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Relações entre as estratégias e dificuldades de regulação emocional e o desconforto psicológico

DEFINIÇÃO DO PROBLEMA E QUESTÕES DE INVESTIGAÇÃO

3.3. Relações entre as estratégias e dificuldades de regulação emocional e o desconforto psicológico

No sentido de procurar associações entre as nossas variáveis em estudo, efectuamos correlações entre as estratégias e dificuldades de regulação emocional e o desconforto psicológico. A matriz de correlações é apresentada na tabela seguinte.

Tabela 16.

Matriz de correlações

Ansiedade Depressão Somatização Índice Global de Gravidade QRE Supressão 0.18 0.20** 0.11 0.17** Reavaliação cognitiva -0.09 -0.10 -0.09 -0.09 EDRE EDRE, total 0.61** 0.67** 0.56** 0.69** Não-aceitação 0.47** 0.50** 0.41** 0.48** Objectivos 0.38** 0.36** 0.34** 0.39** Impulso 0.50** 0.45** 0.46** 0.53 ** Consciência 0.11 0.18** 0.06 0.17** Estratégias 0.62** 0.61** 0.54** 0.66** Clareza 0.36** 0.40** 0.28** 0.41** Nota: * <.05; ** <.01

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Dada a matriz de correlações e a literatura teórica e empírica, procuramos desenvolver um modelo de regressão múltipla no sentido de explorar a contribuição das variáveis estratégias e dificuldades de regulação emocional (variáveis independentes) para o desconforto subjectivo (variável dependente). Incluímos o sexo e a pertença a estabelecimento de ensino (variáveis codificadas em variável 0-1) como variáveis igualmente no nosso modelo num primeiro passo, uma vez que algumas diferenças foram encontradas entre participantes do sexo feminino e masculino e de diferentes universidades, as quais pretendíamos controlar. Os resultados da regressão múltipla encontram-se na tabela 17.

Tabela 17.

Resultados de regressão múltipla

R2 Ajustado ANOVA Beta p

Modelo 1 0.04 3.78 (p=0.01)

Sexo 0.10 0.14

FMD Lisboa 0.18 0.03

Inst. Egas Moniz -0.03 0.70

Modelo 2 0.53 23.42 (p=0.00)

Sexo 0.13 0.01

FMD Lisboa 0.10 0.07

Inst. Egas Moniz 0.02 0.69

Supressão 0.11 0.04 Reavaliação Cognitiva -0.02 0.70 Não-aceitação 0.08 0.21 Objectivos -0.04 0.55 Impulso 0.15 0.03 Consciência 0.13 0.02 Estratégias 0.50 0.00 Clareza 0.13 0.03

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O modelo de regressão testado revelou que, globalmente, foi estatisticamente significativa a contribuição das variáveis independentes para a explicação do desconforto subjectivo dos alunos de medicina dentária na nossa amostra. Assim, 53% da variância dos resultados totais no BSI foram explicados no modelo testado, sendo este valor claramente significativo (F(2,287)= 23.42, p=0.00). Após introdução das variáveis sexo e estabelecimento de ensino num primeiro passo, verificou-se que alguns índices se revelaram contribuir significativamente para o desconforto subjectivo. Destacamos a contribuição da supressão (β=0.11, p <0.05), enquanto estratégia que contribui positivamente para o desconforto. Nas dificuldades de regulação emocional destacamos os valores das subescalas “impulso” (β=0.15, p=0.03); “consciência” (β=0.13, p=0.02); “estratégias “(β=0.50, p=0.00) e “clareza” (β=0.13, p=0.03). Salientamos ainda que, a variável sexo manteve uma contribuição significativa no modelo final, sendo as estudantes do sexo feminino as que mais manifestaram valores elevados de desconforto. Notamos também que, após a introdução das estratégias e das dificuldades de regulação emocional, o estabelecimento de ensino deixou de ter uma contribuição significativa para o desconforto subjectivo.

4 – Discussão

As hipóteses e questões formuladas antes do desenvolvimento deste estudo, e com base nos achados da literatura, referem-se ao desconforto subjectivo e à regulação emocional. Numa tentativa de sermos mais explícitas, abordaremos os temas em separado e em consonância com a formulação das hipóteses e das questões por nós levantadas. Assim, apresentaremos a discussão em quatro partes:

- A, referente ao desconforto subjectivo sentido pelos alunos de medicina dentária em Portugal;

- B, relacionada com principais estratégias de regulação emocional utilizadas pelos alunos de medicina dentária em Portugal;

- C, relacionado com as principais dificuldades de regulação emocional, entre os alunos de medicina dentária em Portugal;

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- D, que correlaciona os níveis de desconforto subjectivo sentido com as estratégias de regulação emocional mais utilizadas e com as principais dificuldades de regulação emocional.

