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2.2 Professor não-leitor?! O que dizem as pesquisas

2.2.3 Relações entre histórias de leitura literária de professores e suas práticas de

Como foi dito anteriormente, algumas pesquisas trataram de fazer relações entre as trajetórias de leitura ou perfil leitor de professores e suas práticas de mediação em sala de aula. Tais relações têm sido exploradas de diferentes modos. Assim, alguns estudos consideraram apenas as narrativas de professores (BASSANI, 2014; DELAMO, 2011), outros analisaram além das narrativas, dados de observação da prática do professor (OLIVEIRA, 2008; FRIEDEMANN, 2012; OLIVEIRA, 2014). Outras pesquisas ainda, procuraram colocar o próprio professor em uma posição de reflexão sobre possíveis relações existentes entre sua formação leitora e sua prática de mediação de leitura em sala de aula (MAUÉS, 2010; PENA, 2010).

O estudo de Friedemann (2012), por exemplo, tomou como base as narrativas de professores sobre sua trajetória de leitura e o que dizem sobre suas práticas de mediação de leitura. A autora nota que muitas das estratégias que os professores narram utilizar parecem ter relação com sua história de formação leitora. Uma das professoras participantes diz possibilitar aos alunos uma escolha livre dos livros, em contraposição ao caráter obrigatório da leitura que ela vivenciou em seu período escolar. Dessa forma, a professora toma a sua experiência como ponto de partida para desenvolver sua prática docente. Outros professores, por sua vez, dizem organizar suas práticas com base nas mesmas estratégias do seu tempo de

escola. Ainda de acordo com Friedemann (2012), alguns professores relatam conseguir incentivar seus alunos narrando suas próprias experiências de leitura como, por exemplo, falando sobre o que estão lendo no momento, ou de algum livro que já tenham lido.

Oliveira (2008) buscou fazer relações entre a formação, hábitos de leitura e práticas de ensino de literatura, tendo como sujeitos professores de Língua Portuguesa do Ensino Médio. Na análise, a autora destacou que as leituras dos professores estão muito voltadas para os clássicos escolares e aos best-sellers, o que influencia no modo como desenvolvem as práticas de ensino da literatura. A partir de uma perspectiva vigotskyana, a pesquisa de Delamo (2011) buscou investigar a constituição do sujeito professor-leitor, considerando a relação mediadora das leituras literárias presentes em seus processos educativos formais e informais. O autor destacou que os sujeitos professores ressignificam suas práticas com base em generalizações históricas, mas também em suas próprias histórias de leitura, as quais estão imbricadas entre o saber da experiência, o conhecimento e a vida, revisitando práticas antigas ou superando-as. Do mesmo modo, Bassani (2014) apontou que a escolha dos textos usados pelas professoras-participantes em suas aulas, reflete as seleções de professores que lhe ensinaram, pois “uma escolha por mais inicial que pareça, nunca é inaugural, na medida em que há sempre uma rede de subjetividades não só das escolhas pessoais, mas também profissionais” (p. 135).

Oliveira (2014) também concluiu que o professor acaba, muitas vezes, reproduzindo em sala de aula o que vivenciou em seu processo de “aprendizagem literária” (p.116). Apesar de vivenciarem na instituição acadêmica novas propostas para o ensino da leitura, as atitudes pedagógicas das professoras estão ligadas, muitas vezes, a questões de ordem subjetiva e afetiva no seu processo de letramento. Nessa direção, percebemos que a relação entre a escola e os espaços de formação de professores é permeada pelos processos de (des)legitimação da literatura. Há certa tendência para a desvalorização da trajetória leitora do professor, de seus gostos, preferências, o que incide no seu próprio não reconhecimento como leitor. Por isso é muito comum nas pesquisas encontrarmos exemplos desse processo na fala dos professores: “Vai colocar isso na pesquisa, professora?” ou “Ave Maria, coloque isso que eu estou falando, não”, (VILA BOAS, 2017), referindo-se a certas leituras consideradas por elas como “clandestinas”. Sobre esse aspecto, Oliveira (2014) diz

A forte pressão de certas instâncias de legitimação do literário na formação inicial e continuada atravessa a representação social que a professora tem sobre a literatura de massa e as faz realizar o mesmo movimento que

criticam na formação acadêmicas: não legitimam as próprias leituras nem as realizadas pelos alunos. (p. 115)

Em outras palavras, o próprio professor não parece ter consciência ou não reconhece sua formação enquanto leitor. Com isso, “os docentes tendem a não enxergar no estudante os alunos que eles mesmos foram” (OLIVEIRA, 2008, p.178); ou seja, os alunos são vistos como desprovidos do capital cultural, e suas condições e de suas famílias são vistas, por exemplo, como obstáculo para a prática de ensino, que permanece cristalizada.

