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Das relações práticas entre Psiquiatria e Psicologia e Direito, na forma de Psiquiatria forense e Psicologia jurídica

III- E DUCAÇÃO JURÍDICA E P SICOLOGIA LATO SENSU

2- Das relações práticas entre Psiquiatria e Psicologia e Direito, na forma de Psiquiatria forense e Psicologia jurídica

2.1- Psiquiatria forense

Psiquiatria forense corresponde, na verdade, ao terceiro momento da relação entre direito real207 e Medicina, que, historicamente, se desenvolveu do seguinte modo: - medicina forense ou medicina legal; - psicopatologia forense; e, - psiquiatria forense.

Medicina forense ou medicina legal consiste na aplicação de conhecimentos médicos na resolução de questões judiciais; ou, na definição de ODON RAMOS

MARANHÃO (1924-1995): “ciência de aplicação dos conhecimentos médico-

biológicos aos interesses do Direito constituído, do Direito constituendo e à fiscalização do exercício médico-profissional” e que “trata dos assuntos gerais relacionados ao Direito Penal, Direito Civil e Direito Processual”208. Os primeiros

trabalhos de medicina legal foram publicados, no Brasil, no inicio do século XIX. MARIA ADELAIDE DE FREITAS CAIRES, analisando o valor desses estudos, relata: “A

produção acadêmica ganha vulto com a criação das Faculdades de Medicina, a partir de 1832, mas não refletiam nosso meio, nossa formação racial. Apenas

206

FREUD, Esboço de Psicanálise, cit., v. XXIII, p. 163-329, p. 168. Fica claro, pois, que a Resolução nº 9 não pode ser cumprida por conteúdo que exponha o estudante de Direito a textos culturais sem, antes, ter estudado o corpo teórico dos textos metapsicológicos.

207 A expressão „direito real‟ refere-se, aqui, ao Direito, no âmbito dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário e exclui – e é isso que interessa – o Direito, enquanto área de conhecimento acadêmico.

208 MARANHÃO, Odon Ramos. Curso básico de medicina legal. 7. ed. São Paulo: Malheiros, 1995, p. 25-30.

refletíamos o que se dizia, o que se doutrinava lá fora.”209

. Aliás, HÉLIO GOMES,

concordando com a precariedade dos primeiros estudos em medicina forense, afirma que o pleno desenvolvimento dessa área de atuação do médico deu-se com “Nina Rodrigues, que lançou os fundamentos de uma verdadeira escola Médico- Legal brasileira”210

.

O passo seguinte da relação entre Direito e Medicina deu-se através da psicopatologia forense, resultado da intimação dirigida ao médico para opinar sobre condições mentais de indivíduos suspeitos de cometimento de crime. Segundo JOSÉ ALVES GARCIA, psicopatologia forense “ocupa-se com os agentes que, em virtude

de mórbida condição mental, tem modificada a juridicidade dos seus atos e suas relações sociais”211; por isso, A

LBERTO JORGE TESTA WOELFERT considera-a

“indispensável no Direito Civil e no Direito Penal no que tange à capacidade civil e à imputabilidade penal”212. Some-se o ponto de vista de C

LÁUDIO COHEN e JOSÉ

ÁLVARO MARQUES MARCOLINO, segundo os quais psicopatologia forense é “aplicação

dos conhecimentos provenientes da área da Saúde Mental em todos os casos de ordem civil, penal ou laboral em que se torne necessária a comprovação do estado mental de um indivíduo”213

. São, todas, definições que, com propriedade, enxergam o caráter instrumental da psicopatologia forense.

O terceiro momento da relação entre Direito e Medicina adveio com a Psiquiatria forense, isto é, o conjunto de tarefas relativas à prática e ao exercício clínico do médico, cujo bacharelado tenha ênfase em Psiquiatria, junto ao

209

CAIRES, Psicologia jurídica, cit., p. 41.

