o self surge como valorizado e merecedor de cuidados, quando as suas necessidades de proximidade emocional, de protecção e de segurança estão preenchidas existindo, simultaneamente, suporte para uma exploração activa e autónoma do meio

Pelo contrário, quando a criança estabelece interações caracterizadas pela ausência da satisfação das suas necessidades, poderão construir modelos em que o self é visto como não desejado, concebendo a imagem dos outros como seres não disponíveis, desprezíveis e abusadores.

Vulgarmente se afirma que as representações que as crianças têm acerca dos progenitores alteram em função das condições de vida e das diferentes experiências dos sujeitos. Nesta sequência surge a questão de qual será, então, a representação que as crianças e jovens vítimas de maus-tratos terão face às suas figuras parentais?

A exposição a situações de abuso emocional e negligência infantil põem em causa a segurança na relação de vinculação, podendo vir a desencadear modelos desajustados da criança sobre si própria e sobre os outros (Wright, Crawford & Castillo, 2008).

A investigação tem comprovado que crianças vítimas de maus tratos ou expostas a situações de violência doméstica mais facilmente constroem representações mais negativas das relações (Toth, Cicchetti, Macfie, & Emde, 1997), representando os progenitores como mais agressivos (Herzberger, Potts, & Dillon, 1981).

A colocação de crianças e jovens em risco em Instituições – cuja intenção inicial é a proteção dos mesmos – seja proteção contra os maus-tratos, negligência e/ou outros tipos de problemáticas – leva ao paradoxo da institucionalização. Ou seja, se o objetivo do acolhimento é proteger a criança e/ou jovem em situação de risco potenciar-lhe condições de desenvolvimento e bem-estar que não são asseguradas no contexto familiar, a consequência pode ser o aumento dos danos nestas crianças e jovens já, por si, “sensibilizados, fragilizados e carenciados” (Alberto, 2003, p.229).

Alberto (2003, p.230) cita, pelo menos, quatro aspetos que estão “intimamente associados ao processo de institucionalização de crianças em risco, e que poderão ter implicações negativas nas mesmas”. São eles: o sentimento de punição; a

demissão/diminuição da responsabilização familiar; a estigmatização e discriminação social e a função de controlo social/reprodução das desigualdades sociais.

Finalmente, e concordando com a autora (Alberto, 2003) consideramos que não chega só criar Instituições para lá colocar as crianças e jovens e deixá-las ao “abandono”. Sabemos que estas entidades não substituem a família mas é importante que haja um esforço conjunto para que se consiga estabelecer uma relação minimamente estável e de integração e cooperação entre a criança, a Instituição e a família. É importante não se esquecer de como deve ser difícil todo o percurso de uma criança institucionalizada: o que pensará acerca de todo o processo de institucionalização, como encarará o seu futuro,

como preverá o seu projeto de vida, e quais serão os sentimentos inerentes à família biológica… Não pensarão as crianças e jovens se não existirão alternativas à Instituição…”Vão-se as certezas e a tranquilidade, ficam as questões e a reflexão sem resposta…” (idem:242).

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