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Relações entre o Ensino de Evolução e o conhecimento biológico

CAPÍTULO 5: ALGUMAS DISCUSSÕES SOBRE OS DADOS NUMÉRICOS

5.2 A identidade animal-humana, evolucionismo e criacionismo

5.2.1 Relações entre o Ensino de Evolução e o conhecimento biológico

Rowland (2007), buscando fazer considerações sobre um currículo ideal no ensino de Biologia, traz uma discussão que remonta à relação entre Evolução Biológica e a Biologia enquanto disciplina. Para ele, o conhecimento biológico deveria ajudar as pessoas a fazerem escolhas éticas nas decisões cotidianas. Assim, um programa nessa área deve ensinar temas que possam ser usados na vida social cotidiana sobre a relação entre os seres vivos, bem como que os humanos são parte da unidade que caracteriza toda a vida.

No que diz respeito aos conceitos e habilidades práticas que os alunos precisariam construir para alcançar esse objetivo, o autor descreve três temas centrais na abordagem biológica: 1) A diversidade dos seres vivos, sob uma visão evolutiva das relações entre a anatomia, a histologia e a fisiologia das diferentes espécies; 2) A unidade entre organismos aparentemente diferentes, cuja análise pode ser feita, por exemplo, ao nível molecular, pelo estudo do DNA – molécula presente em todos os organismos vivos –, além dos seus processos de replicação e contribuições para a síntese de proteínas; 3) Os impactos que o conhecimento biológico pode ter, quando usado em campos como economia e saúde. Tais impactos podem ser analisados à luz de valores morais (ROWLAND, 2007).

A construção dos currículos para os cursos de Biologia no Brasil segue as orientações das diretrizes homologadas em 2001, conforme o parecer CNE/CES 1.320 (BRASIL, 2001b). Nesse documento, os conteúdos básicos para a formação do biólogo seguem cinco eixos temáticos, sendo três específicos à Biologia: 1) as interações biológicas, sob os níveis molecular, celular e evolutivo; 2) a diversidade biológica pautada por estudos morfológicos, fisiológicos e etológicos; 3) as relações ecológicas e a consciência ambiental. Todos eles devem estar centrados em uma perspectiva evolutiva. O quarto e o quinto itens se referem aos conhecimentos de outras áreas necessários à compreensão do conteúdo biológico, tanto provenientes das Ciências Exatas e da Terra como da Filosofia e das Ciências Sociais.

O que há de mais interessante nessas orientações é a proposta de formação em Ciências Biológicas baseada na abordagem da perspectiva evolutiva de maneira transversal, em todas as disciplinas que constituem suas áreas de conhecimento e abrangência. Embora análises mais cuidadosas devam ser efetuadas, a interpretação do projeto do curso de Ciências Biológicas da UNEMAT de Tangará da Serra, mostra evidências de que não há um trabalho coletivo que leve em conta essa perspectiva.

Esse curso está organizado em torno de quatro áreas: Biologia Geral, Botânica, Zoologia e Ecologia. Em cada uma delas, bem como nas disciplinas que as compõem, é possível identificar e debater diferentes mecanismos ligados à idéia de Evolução biológica; apesar disso, na grade curricular do curso investigado há uma disciplina especificamente voltada para o debate do tema.

A disciplina “Bio-035 Evolução” é ministrada em 60 horas/aula, para os discentes do oitavo semestre. Ela foi constituída por uma ementa que contempla os seguintes tópicos: “Evidências evolutivas. Variabilidade. Estrutura populacional e deriva genética. Seleção natural. Especiação, adaptação e coevolução. Origem e Evolução do ser humano”

(UNEMAT, 2004, p. 70). Ela é ministrada para alunos que tenham cumprido, obrigatoriamente, outras três, consideradas como pré-requisitos. São elas:

1. Bio-009 Biologia Molecular, com 60 horas/aula, ministrada no terceiro semestre. Ementa: “Introdução à biologia molecular. Estrutura e propriedades dos ácidos nucléicos. Biossíntese de ácidos nucléicos. Código genético. Biossíntese de proteínas. Noções básicas de engenharia genética” (UNEMAT, 2004, p. 56).

2. Bio-013 Fundamentos da Biologia, com 60 horas/aula, no terceiro semestre. Ementa: “Conceito e divisão da Biologia. Importância da Biologia Moderna. Caracterização dos seres vivos. Biodiversidade. Origem da vida. Teorias pré-evolucionistas. Teorias evolucionistas. Tipos de reprodução dos seres vivos” (UNEMAT, 2004, p. 51).

3. Bio-020 Ecologia de Populações, com 60 horas/aula, no quinto semestre. Ementa: “Conceito de população. Crescimento e regulação de populações. Estratégias reprodutivas. Interações entre populações. Como estimar parâmetros populacionais. Manejo de populações” (UNEMAT, 2004, p. 62).

