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Quando recebi o convite para falar da minha experiência de aluna com deficiência física na UnB, eu passei a pensar em tudo o que vivi do momento da inscrição até os últimos trabalhos antes de me formar. Um filme veio à minha mente.

Me lembrei do momento em que fui fazer a inscrição para o vestibular, em maio de 2014. Eu tenho paralisia cerebral, o que afeta a minha fala e a minha coordenação motora. Como eu necessito de uma pessoa para escrever e

ler a prova, houve um problema ao preencher o formulário e, para resolver a situação, me encaminharam para o Programa de Apoio às Pessoas com Necessidades Especiais (PPNE) da Universidade. Chegando lá e resolvida a situação, uma pessoa do Programa me fala: “não se preocupe com passar de primeira, a maioria não consegue”. Isso me deixou intrigada! Pensei e falei: “Mas, eu vou passar!”. O que eu ouvi, vindo de uma pessoa que trabalha no PPNE, poderia desmotivar muitas pessoas. Os obstáculos começavam ali, mas eu estava determinada a superá-los. Literalmente.

E foi assim que tudo começou!!! Nos dias do vestibular, na semana do meu aniversário de 25 anos, tudo ocorreu como deveria ser. Duas pessoas do CESPE me acompanharam nos dois

dias de prova. Me deram toda a assistência necessária. Me senti acolhida e super à vontade com eles. Vi que com esse tipo de acompanhamento, eu seria capaz de enfrentar as dificuldades que viriam pela frente.

Meses depois, eu recebo a notícia de que havia passado em Museologia! Foi um misto de alegria e dúvida. Em minha cabeça, eu pensava: será que eu passei mesmo? Dias depois, veio a confirmação de que eu havia passado. Fui fazer minha matrícula toda empolgada! Semanas depois, começam as aulas para valer.

Nessa primeira semana de aula, minha mãe me acompanhou pois, não sabíamos que o PPNE prestava serviços pós vestibular. Logo que descobrimos esse serviço, ficamos felizes porque assim ela não precisaria assistir as aulas e eu poderia ter mais autonomia. Percebi que a importância desse serviço para pessoas com deficiência que dá ferramentas e nos informa dos direitos que temos, para que a vida acadêmica seja mais acessível.

Mesmo com todo o mérito do PPNE, nós ainda tínhamos outra barreira pela frente: o preconceito das pessoas. Os primeiros meses foram bem difíceis. Eu me sentia um peixe fora d’água, não tinha muitos amigos. Na verdade, tinha somente um! Foi todo um processo de adaptação não só para mim, mas também para meus colegas de curso e professores, do meu departamento e de outras faculdades da UnB. Em sala de aula, já ouvi comentários como “por que ela tirou 10 e eu não” ... E a professora respondeu categoricamente: “porque ela estudou mais do que você”. Muitos obstáculos tive que enfrentar para mostrar que sou capaz de concluir minha formação acadêmica.

Com as tutorias, tive a oportunidade de mudar um pouquinho a mentalidade de alguns já que eles viam que não era minha mãe que fazia meus trabalhos por mim. Sou uma pessoa deficiente pensante, sou capaz de cumprir todos os requisitos que a universidade exige, da mesma forma que

eles são capazes de cumprir. Ao contrário, muitas vezes eu ajudava meus colegas. O papel dos tutores é tomar notas das aulas, redigir os textos que eu dito, mas nunca fazer ou interferir nos meus trabalhos. Mesmo quando fazemos trabalhos em equipe ou em grupo, cada um contribui com sua ideia.

Além do preconceito, outra barreira que enfrentei foi a acessibilidade física. O acesso à minha faculdade é bastante complicado. Para eu chegar até as salas de aula, era preciso descer uma rampa bem íngreme onde os carros passam para ir até o estacionamento privativo dos funcionários do BCE. Como essa pista é muito inclinada e o terreno é acidentado, somente minha mãe era capaz de conduzir minha cadeira de rodas por esse trecho. E depois, nós tínhamos de atravessar a biblioteca acompanhadas de seguranças, passando pela porta da sala de estudos que dá acesso à minha faculdade. A passagem obrigatória por esse caminho exigia que minha mãe fosse comigo todos os dias e esperasse o começo e o fim das aulas, todos os dias, durante cinco anos. Isso impactou não somente a liberdade dela, mas também atrapalhou o meu convívio social com os colegas já que algumas pessoas ficavam intimidadas em se aproximar de mim na presença de uma pessoa de outra geração.

O que nem sempre as pessoas entendiam, é que minha mãe era muito mais do que alguém que me ajuda nos deslocamentos. Eu precisava dela para me alimentar, para ir ao banheiro, até mesmo para beber água. Coisas simples, mas que ganham outra dimensão quando se vive com esse tipo de deficiência física.

Mas, com o tempo, tudo foi se adequando e pude concluir minha formação em Museologia com louvor. Meus colegas foram aos poucos se aproximando de mim e fizemos excelentes amizades ao longo desses últimos anos. Eles foram aprendendo a conduzir minha cadeira, me convidaram para ir com eles a outros lugares no

museus e uma viagem juntos.

A UnB me acolheu e ofereceu certos acomodamentos importantes para minha vida acadêmica. Ainda há muito o que melhorar tanto em relação à parte física quanto à parte social. Atividades como palestras ou rodas de conversa, dentro da UnB, que mostram quem somos, nossa realidade e nossa

contribuição.

No filme que veio à minha cabeça quando pensei na minha experiência na UnB e que tem como protagonistas as pessoas com deficiência compete a nós lutarmos pelos nossos direitos e acreditar que somos capazes. E esse é apenas o começo desse filme. Que venham logo os próximos capítulos.

Crescimento do número de estudantes com deficiência na UnB (2015-2019) 0 10 20 30 40 50 60

D. Auditiva/ SurdezD. Física D. Intelectual D. Múltipla D. Visual TEA Surdocegueira 2015 2016 2017 2018 out/19