210 GOMES, Hélio. Medicina legal. 18. ed. São Paulo: Livraria Freitas Bastos, 1977, p. 23. 211 GARCIA, José Alves. Psicopatologia forense. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1945, p. 5. 212

WOELFERT, Alberto Jorge Testa. Introdução à medicina legal. Canoas: ULBRA, 2003, p. 147. 213 COHEN, Cláudio; MARCOLINO, José Álvaro Marques. Noções históricas e filosóficas do conceito de saúde mental. In: COHEN, Cláudio; SEGRE, Marco; FERRAZ, Flávio Carvalho (Orgs.)

Saúde mental, crime e justiça. 2. ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2006 (coleção Faculdade de Medicina da USP; 3), p. 17.

Judiciário.214 Em 1904, FRANCISCO FRANCO DA ROCHA (1864-1933) definiu suas

balizas iniciais, com Esboço da psiquiatria forense, obra em que, com base em práticas e indagações provindas de sua atuação à frente do Hospital Psiquiátrico do Juquery, revelou o vínculo da atividade com a psicopatologia manicomial; segundo MARIA

ADELAIDE DE FREITAS CAIRES:

“Cabia à Psiquiatria Forense esclarecer questões específicas sobre a saúde mental do indivíduo e sua responsabilidade criminal, passando o judiciário, inicialmente determinado pelo Juiz de Execução da Pena, a incluir perícias periódicas, para verificar a cessação da periculosidade dos alienados mentais criminosos.”215

.

MARIA ELIZABETH GUIMARÃES ROCHA aprimora o conceito, da forma

como se segue:

“Psiquiatria forense é (…) um ramo auxiliar da Psiquiatria e da Medicina Legal às Ciências Jurídicas quando cabe esclarecer à sociedade se determinado indivíduo possui os requisitos mentais necessários para a compreensão do contrato social e pragmatismo suficiente para agir com base nessa compreensão (...) se vale de conhecimentos científicos psicológicos, psicopatológicos e psiquiátricos para empreender a busca pela verdade.”216.

214

V. GARCIA, Psicopatologia forense, cit., p. 6, negando validade à expressão psiquiatria forense, pela seguinte razão: “Relativamente à psiquiatria jurídica ou forense, cabe-nos lembrar que é também desacertada a combinação dos conceitos; psiquiatria implica, literalmente, a idéia de tratamento das doenças mentais, tarefa que habitualmente escapa ao perito médico chamado a examinar um alienado.”.

215 CAIRES, Psicologia jurídica, cit., p. 43, lugar onde MARIA ADELAIDE DE FREITAS CAIRES, exemplificando uma conquista da Medicina psiquiátrica, aplicada à prática forense, relata que, na década de 1920, Febrônio Índio do Brasil, autor de uma série de infanticídios canibalescos, foi, devido a diagnóstico clínico de esquizofrenia, considerado inimputável.

216 ROCHA, Maria Elizabeth Guimarães. Semiologia psiquiátrica pericial. In: Perícias médicas: teoria e prática. Coord. EPIPHANIO, Emílio; VILELA, José de Paula. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009, p. 182. V: TABORDA, José Geraldo Vernet; CHALUB, Miguel; ABDALLA-FILHO, Elias.

Essa disposição final, a de busca pela verdade, sinaliza perspectivas promissoras para a relação entre Direito e Psiquiatria forense. Daí pode nascer a pesquisa multidisciplinar com troca de informações e avanço conceitual, sobretudo no tocante às relações entre o Judiciário e a pessoa cuja mente é, nos autos, objeto de investigação. Além disso, o amadurecimento da relação entre Direito e Psiquiatria forense pode aperfeiçoar a compreensão acerca da dupla natureza – jurídica e médica – do fenômeno segundo o qual o equilíbrio ou o desequilíbrio da alma passam a ser condições de aplicação do direito e, dessa forma, contribuir para aprimoramento do ordenamento acerca da matéria.

2.2- Psicologia jurídica

A relação entre Direito e Psicologia, também nasceu no âmbito da Medicina, especificamente da Medicina psiquiátrica.