O termo Evolução, associado à idéia de Evolução Biológica, aparece na grade curricular também conexo a outras disciplinas dentre as 51 obrigatórias (Tabela 23). Ressalta- se que não foi feita uma análise sobre as abordagens pedagógicas desenvolvidas pelos docentes. O projeto do curso contempla apenas a ementa e as bibliografias básicas a serem cumpridas, de modo que cada docente pode desenvolver atividades que extrapolem tais indicações.

De qualquer modo, parece insuficiente que a Evolução Biológica seja indicada no projeto do curso para apenas 11,8% das disciplinas elencadas, se for considerado que todas elas podem e, conforme diretrizes nacionais devem estar orientadas sob tal perspectiva.

Tabela 23 Disciplinas obrigatórias, que contemplam Evolução Biológica, conforme análise do projeto do curso Disciplina Carga Horária/ Semestre Caracterização “Evolução” foi encontrada:

Bio-008 Introdução à Genética 60/ 2º No título de um dos livros citados nas referências bibliográficas básicas

Bio-012 Organografia e Taxonomia de

Criptógamas 60/ 3º Na ementa básica da disciplina

Bio-022 Citogenética Básica 90/ 5º Na ementa básica da disciplina

Ressalta-se que a grade curricular e o projeto desse curso estão sendo re- estruturados, mas não foi possível obter dados mais ressentes sobre a questão. É importante

apontar, que currículos de outros cursos apresentam características semelhantes a essas, conforme apresentado na pesquisa de Goedert (2004).

Goedert (2004) buscou analisar elementos da formação inicial e da prática docente que contribuem para o ensino de Evolução Biológica. Ela desenvolveu um estudo de caso, mediante aplicação de entrevistas, junto a sete professores egressos do curso de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Santa Catarina, formados entre os anos de 1989 e 2000. Esses professores, que atuam nas cidades de Florianópolis e São José, apresentaram em média cinco anos de experiência na Educação Básica e idades de 28 a 35 anos.

Goedert (2004) também analisou as ementas das disciplinas oferecidas pelo referido curso, nos anos de 1990. Ela apontou a existência de uma disciplina específica sobre Evolução Biológica e indicadores de que poucas disciplinas obrigatórias se organizavam em torno da perspectiva evolutiva. No discurso dos professores entrevistados, apareceram comentários sobre essa estruturação curricular.

Esses professores manifestaram ter dificuldades em trabalhar a perspectiva evolutiva em sala de aula, principalmente por problemas na formação inicial. Dentre os motivos para esses problemas, apontaram que a disciplina que tiveram sobre evolução não atendeu às suas necessidades formativas. Apontaram, também, a desarticulação da perspectiva evolutiva com as demais disciplinas específicas do curso de Biologia, bem como com as de licenciatura (GOEDERT, 2004).

Quando as variáveis relacionadas às tendências evolutivas e criacionistas foram testadas com relação à progressão dos discentes no curso, não foram obtidos resultados significativos. Isso se remete a duas discussões:

Primeiramente, o questionário não buscava mensurar nível de conhecimento dos discentes sobre evolução, apenas tendências de aceitação ou rejeição acerca do tema, pode ser que esse fator tenha contribuído para que não fossem percebidas diferenças entre as posições dos discentes do primeiro ao último semestre. Considerando que os discentes que desenvolvem atividades de iniciação científica, apresentaram maior proximidade com tendências evolutivas, é possível inferir, também que a questão passa pelo auto-conceito. Quanto mais o discente vir a si próprio dentro do contexto da comunidade científica, possivelmente maior será a proximidade dele com a perspectiva evolutiva, o que não está necessariamente ligado a maior conhecimento sobre o assunto. Em segundo lugar, contudo, não se pode descartar, conforme apontou essa breve análise do projeto do curso, que há indicadores sobre uma defasagem da abordagem evolutiva no contexto das disciplinas, o que

pode se refletir em pouco conhecimento dos discentes sobre os conceitos básicos de Evolução.

Tidon e Lewontin (2004) desenvolvem considerações semelhantes às de Goedert (2004) quando apontam haver um tipo de inacessibilidade do conhecimento evolutivo tanto para pesquisadores quanto, principalmente, para os professores. O que mostra que o problema não se fixa apenas na UNEMAT. Contudo, conforme estudo desenvolvido por Tidon e Lewontin (2004), esse problema pode se refletir nas atividades pedagógicas implementadas por esses futuros professores.

Com base em estudos sobre ensino de Evolução em várias partes do mundo, Tidon e Lewontin (2004) apresentaram as principais dificuldades encontradas na construção de concepções científicas acerca da Evolução Biológica:

a) uso da adaptação no senso individual – como se o indivíduo se adaptasse a determinadas condições ambientais;

b) explicações teleológicas para descrever a mudança evolutiva;

c) uso da aptidão como uma medida de força, habilidade atlética ou inteligência.

