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As relações entre a propriedade e a gestão familiar – as perspetivas da teoria da agência e da teoria

A I NFLUÊNCIA DA FAMÍLIA E O DESEMPENHO DA EMPRESA FAMILIAR

3.2 Desempenho da empresa familiar

3.2.1. As relações entre a propriedade e a gestão familiar – as perspetivas da teoria da agência e da teoria

Nas empresas familiares, como em quaisquer outras empresas, a governação empresarial procura compreender os papéis e as problemáticas associadas a cada um dos intervenientes. Na estrutura da propriedade, os acionistas/sócios são detentores de uma participação no capital social de uma sociedade (anónima ou por quotas). Por outro lado, os gestores representam um dos intervenientes cruciais na governação empresarial, cabendo-lhes gerir e conduzir o negócio da empresa com o objetivo de maximizar o valor da empresa. Nas sociedades anónimas, a gestão é delegada no presidente executivo (Chief Executive Officer- CEO) mediante autoridade conferida pelo conselho de administração. No caso das sociedades por quotas, o modelo de gestão aplicável é representado por um único órgão designado por gerência.

A relação entre o proprietário e o gestor é influenciada pelos pressupostos comportamentais. As organizações, ao atuarem em ambientes complexos e competitivos, esses exercem influência sobre o comportamento do gestor, que pode ser explicado por duas perspetivas: i) uma baseada na abordagem económica e, ii) outra na abordagem sociológica e psicológica. A abordagem económica descreve o homem, por via da teoria da agência, como provido de racionalidade económica, com um comportamento oportunista e motivado pelos seus próprios interesses (Davis et al., 1997). Na abordagem sociológica e psicológica, por via da teoria stewardship, o modelo de homem apresenta um comportamento coletivo, com uma filosofia de gestão orientada para o envolvimento e como um individuo confiável (Davis et al., 1997).

A teoria da agência

A relação de agência foi definida por Jensen e Meckling (1976) como um contrato entre o principal (acionistas) e o agente (gestores), sendo que nessa relação uma das partes (agente) age em nome de outro (o principal) a pedido do próprio.

A teoria da agência assenta na separação entre a propriedade (principal) e o gestor da empresa (agente) (Jensen e Meckling 1976), o que implica que os acionistas tenham um controlo limitado sobre as ações e decisões tomadas pelos gestores enquanto o último tem a priori interesses divergentes (Charreaux, 1998). Dados os diferentes interesses e preferências de risco de cada uma das partes, esta divergência gera uma relação com potenciais conflitos de interesses entre as partes. Em resposta, os acionistas protegem os seus investimentos através da criação de vários mecanismos de monotorização e controlo que resultam em custos de agência.

De acordo com a teoria da agência, os gestores possuem mais informação pormenorizada e atempada sobre a organização, conferindo-lhes o poder de influenciar a tomada de decisão. Como maximizadores da sua utilidade, os gestores tendem a comportar-se de forma oportunista, situação que se agrava à medida que a concentração da propriedade diminui (Esperança et al., 2011).Os custos resultantes dos instrumentos de monotorização representam os gastos nos quais o principal incorre na tentativa de evitar a possibilidade do agente agir em benefício próprio, negligenciando os interesses do primeiro.

Em termos globais, a redução dos custos de agência pode ser obtida através de uma abordagem integrada que inclua uma clara definição dos objetivos a atingir pelo gestor, um acompanhamento esclarecido sobre a sua prossecução e a criação de incentivos que aproximem os interesses do agente e do principal, incluindo nesta última rúbrica a questão do valor e da forma da remuneração (Jensen & Murphy 1990:226).

No entanto, Jensen e Meckling argumentam que o custo de minimizar este problema de agência é menor quando as empresas são de capital fechado (ou seja, a propriedade está concentrada nas mãos de poucos acionistas), e ou são geridas pelo proprietário (ou por indivíduos) que tem uma parte significativa de sua riqueza investida na empresa. Estes autores explicam que a diminuição dos custos de agência se deve essencialmente a três aspetos inerentes às empresas familiares. Em primeiro lugar, a elevada concentração da propriedade num conjunto restrito de indivíduos exerce um incentivo para agir de forma vigilante, examinando cuidadosamente as escolhas e decisões dos agentes relacionadas com o risco, de modo a garantir que não haverá expropriação da riqueza dos acionistas através da utilização de gratificações e deficiente afetação dos recursos (Denis et al., 1999). Em segundo lugar, quanto maior for a participação no capital dos proprietários-gestores da empresa, mais alinhados devem ser os seus incentivos financeiros face aos outros acionistas. Finalmente, a ameaça oportunista e interesseira dos agentes é menor porque os proprietários-gestores são mais propensos a estar presentes no negócio e, assim, delegar menos ao contrário dos proprietários ausentes.

Nesta perspetiva, as empresas familiares diferem das outras empresas na medida em que os proprietários e gerentes são, muitas vezes, as mesmas pessoas ou membros da família que geralmente têm objetivos e interesses convergentes. A teoria da agência tem sido frequentemente criticada pela sua ênfase excessiva nos pressupostos do agente calculista e oportunista (Davis et al., 1997). As empresas familiares têm, assim, pouca necessidade de se proteger contra esta ameaça de agência, uma vez que os efeitos da concentração da propriedade e dos gestores proprietários podem contribuir para minimizar os custos de mitigação dos problemas de agência decorrentes da separação da propriedade e da gestão (Schulze et al., 2001).