Segundo o depoimento de MARIA ADELAIDE DE FREITAS CAIRES, na

década de 1930: “A Psicologia foi ganhando o seu espaço por meio de segmentos dentro da Medicina e da Psiquiatria (por exemplo: Medicina Psicossomática, a cadeira de Psicologia Médica na grade curricular e tantas outras)”; de forma tal que a Psicologia “foi „adquirindo a visão psicopatológica‟ ou „sua natureza biológica‟, incorporada da sua vertente mais conhecida e com a qual se confunde, por vezes, a Psiquiatria.”217

. Segundo SONIA LIANE REICHERT ROVINSKI, o trabalho desses

primeiros psicólogos “foi de „psicologista‟, em que a atividade de aplicação de testes era prática rotineira”218

. Somem-se as pesquisas laboratoriais, representadas,

Psiquiatria forense. Porto Alegre: Forense, 2004, que, além de abordar temas acerca de perícias criminais e cíveis, relação entre psiquiatria e lei, interface entre direito de família e psiquiatria da infância e da adolescência e aspectos éticos peculiares à prática forense, estuda a história da psiquiatria forense no Brasil. Sobre as relações entre psiquiatria clínica e psiquiatria forense, v.: EÇA, Antonio José. Roteiro de psiquiatria forense. São Paulo: Saraiva, 2010.

217 CAIRES, Psicologia jurídica, cit., p.46. 218

segundo MARIA ADELAIDE DE FREITAS CAIRES, pelos: “Muitos aparelhos e

máquinas para medir as sensações, emoções, memória, complexos, entre outros [que] foram surgindo e norteavam, mundialmente, os métodos: psicofísico, psicométrico e psicofisiológico.”219. Essa metodologia marcou, profundamente, o

duplo caráter da Psicologia jurídica, tanto pela sua intenção em adaptar o individuo a sistemas e grupos sociais (escola, empresa, fábrica, penitenciária, família etc.) e pelo uso de teste psicológico, entrevista e observação. Some-se o esclarecimento de EMILIO MIRA Y LOPEZ (1896-1964):

“A Psicologia jurídica é a Psicologia aplicada ao melhor exercício do Direito. Infelizmente, o estado atual da ciência psicológica não permite utilizar seus conhecimentos em todos os aspectos do Direito e isso faz com que a Psicologia jurídica se encontre hoje limitada a determinados capítulos e problemas legais que são, em ordem cronológica: a Psicologia do testemunho; a obtenção da evidência delituosa (confissão com provas); a compreensão do delito, isto é, a descoberta da motivação psicológica do mesmo; a informação forense a respeito do mesmo; a reforma moral do delinquente, prevendo possíveis delitos ulteriores. A estes pode acrescentar-se um sexto capítulo, de higiene mental, que suscita o problema profilático em seu mais amplo sentido, isto é, como evitar que o indivíduo chegue a estar em conflito com as leis sociais.”220.

No entanto, a Psicologia jurídica de EMILIO MIRA Y LOPEZ avançou.

Tanto é que, em 2002, o Código Brasileiro de Ocupações, do Ministério do Trabalho, ampliou as atividades profissionais do psicólogo e discriminou a ocupação de psicólogo jurídico, devendo este, segundo SONIA LIANE REICHERT

ROVINSKI:

219 CAIRES, Psicologia jurídica, cit., p.45. 220

“Avaliar comportamentos, tratar, orientar e acompanhar indivíduos, grupos e instituições. Da mesma forma, são previstas atividades de educação (aulas, supervisão), pesquisa, coordenação de equipes e realização de tarefas administrativas. Dentro do grupo de atividades de avaliação estão especificadas as tarefas de: entrevistar pessoas, ler processos, investigar pessoas e situações-problema, escolher, aplicar e mensurar instrumentos de avaliação, elaborar diagnósticos, pareceres, laudos e perícias, responder a quesitos técnicos judiciais.”221

.

Há que se observar, no entanto, que a relação entre Direito e Psicologia jurídica limita-se à atuação do psicólogo, na qualidade de perito, em determinadas áreas do Judiciário, não alcançando jamais o campo de reflexão acadêmica. Isso porque, conforme já mencionado, nem MEC, nem CAPES definem uma área de conhecimento com o nome de Psicologia jurídica, nem na área de avaliação da Psicologia (70700001), nem na do Direito (60100001).222