Tidon e Lewontin (2004) buscaram compreender o perfil das concepções e as maiores dificuldades do ensino de evolução, para professores do Ensino Médio de Brasília, mediante a aplicação de 71 questionários. Dos sujeitos investigados, 74% tinham menos de 40 anos e destes, 62% tinham menos de 30 anos, constituindo-se numa amostra de profissionais jovens. Todos eles teriam concluído cursos de graduação. Os autores não mencionaram qual o tipo de graduação dos sujeitos consultados. Entretanto, mostraram que 82% teriam estudado sobre Biologia Evolutiva no Ensino Médio ou Superior e 60% admitiram ter dificuldades para lidar com o tema. Dentre as dificuldades mais freqüentes, destacam-se problemas na formação, material didático inadequado e falta de tempo necessário para trabalhar esse tema no currículo. Mais da metade dos sujeitos consultados (62%) acreditam que os discentes do ensino médio sejam imaturos e ou não têm base teórica suficiente para entender Biologia Evolutiva (TIDON; LEWONTIN, 2004).

Tidon e Lewontin (2004) explicam que o assunto geralmente é tratado em poucas sessões na última série do Ensino Médio, e que os professores mostraram ter dificuldades para explicar conceitos como freqüências alélicas e o equilíbrio de Hardy- Weinberg.

Os professores investigados assinalaram também que o trato das diferenças entre as teorias evolutivas, como as de Darwin e Lamarck, seria a estratégia pedagógica mais

comum e fácil. Esses mesmos professores teriam manifestado concepções lamarckistas em suas respostas, como por exemplo, a idéia de que evolução persegue um fim e que adaptação é algo intencional (TIDON; LEWONTIN, 2004).

Kampourakis e Zogza (2007) discutem que a qualificação de que os sujeitos de pesquisa apresentam representações lamarckianas de Evolução deve ser evitada, porque embora muitos deles apresentem idéias parecidas com essas concepções, tais como uso e desuso, elas não refletem o conjunto das proposições daquele autor.

Considera-se razoável a sugestão de Kampourakis e Zogza (2007) sobre uma análise cuidadosa acerca de concepções lamarckistas. Embora fosse importante apresentar essa ressalva, o fato de usarem esse termo não diminui a importância do trabalho de Tidon e Lewontin (2004), porque as concepções levantadas são claramente incompatíveis com o conhecimento da Biologia Evolutiva contemporânea.

Para os docentes investigados em Brasília, pensar em Evolução como algo que depende de características ambientais liga-se à idéia de necessidade. O indivíduo teria necessidade de mudar para se tornar adaptado, progredindo em uma escala ascendente, que se inicia nos animais tidos como “superiores” e tem como topo a idéia de “humanidade”. Antes do aprimoramento do trabalho de Darwin, esse tipo de escala natural estava bastante presente no pensamento ocidental, mas foi abandonada considerando-se que o processo de evolução biológica não persegue um objetivo (TIDON; LEWONTIN, 2004).

O mais importante, segundo esses autores, é entender que organismo e ambiente estão relacionados. Isso é um pré-requisito para a compreensão da Evolução Biológica. Mais do que isso, a própria idéia de ambiente reflete um conjunto de interações de elementos bióticos e abióticos. O organismo, em processo de relação, é ambiente (TIDON; LEWONTIN, 2004).

Esse pré-requisito apresentado por Tidon e Lewontin (2004) apareceu nas falas dos alunos entrevistados:

[...] precisa... todos se verem dentro da natureza... antes da faculdade eu via assim... a natureza ali e o ser humano aqui... porque é assim... é assim... que a maioria das pessoas vêem... mas hoje vejo que estou dentro da natureza... faço parte da natureza/eu sou a natureza/ [...] (F., 5° semestre, grifo nosso).

Nos resultados do questionário, também foi identificado que a maior parte dos discentes reconhece a importância da perspectiva evolutiva para o ensino e a aprendizagem de Biologia. Essa perspectiva, também é vista como fonte de explicações para questões de ordem pessoal, podendo ser aplicada na compreensão tanto dos organismos vivos quanto do ser humano.

O alto número de abstenções nas respostas sobre as origens dos seres vivos e do ser humano mostram que algumas nuances devem ser consideradas. O fato dos alunos apresentarem concepções sobre o ser humano em processo de relação ser considerado ambiente se remete a questões sobre as condições atuais da sociedade e o futuro (quem somos e para onde vamos). No entanto, a compreensão naturalística sobre as origens dos seres humanos, se mostrou objeto das maiores divergências. Esse aspecto transcende ao foco sobre a compreensão discente dos conceitos relacionados à Evolução Biológica e se ancora em outros valores, principalmente aqueles que têm suporte em tendências criacionistas. Tal aspecto foi detalhado no tópico 5.2.2.