PARTE A_ Desconforto Subjectivo

Tendo em conta que, de acordo com a literatura (Alexander, 2001; Pereira et al., 2004; Singh, Hankins & Weinman, 2004; Dyrbye et al., 2006; Dahlin et al., 2007; Smith et al., 2007 e Goebert et al., 2009), são elevados os níveis de desconforto subjectivo dos estudantes de medicina , colocámos a hipótese de estarem elevados os níveis de desconforto subjectivo dos estudantes de medicina dentária em Portugal. No entanto, a nossa hipótese não foi confirmada porque na nossa amostra os níveis de desconforto subjectivo encontrados foram considerados relativamente baixos e adequados a uma população não – clínica. Podemos ainda acrescentar que comparando os dados obtidos na nossa amostra com os indicados nas tabelas X e Y (em anexo), constatamos que, de um modo geral, os estudantes de medicina dentária em Portugal têm valores médios de BSI idênticos aos valores médios indicados para a população portuguesa não-clínica (Canavarro, 1999) e aos obtidos em estudantes no Canadá (Sinha & Watson, 2007).

Tendo em conta que a amostra de Sinha e Watson (2007) eram estudantes do primeiro ano da universidade, sem especificação de área ou de curso, parece que os estudantes de medicina dentária em Portugal têm níveis baixos de desconforto emocional (excepção feita à ansiedade dos alunos da Faculdade de Lisboa), em especial no que se refere aos níveis de depressão e aos indicadores de somatização de sintomas.

Uma vez que neste estudo só nos debruçámos sobre os alunos da área de medicina dentária, seria interessante saber os níveis de ansiedade, depressão e somatização sentidos pelos alunos das Faculdades de medicina (geral) em Portugal e estabelecer um paralelo entre os valores encontrados em Portugal e nos outros países.

Tendo em conta que os estudantes de medicina do sexo feminino apresentam níveis de desconforto subjectivo mais elevados do que os seus colegas do sexo masculino, nomeadamente a ansiedade (Blanch et al., 2008) e o stress (Toews et al., 1997) e que as mulheres sofrem duas vezes mais de depressão do que os homens (Breedlove, Rosenzweig & Watson, 2007), colocámos a segunda hipótese: os níveis de desconforto subjectivo dos estudantes do sexo feminino das faculdades de medicina dentária em Portugal são mais elevados do que os dos seus colegas do sexo masculino.

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Na análise da nossa amostra encontrámos os níveis de ansiedade, de depressão e de somatização, bem como o índice global de severidade, ligeiramente mais elevados nas raparigas do que nos rapazes. No entanto, e à excepção dos dados relacionados com a ansiedade, os valores não foram estatisticamente significativos. Podemos concluir que, em consonância com o que vem descrito na literatura (Blanch et al., 2008) e acontece com os estudantes de medicina geral, as alunas de medicina dentária em Portugal apresentam níveis de ansiedade superiores aos seus colegas do sexo masculino. No entanto, e porque no nosso estudo não encontrámos diferenças estatisticamente significativas para as outras entidades clínicas do desconforto subjectivo como o stress e a depressão, a nossa hipótese não se confirma na totalidade, mas tão só nos níveis de ansiedade.

Sabemos, de acordo com a literatura, que os anos de transição para a clínica são anos de maior desafio académico (Hayes et al., 2004) acompanhados de um aumento dos níveis de desconforto subjectivo nos alunos de medicina. Tendo em conta que os níveis de stress (Helmers et al., 1997) e de depressão (Bellini & Shea, 2005; Dyrbrye et al., 2006) estão aumentados para os últimos anos do curso de medicina colocámos uma terceira e ultima hipótese: os alunos dos últimos anos dos cursos de medicina dentária em Portugal têm os seus níveis de desconforto subjectivo mais elevados do que os do ano anterior à entrada para a clínica.

Os resultados encontrados no nosso estudo mostraram que, embora de um modo geral os níveis de desconforto subjectivo (nomeadamente de ansiedade, de depressão e de somatização, bem como o índice de severidade global) vão aumentando para os últimos anos do curso, essas diferenças não são significativas do ponto de vista estatístico. Assim concluímos que não se verificou a hipótese por nós colocada de que os níveis de desconforto subjectivo dos alunos de medicina dentária em Portugal estão aumentados nos últimos anos de curso.