O mesmo autor chama atenção ainda sobre as relações entre tais representações construídas pelo professor e a sua prática pedagógica no ensino da leitura. Assim, para ele

[...] a consciência do próprio processo de formação como leitores e da posição que ocupam como sujeitos de suas leituras tem consequências efetivas na prática docente desses professores e no posicionamento que eles assumem frente a seus alunos, o que, do ponto de vista do ensino, é determinante (p. 178).

Diante desse quadro, Oliveira (2008) critica o processo de formação inicial e continuada do professor, pois acredita que se por meio dessa formação o professor se tornasse um leitor literário, também seria capaz de formar alunos leitores literários.

Na tese A leitura na vida de professoras: relatos, práticas e formação docente, Rosa (2003) também destaca que os modos de inserção dos professores em práticas sociais mediadas pelo texto escrito repercutem nas atividades de leitura que desenvolvem na escola e nos modos como se apropriam e utilizam instrumentos disponíveis nestas práticas. A autora fala ainda sobre a importância de espaços de formação nos quais professores possam narrar sobre suas leituras, assim como participar de leituras, associando às suas práticas como docentes. Nesse sentido, Rosa (2003), ressalta a importância de pesquisas que combinem as narrativas autobiográficas de histórias pessoais do professor com sessões de leituras e conversas sobre suas práticas de ensino, o que, segundo ela, permitiria o desenvolvimento de uma reflexão consciente por parte do professor.

Considerando tal capacidade de reflexão crítica dos professores, cabe mencionar os estudos que estimulam a reflexão do professor sobre suas histórias de leitura, tecendo relações com sua prática de mediação de leitura7. Conjugando aspectos teóricos dos Estudos do Letramento com a teoria da prática bourdieusiana reinterpretada por Bernard Lahire, Maués (2010), por exemplo, buscou fazer relações entre os processos de formação de leitura a partir

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da cultura local de professoras alfabetizadoras de uma escola pública de Belém do Pará e as práticas de letramentos escolares. Ressaltamos que, entre os trabalhos que têm como sujeitos professoras com formação no Magistério ou Pedagogia, este é o único que busca fazer relações entre a história de leitura das professoras e suas práticas de mediação de leitura literária.

O estudo de Maués (2010) adotou uma metodologia de cunho etnográfico, tendo com técnicas de coleta de dados narrativas orais e escritas e a inserção nas escolas onde as professoras atuavam. A pesquisa também envolveu intervenções colaborativas nas ações desse grupo de professoras possibilitando-lhes a reflexão na prática e a tomada de novos posicionamentos no campo social educacional.

A partir das narrativas das professoras sobre suas histórias de leitura, a autora analisou seus posicionamentos no campo educacional, os quais mostraram “parte da pluralidade de esquemas de habitus que as professoras foram incorporando durante suas vidas” (p. 185). Ou seja, as professoras atualizam em suas ações docentes experiências vivenciadas na família, escola, na formação e em outros espaços. No que se refere à parte interventiva da pesquisa, concluiu-se que a valorização da cultura local apareceu como um resultado significativo dessa intervenção, visto que a escola passou a incorporar por meio dos projetos pedagógicos os saberes não legitimados. Nas palavras da autora, “essa cultura passou a conviver com a literatura oficial, num processo orientado teoricamente pelas injunções dos letramentos como hibridização” (p. 213).

A partir de uma proposta de reflexão crítica sobre narrativas autobiográficas de 12 professores de diferentes disciplinas escolares, Pena (2010) também explorou a influência que a trajetória de leitura desses professores exerce na forma como tomam decisão frente às situações em sala de aula. Segundo o autor, com base nessa experiência de reflexão os professores narraram

[...] tentativas de implementação de ações diferenciadas daquelas vividas como, por exemplo, o desenvolvimento de projetos interdisciplinares, a inserção de diferentes suportes de leitura nas disciplinas específicas e o discurso explícito da importância da formação de leitores para além da instrumentalização como responsabilidade de todos os professores das diferentes disciplinas escolares (p. 243).

Pena (2010) também apontou que a reflexão dos professores sobre as memórias de leitura possibilitou um novo olhar dos participantes sobre sua prática docente, confirmando a importância das narrativas autorreferenciadas na pesquisa educacional.

Concluindo essa seção enfatizamos a escassez de pesquisas que buscam possibilitar a reflexão de professores sobre suas histórias de leitura atrelando tais reflexões à sua prática enquanto mediadores de leitura na escola. Também é preciso ressaltar a ausência de pesquisas com esse foco que tenham como sujeito a professora da Educação Infantil, tal como pretendemos neste trabalho.

A seguir, discutiremos sobre as práticas de mediação de leitura na Educação Infantil, considerando a professora como sujeito responsável pela mediação do encontro entre as crianças e a literatura, desde a seleção de livros e histórias, entre outros gêneros literários, passando pela organização do espaço de leitura até a leitura propriamente dita.