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Para Daily e Dollinger (1992) a minimização dos problemas de agência, inata às empresas familiares, pode explicar a origem da sua vantagem competitiva e os resultados financeiros superiores em comparação com as suas homólogas não-familiares.

No caso das empresas familiares, vários investigadores refutam que os custos de agência resultantes da separação entre gestão e propriedade sejam reduzidos. Por exemplo, Schulze et al. (2001) e Bughin e Colot (2008) afirmam que os problemas de agência ocorrem devido à ineficiência dos mecanismos de controlo que caracterizam as empresas de cariz familiar. Assim, Schulze et al. (2001) contestam que as empresas familiares possam efetivamente dispensar mecanismos de controlo interno devido às relações especiais entre agentes e principais, e que ao fazê-lo, a empresa incorre no agravamento do problema de agência relativo ao altruísmo.

Para Bughin e Colot (2008), a teoria da agência tem algumas limitações na sua aplicação às empresas familiares. Alguns estudos mostram que os membros da família são, por vezes motivados pelos seus próprios interesses e não por interesses familiares (Morck e Yeung, 2003) assistindo-se aos fenómenos de nepotismo e oportunismo que geram um comportamento de maximização da sua utilidade pessoal em detrimento dos acionistas minoritários, afetando a sua performance. A evidência empírica de que a estrutura de propriedade da família melhora, inicialmente, o valor da empresa, mas diminui a partir de um certo nível de propriedade da família (aproximadamente 30%) é provida por Anderson e Reeb (2003).

Se por um lado, o altruísmo pode ser extremamente positivo no âmbito familiar, porque reforça os laços entre os membros da família, os seus efeitos podem ser nefastos para a performance da empresa (Schulze et al., 2001). Nesta perspetiva, a empresa familiar é confrontada com um problema de altruísmo, que pode ser definido como uma função de utilidade na qual o bem- estar do indivíduo é positivamente correlacionada com a dos outros, originando consequências adversas para a empresa (Schulze, 2003). Assim, o custo gerado pelo altruísmo pode ser considerado como uma variante do custo de agência na empresa familiar atuando como inibidor da performance.

A teoria Stewardship

Uma abordagem divergente da teoria da agência é sustentada pela teoria stewardship, segundo a qual o indivíduo (agente) longe de atuar de forma oportunista mostra-se como um ser que tem necessidades de ordem elevada, de autoestima, autorrealização, crescimento e compromisso com o intuito de contribuir para o benefício da organização (Donaldson e Davis, 1991). Deste modo, na teoria stewardship o agente (gestor) adota um comportamento mais orientado para os interesses da organização do que pelos interesses pessoais, seguindo uma orientação pró organizacional, baseada na confiança mutua. Numa lógica distinta da teoria da agência, a teoria do stewardship destaca a possibilidade de congruência das metas entre os

proprietários e os gestores, em que os gestores têm interesses que se estendem além das metas meramente individualista e económicas (Davis et al., 1997).

Na última década, os investigadores têm dado maior atenção à perspetiva da teoria stewardship e à sua aplicação nas empresas familiares (Corbetta e Salvato 2004a; Arrégle et al. 2007; Gomez-Mejia et al. 2007; Miller e Le Breton-Miller 2005) . Uma vez que, conceptualmente, os acionistas/sócios e gestores familiares representam o grupo dominante nas empresas familiares, esta qualidade facilita a tomada de decisão. Neste sentido, Arrégle et al. (2007) afirmam que os proprietários e dirigentes das empresas familiares estão emocionalmente comprometidos com a sobrevivência de longo prazo e a reputação da empresa, porque são as suas fortunas, carreiras e a sua honra pessoal, a dos seus filhos e antepassados, que estão envolvidos. Do ponto de vista do comportamento organizacional, Corbetta e Salvato (2004a) afirmam que o modelo de homem norteado para os interesses da organização, pelo menos em algumas empresas familiares, sugere que a teoria stewardship pode ser potencialmente adequada para abordar a dinâmica das empresas familiares.

Quando aplicada às empresas familiares, a teoria stewardship sugere que a coincidência dos valores e objetivos da família e do negócio, pelo menos nas primeiras gerações, motiva os indivíduos a seguirem comportamentos colaborativos e altruístas, visando atingir os objetivos da empresa (Davis et al., 1997). Assim, nas empresas familiares, os agentes tendem a lutar pelos mesmos objetivos dos proprietários (principal) ou, quando as funções de agente/principal estão na mesma pessoa, os objetivos da empresa estão acima dos individuais.

O comportamento stewardship (também designado por stewardship culture) manifesta-se sob várias formas nas empresas familiares. Miller et al. (2008) destacam a importância da longevidade, a habilidade da força de trabalho, e as conexões existentes entre a empresa e os utentes externos (stakeholders). Por sua vez, Zahra et al. (2008) consideram a orientação de longo prazo, o alinhamento de valores entre a família e a empresa e, a identificação da família com o negócio. Também, Eddleston e Kellermanns (2007) incluem o altruísmo recíproco, a tomada de decisão participativa, bem como a partilha do controlo no governo da empresa. Com efeito, cada um desses fatores estão de acordo com a descrição de Davis et al. (1997) em que teoria stewardship salienta a tomada de decisão, o governo orientado para a participação, a orientação a longo prazo, a habilidade e formação dos colaboradores, e a forte identidade e compromisso com a organização.