Tendo em conta que os alunos de dentária, tal como os alunos de medicina, têm também acrescidas as suas preocupações pela quantidade e complexidade de matérias, pelo desafio em integrar os conhecimentos teóricos com o perfil clínico e pela responsabilidade da saúde e bem-estar dos seus pacientes (causas apontadas na literatura para este aumento de desconforto subjectivo para os estudantes e medicina; Hayes et al., 2004; Chandavarkar et al., 2007), poderemos considerar a existência de algumas condições atenuantes. Como exemplo destas condições sugerimos: a menor complexidade das matérias considerando que o desafio do curso de medicina geral seria

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muito maior do que o de medicina dentária; o facto de a responsabilidade clínica não ser sentida como tão grande (por estar restrita a uma parte limitada do corpo humano); o facto dos alunos de medicina dentária se sentirem protegidos pela presença de assistentes e monitores durante todo o tempo de permanência de alunos e pacientes na clínica e terem praticado primeiro em ambiente pré-clínico todos os tratamentos que têm de efectuar nos pacientes.

Por fim, levantamos a questão: serão os níveis de desconforto subjectivo dos alunos de medicina dentária diferentes em função dos estabelecimentos de ensino que frequentam?

A nossa investigação permitiu concluir que, de um modo geral, os níveis de desconforto subjectivo sentidos pelos alunos de medicina dentária em Portugal variam significativamente, em função do estabelecimento de ensino, sendo que os alunos da Faculdade de Lisboa apresentaram níveis de ansiedade, depressão e de gravidade global significativamente maiores do que os dos outros estabelecimentos de ensino, em especial se comparados com o Instituto Egas Moniz. Colocámos algumas considerações, como possíveis factores implicados nesses resultados: (i) seria que o facto de a Faculdade de Lisboa ter médias de acesso mais elevadas do que as exigidas pelos outros estabelecimentos constituiria um factor de agravamento e contribuiria para criar um grupo de estudantes com alto nível de desconforto subjectivo? Ou (ii) existiriam, na Faculdade de Lisboa, condições académicas, ou outras que estivessem na origem destes resultados? Porém, desenvolvendo o modelo de regressão múltipla com o objectivo de analisar a possível contribuição de outras variáveis, verificámos que o estabelecimento de ensino deixava de ter uma importância significativa nos níveis de desconforto subjectivo quando acrescentadas as dificuldades e estratégias individuais sentidas pelos estudantes. Este resultado apontará para uma contribuição de variáveis individuais, mais do que o estabelecimento de ensino, como aquelas que contribuem significativa e independentemente para o desconforto subjectivo manifestado.

PARTE B_ Principais Estratégias de Regulação Emocional

Sabendo que a supressão e a reavaliação cognitiva são estratégias de regulação emocional muito utilizadas e com repercussões diferentes no estado de saúde de quem

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as utiliza, questionamos qual dessas estratégias é mais utilizada pelos alunos de medicina dentária em Portugal.

Considerando a literatura que refere que os jovens adultos do sexo masculino utilizam mais a supressão do que as mulheres (Gross & John, 2003; John & Gross, 2004), colocámos a hipótese de os alunos de medicina dentária em Portugal utilizarem mais do que as alunas a estratégia da supressão como técnica de regular as suas emoções.

A nossa hipótese foi confirmada porque, no nosso estudo, também no sexo masculino houve uma maior utilização da supressão comparativamente com o sexo feminino. As raparigas utilizam menos a supressão e mais as estratégias de reavaliação cognitiva, comparativamente aos seus colegas do sexo masculino.

Tendo em conta que a supressão convida à ruminação e esta, por seu lado e se ocorrer por períodos de tempo longos, aumenta o risco de depressão (Gross & John, 2003), estes valores apresentados por nós poderão constituir, no futuro, um factor de estabilidade para as futuras médicas dentistas que já têm aumentada a sua propensão para a depressão só pelo facto de serem mulheres (que, de acordo com Breedlove et al., 2007, sofrem duas vezes mais de depressão que os homens) e médicas (que de acordo com Toews et al., 1997, têm níveis de depressão mais elevados que os seus colegas).

Considerando que há alterações importantes e vivências fortes nos últimos anos do curso de medicina, questionámos se seriam encontradas diferenças significativas nas estratégias utilizadas pelos alunos de medicina dentária em Portugal, conforme avançavam nos seus anos de escolaridade, ou frequentavam estabelecimentos de ensino diferentes. Em relação à primeira destas questões, verificamos que não houve diferenças relativamente à utilização da supressão, mas que no caso da reavaliação cognitiva esta era mais utilizada pelos alunos do 3º ano, com valores significativamente diferentes dos do 5º ano. Este achado levanta alguma preocupação uma vez que a maior utilização de reavaliação cognitiva está relacionada com um padrão de regulação emocional mais saudável (John & Gross, 2004), maior sentido de autonomia, melhores níveis de relacionamento com os outros e menos sintomas depressivos (Gross & Jonh, 2003). Para a segunda questão levantada verificámos que não existem diferenças nas estratégias de regulação emocional entre os alunos de medicina dentária em Portugal, em função do estabelecimento que frequentam pois os níveis encontrados foram semelhantes.

