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2 ADMISSIBILIDADE E RELATIVIZAÇÃO DA PROVA ILÍCITA DINÂMICA

2.1 RELATIVIZAÇÃO DA INADMISSIBILIDADE POR QUE A VEDAÇÃO DA

Feitas as considerações até agora expostas sobre o assunto, há que se abordar os motivos pelos quais passou-se, inicialmente, a admitir as provas ilícitas na esfera do processo penal.

Haja vista a tutela constitucional das garantias e direitos fundamentais elencar como um dos maiores bens jurídicos tutelados a liberdade, juntamente com a vida, a igualdade, a segurança, dentre outros, é natural que, dentro do processo penal e às vésperas desse bem jurídico sofrer grave restrição, fosse brotar a discussão da admissibilidade de prova obtida ilicitamente com a finalidade de preservação da liberdade do réu.

Desta forma, é mais facilmente compreensível que a primeira relativização na inadmissibilidade das provas eivadas de vício tenha se dado

justamente como subterfúgio para preservação da liberdade. É um exercício de colisão de direitos fundamentais, mas que parece relativamente simples de se fazer, tendo em vista que a liberdade de um indivíduo é verdadeiramente mais significativa que o poder punitivo estatal, principalmente diante de injusta punição, ainda que para isto tenha que haver a teórica violação de outro direito fundamental, como por exemplo, a privacidade de outrem. Vejamos:

Em outra situação, o réu obteve prova ilícita mediante interceptação telefônica não autorizada, em contradição, portanto, à Constituição Federal à Lei 9.296, de 24.07.1996, mas era o único meio de que dispunha para provar a inocência. Seria inaceitável condenar o acusado apenas porque a demonstração de sua inocência só pode ser realizada por meio de prova obtida de forma ilícita.” (FERNANDES, 2012, p.92) (grifou-se).

Assim colocado, embora tenha esse raciocínio sido derivado de enormes esforços e paulatinas construções jurisprudenciais, não parece difícil compreender que a doutrina moderna considera pacificada a questão da admissibilidade da prova ilícita em seu viés pro reo.

A brilhante lição de AVENA (2015, p.484) nos aclara o entendimento:

Apesar dessa proibição constitucionalmente determinada, a doutrina e a jurisprudência majoritárias há longo tempo tem considerado possível a utilização das provas ilícitas em favor do réu quando se tratar da única forma de absolvê-lo ou de comprovar um fato importante à sua defesa. Para tanto, é aplicado o princípio da proporcionalidade, também chamado de princípio do sopesamento, o qual, partindo da consideração de que “nenhum direito reconhecido na Constituição pode revestir-se de caráter absoluto”, possibilita que se analise, diante da hipótese de colisão de direitos fundamentais, qual é o que deve, efetivamente, ser protegido pelo Estado.

Vê-se, portanto, que por meio do sopesamento dos interesses envolvidos - que é o cerne do princípio da proporcionalidade, tão presente neste estudo - foi possível concluir que um determinado bem jurídico, em um certo momento, revestiu-se de maior grau de relevância do que outros, não apenas

possibilitando, mas verdadeiramente impondo que houvesse relativização de um a fim de que se pudesse preservar outro.

Nesse viés, a relativização da inadmissibilidade da prova ilícita pro reo evidencia que os princípios ordenadores do regular trâmite processual, tais como devido processo legal, ampla defesa e contraditório adotam posição hierarquicamente superior à disposição legal de proibição do uso da prova ilícita, de maneira a preservar os interesses maiores de liberdade e presunção de inocência.

Isso ocorre porque o princípio da proporcionalidade impõe, em uma análise aplicada ao processo penal, o balanceamento da relação entre o indivíduo e o Estado pelo qual ele se submete em face daquelas construções em que se abre, até certo ponto, mão da própria liberdade em prol do convívio em sociedade.

Assim, analisando a aplicação do princípio da proporcionalidade pro

reo, temos que a motivação estatal no exercício de seu direito/dever punitivo fica

submetida aos direitos e garantias individuais do sujeito, bens estes cujo sacrifício não pode ser exigido face a evidência de sua inocência, mesmo que esta evidência enquanto prova apresente traços que não se coadunam com a legalidade. Evita-se, portanto,a violação de direitos fundamentais da pessoa.

De outra banda, após estas primeiras construções sobre a admissibilidade da prova ilícita no viés pro reo, por meio da contínua interpretação da lei face às necessidades impostas pela sociedade em constante mudança, chegou-se ao impasse que norteia toda a discussão a que esse estudo se propõe: a admissibilidade da prova ilícita no viés pro societate.

