CAPITULO III – A PARTICIPAÇÃO FEMININA NO MOVIMENTO “QUEIXADAS” E A
Anexo 6: Relatos
QXS, 77 anos – Operário da década de 1960 – relata sua própria história
Após o sucesso da greve de 46 dias, com as reinvindicações atendidas, que foram: reajuste de 40%, salário família, comissão dos trabalhadores dentro da Fábrica para discutir problemas internos da empresa; Prêmio produção; Casa própria etc.. Mário Carvalho de Jesus, advogado do Sindicato, procurou discutir com a diretoria, a necessidade de formação da Doutrina Social da Igreja e documentos papais, sobre a relação do trabalhador e empregador. Convidou para um trabalho de formação em Perus, Frei Luiz Maria Sartore, franciscano que havia fundado uma congregação feminina chamada Missionários do Instituto Cristo Operário. Assim começaram, ele com os trabalhadores e elas com as famílias, reunindo-se nas casas uma vez por semana. Já se discutia a relação marido e mulher, economia, partilha,ajuda mutua etc. Tinha também médicos que participavam das reuniões com suas esposas,orientando o casal na questão da saúde, planejamento familiar e etc. Para mim esse foi o início das Comunidades Eclesias de Base, pois lá estavam todos os casais que aprenderam a se reunir, colocar em comum seus problemas, opinar nos casos de ajuda, sempre iluminados pelo evangelho. Aprendi então que na vida não basta só rezar, mas é preciso agir, que a esposa não é só companheira, não é escrava e que desse bom entendimento dependia a educação dos filhos e o bem estar da família. Lembro-me da minha primeira participação na reunião de casais na casa do Raul e Lurdes, ao perceber que todos falavam abertamente dos defeitos do casal, entrei de sola achando que só eu tinha razão, porém, após minhas colocações, chegou o momento de ouvir o que achavam da minha opinião, recebi lições dos companheiros que colocaram os meus pés no chão e me fizeram entender que eu não estava sozinho no mundo, mas que ao meu lado tinha alguém que era o próximo, mais próximo que era a minha família e meus amigos. Aprendi que devemos detestar o erro, mas saber perdoar quem errou. Falo isso porque na greve tive que aceitar o fracos que furaram, ficaram do lado do mau patrão, mas que eram meus irmãos, eu devia perdoá-los. Nessa greve aprendi também que nem todos patrões querem realmente o bem dos seus trabalhadores, mas o seu orgulho, sua ganância e bem estar, seu lucro acima de tudo. Aumentar sua fortuna mesmo que seu dinheiro seja manchado de sangue.
São capazes de doar vultosas fortunas para uma Igreja, mas os seus operários para ter um pedacinho de pão para dar a seus filhos tem que fazer greve para ter seus direitos respeitados. Isso para mim foi o início das Comunidades Eclesiais de Base em Perus, que a partir de 1967, ganharam vida com a chegada de Padre Pedrinho na Paróquia Santa Rosa de Lima de Perus, deu formação, valorizou o leigo, que passou a viver uma vida conforme o vaticano II. A primeira CEB a iniciar em Perus com os problemas da saúde, educação, transporte, moradia e saneamento básico. Padre Pedrinho conseguiu no exterior, verba para perfuração de um poço artesiano no Jardim do Russo, amenizando tão grave problema.
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QXW, 56 anos –
Filha de Queixada – relata a história de sua mãe
Nascida a 05 de Dezembro de 1933 em Mairiporã -SP descendente indígena , tinha orgulho disso. Estudou muito pouco por conta distancia e das mudanças de moradia da família, filha mais velha do casal: Deolindo e Aparecida.
Casou-se bem nova, aos 16 anos de idade com o primeiro namorado: Carlos Bernardo da Silva, 10 anos mais velho que ela. Como ele já trabalhava na Fabrica de Cimento Portland Perus, logo, arrumou uma casa da fabrica para morar, pois a família já vinha crescendo, chamávamos de Acampamento da fábrica de Cimento Perus, era um porão com 4 cômodos e banheiro, bem arejado com um quintal enorme do lado de fora um jardim e uma pequena horta , era comum em outras casas da fábrica também.
Deu à luz a primeira filha em 1950 e logo teve o segundo que não resistiu a uma doença infantil (Sarampo). Depois nasceram outros, eu sou a quinta, eles falavam que eu seria aquela que ia cuidar deles na velhice.
Levava uma vida tranqüila, meu pai trabalhava agora de auxiliar de laboratório, minha mãe muito tímida, humilde, ainda tinha poucas amizades, mas ia aprendendo a lidar com a vida doméstica. Por volta de 1962 acontece a greve dos trabalhadores da fábrica de cimento, fato histórico, muda tudo na vida de todos. A causa “o mau patrão”. A partir daí as coisas foram ficando difíceis, pois sem emprego os “queixada” eram pressionados a todo tempo a furar a greve. As assembléias eram feitas na sede do sindicato, toda família participava, eu no colo do meu pai aos 4 aninhos já ouvia falar de resistência. Minha mãe, como as outras mulheres, não falava nada em público, mas em casa quando punha na mesa o arroz e chuchu cozido, era o momento da partilha, da opinião, das orientações, da esperança , da revolta também, depois de tanto tempo!
Era necessário buscar alternativas para a sobrevivência, Através do Sindicato, vieram às cooperativas, os cursos, minha mãe fazia o curso de costura pelo SESI e também vieram os missionários para ajudar as famílias, até mesmo na orientação do controle da natalidade, porque depois de mim, vieram mais dois irmãos, mas ela era muita esforçada ainda de dieta do caçula, saiu para trabalhar de diarista e foi o que nos salvou, porque o pouco que ganhava trazia o pão e o leite, o feijão e o arroz. Nos dias que não tinha casa para trabalhar, lavava roupas para fora, as pessoas do bairro era solidário nesta parte. Para ela, trabalhar com outras famílias fez muito bem, tirava um pouco da angustia, do sofrimento e ficava longe das provocações das mulheres dos “pelegos”. Os irmãos mais velhos cuidavam dos menores e quando ela chegava queria saber o que aconteceu com cada um de nós, com muita dificuldade freqüentávamos a escola, brincava ao redor da casa, fazia os serviços domésticos, cuidava um do outro e nunca reclamamos daquela situação de miséria, porque tínhamos a certeza que um dia a greve ia acabar e com ela viria coisas melhores. Esta força, este jeito de enfrentar o conflito foi fruto do trabalho feito ao longo do tempo pelo Dr. Mario Carvalho de Jesus, advogado dos queixadas, amigo das famílias, um verdadeiro Humanista, que nos ensinou a lidar com o inimigo sem violência, sem se corromper. Eles tinham um grande respeito e o admiravam muito, depois de um longo tempo, numa visita que ele nos fez, eu, Dr. Mario, Papai e Mamãe estávamos sentados na área daqui de casa olhando para a fabrica de cimento que já tinha sido fechada, ela falou: “Nós sofremos, doutor Mario, mas vencemos” ele perguntou se tivesse que passar por tudo de novo você faria o mesmo Atília? Ela respondeu: o mesmo não dá, mas faria melhor, meu pai concordou e disse o passado não volta, mas fica na memória para sempre.
Atília faleceu no dia 15 de novembro de 2008 aos 74, vítima de Enfarte, sala de medicamentos do Pronto Socorro de Perus. Carlos ainda resistiu a solidão por mais 7 meses e depois de dar entrada no Hospital de Taipas foi para junto dela, sua eterna companheira, deixando o exemplo para os 4 filhos, para os netos e bisnetos.