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PARTE C_ Dificuldades de Regulação Emocional

Tendo em conta que as pessoas diferem umas das outras na sua capacidade de regular as emoções (Lopes et al., 2005), colocamos como questão saber quais as principais dificuldades de regulação emocional encontradas nos alunos de medicina dentaria em Portugal.

Na análise do nosso estudo, concluímos que as principais dificuldades de regulação emocional nos estudantes de medicina dentária em Portugal se prendem com a tomada de consciência das suas próprias emoções e com o facto de sentirem dificuldade em agir de acordo com os objectivos por si decididos, quando estão a experienciar emoções negativas. Sendo este factor composto de itens que reflectem dificuldades de concentração e de execução de tarefas na presença de emoções negativas (Gratz & Roemer, 2004), estas dificuldades podem ter, na nossa opinião, influência negativa na concentração necessária à execução de actos clínicos e à aquisição de conhecimentos teóricos.

Colocámos como questão, igualmente, saber se serão diferentes as dificuldades de regulação emocional entre os alunos de medicina dentária em Portugal, em função do sexo, e concluímos que, de acordo com os dados obtidos no nosso estudo, não foram encontradas diferenças significativas entre os sexos para as dificuldades de regulação emocional, parecendo que alunas e alunos têm perfis semelhantes nas suas dificuldades de regulação emocional.

Como terceira questão perguntámo-nos se seriam diferentes as dificuldades de regulação emocional entre os alunos de medicina dentária em Portugal, em função do ano de escolaridade. Embora parecendo que para anos de escolaridade mais avançados haveria uma maior dificuldade de regulação emocional, esses dados não tiveram significado estatisticamente na generalidade. O nosso estudo revelou (após comparações múltiplas post hoc de Bonferroni) que os alunos do terceiro ano do curso de medicina dentária apresentam maiores dificuldades, relativamente aos do quarto ano, em regular as suas emoções. Este dado poderá, talvez, ser atribuído ao facto de que os estudantes do quarto ano tenham adquirido uma maior maturidade com a idade e com os desafios que o desenvolvimento no curso implica para os anos clínicos.

Como última questão nesta matéria perguntamos se, face às diferentes dificuldades de regulação emocional sentidas pelos alunos de medicina dentária em

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Portugal, haverá diferenças significativas nos seus níveis em função do estabelecimento de ensino que frequentam. O nosso estudo mostrou que há diferenças significativas nas dificuldades sentidas pelos alunos de medicina dentária em Portugal, em função dos estabelecimentos de ensino que frequentam, sendo que as maiores dificuldades são sentidas pelos alunos da Faculdade de medicina dentária de Lisboa. Os parâmetros onde se detectaram diferenças maiores foram os da dificuldades em manter os objectivos traçados quando na presença de emoções negativas, as dificuldade de elaborar estratégias de regulação emocional, e a dificuldade na clareza das respostas emocionais. Parece, assim, poder concluir-se que este grupo tem, por um lado, dificuldade em reconhecer e estar seguro das emoções que sente; e, por outro lado, quando experiencia emoções negativas, tem dificuldade em manter a concentração e os objectivos traçados e em acreditar que pode regular essas mesmas emoções.

PARTE D_ Correlação entre o desconforto emocional e as principais estratégias e dificuldades de regulação emocional

Por último, questionámos se haveria correlação entre o desconforto emocional sentido e as principais estratégias e dificuldades de regulação emocional. De acordo com o nosso estudo a utilização da reavaliação cognitiva, como estratégia de regulação emocional, está indirectamente relacionada com o desconforto subjectivo sentido e a supressão contribui positivamente para o desconforto subjectivo.

Estes dados estão em sintonia com os revelados com a nossa pesquisa bibliográfica. A supressão acompanha um maior risco de sintomas depressivos, menor nível de satisfação e bem-estar, menor auto-estima e, de um modo geral, está relacionada com baixo nível de saúde psicológica (John & Gross, 2004). Por outro lado, a reavaliação cognitiva está relacionada com maiores níveis de satisfação com a vida, com um maior sentido de autonomia, com mais optimismo e com menos sintomas depressivos (Gross & John, 2003).

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