Em que pese haver muito mais resistência para esta hipótese de admissibilidade tendo em vista a clara superioridade do Estado face à hipossuficiência do réu, entende-se que a resposta só pode ser obtida após o devido exercício de ponderação entre os interesses envolvidos, quais sejam o interesse privado do réu e a relevância do interesse social envolvido, o que habitualmente se revela em um conflito entre o direito à intimidade versus questões de segurança pública ou exacerbada gravidade social, tal como ocorre com os delitos perpetrados pelas organizações criminosas.

Trata-se de dilema que não comporta uma resposta pronta, devendo, portanto, sempre ser analisado in casu. Malgrado haver ainda resistência significativa à aceitação das provas proibidas na abordagem pro societate, é fato que atualmente rever certos conceitos é medida que se impõe, ao passo que a

criminalidade galga vantagens muitas vezes inalcançáveis ao poder de repressão estatal.

À vista disso, a pergunta que se suscita não diz mais respeito a determinar se o Estado deve ou não aceitar a prova proibida e em vista disso reduzir direitos, ao passo em que na atual conjuntura, a manutenção destes torna praticamente impossível a investigação e a punição de crimes de grave potencial ofensivo e praticados de maneira cada vez mais refinada e bem encoberta, muitas vezes tomando cores de transações legalizadas, como por exemplo os recentes casos de montantes exorbitantes de dinheiro público.

O cerne do problema é outro, como bem nos elucida SILVA (2003, p. 55):

A questão que se coloca hodiernamente, ao menos no plano normativo, não é mais saber se o Estado deve ou não restringir direitos fundamentais, mas em que medida essa restrição deve ocorrer, pois, como salienta Vittorio Grevi, frente ao avanço da criminalidade organizada, o ordenamento processual deve saber reagir para salvar antes de tudo a si mesmo, prevendo instrumentos derrogatórios e procedimentos alternativos que, sem ofender a substância dos direitos do acusado, permitirá à Justiça seguir regularmente seu curso. Daí a relevância da consideração do princípio da proporcionalidade, pois, se uma vez ponderados os interesses estatais o sacrifício dos interesses individuais resultar desproporcional ou não exigível ao indivíduo, a medida haverá de ser considerada inconstitucional.

CHAVES e CUNHA (2007, p.68-69) nos aclaram o entendimento no que pertine ao motivos ensejadores da aceitação da prova proibida no viés pro

societate, citando os abundantes motivos para a sua utilização, tais como a

crescente necessidade de fortalecimento da segurança pública face aos cada vez mais ousados avanços do crime organizado; a existência de um alegado “direito fundamental à proteção social”, legitimador da aplicação da proporcionalidade em prol dos interesses da coletividade; a relevância da busca pela justiça; a admissibilidade da prova ilícita apenas em favor do réu constituir evidente lesão à isonomia das partes no processo penal; e, por fim, a inexistência de inconveniente na utilização pro societate naqueles casos de excepcional gravidade sem contudo abdicar da devida motivação judicial; dentre várias outras razões que podem requerer de tratamento distinto a fim de não caucionar com a impunidade de crimes

fortemente lesivos à coletividade.

Embora crescente o entendimento de que é sim admissível a utilização da prova proibida, em casos excepcionais e revestidos por relevante interesse social, mormente aqueles que tratam de ilícitos cometidos com grande prejuízo aos interesses coletivos, atingindo patamares deveras agigantados, há a vertente de entendimentos que não admite, em absoluto, o aproveitamento destas provas, sob a alegação de que o princípio da proporcionalidade, nesse aspecto, apenas legitima o desejo de repressão a todo custo. É esta a lição de CHAVES e CUNHA (2007, p. 70):

O direito parece não ter conseguido livrar-se do desejo de repressão a todo custo, em sua maior medida, como máxima processual. O acusado permanece sendo visto como merecedor da mais alta pena e castigo, tendo o Estado como instrumento para alcance de tal medida, o princípio da verdade real, cuja aplicação permitiria até mesmo uma ilicitude processual.

Não obstante a divergência doutrinária, nosso posicionamento é pelo juízo de admissibilidade favorável ao uso das provas proibidas quando revestido da devida relevância, consubstanciado por motivação em todos os seus parâmetros.

Em se tratando do caráter constitucional deste extraordinário uso das provas proibidas, vale, por fim, colacionar a perspectiva de CHOUKR (2010, p. 302):

A literalidade da CR impõe a inadmissibilidade no processo das provas ilícitas. No entanto, a literalidade cede diante da interpretação por critérios de proporcionalidade, os quais, em última análise, buscam mitigar a previsão constitucional, flexibilizando a admissão no processo das provas obtidas por meios ilícitos.

Conclui-se, portanto, que o juízo de admissibilidade das provas proibidas não configurará ilegalidade quando revestido dos devidos critérios a fim de evitar lesividade maior, exercício este que será possível por meio da aplicação do princípio da proporcionalidade e desde que, de fato, haja pertinente e imperiosa necessidade.

2.2 LIMITES DE ATUAÇÃO ESTATAL E APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA

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