• Nenhum resultado encontrado

Foto 2 Realização da ordenha, Damásio, Mosquito,

5. Relatos de Campo: o controle camponês

Negócio de lavoura podia ser uma boa indústria, mas é se o roceiro pudesse dependurar uma corda do sol outra da chuva. A plantação pegou a sentir, carecendo de chuva ? puxa a corda da chuva; a rama deu de e nferrujar com chuva em excesso ? , puxa a corda do sol. Mas do jeito que é, sem o lavrador

poder governar o tempo, avemaria. (Carmo Bernardes, 1972, p. 176)

Onde quer que eu tenha realizado entrevistas sobre a organização e a estrutura do lote e da vida do camponês, seja nos assentamentos selecionados para esta pesquisa, ou em outros espaços de encontro ? feiras, reuniões, romarias e festas ? , as respostas sempre começaram por obedecer a uma lógica da facilidade de acesso e da possibilidade de investir vigilância sobre as coisas do lote, o que tenho chamado de uma “necessidade de controle”. Tudo que aos camponeses parece ser normal, visto que é assim que se considera a rotina do que se pratica habitualmente, procurei olhar como “diferente”, “novo”, “não coincidente”. Mesmo porque o cotidiano está prenhe de minúsculas estratégias, a partir das quais é facilitada a vida em conjunto ? desde a forma como se organiza a casa até a maneira como ela é utilizada.

O uso de cada edificação presente no lote e a forma como são posicionadas, revelam estratégias minúsculas da vida camponesa. Não à toa, a primeira casa no assentamento é quase sempre edificada próxima a um rio; a segunda, num lugar em que é possível associar as outras necessidades de edificação (curral, paiol, horta, cozinha, quintal) e quando isto não ocorre, o camponês justifica-se dizendo que foi “mal-calculado”. Parece haver concordância entre o que estou chamando de “estratégias locacionais dos camponeses com o que Haesbaert (2001) chama de “estratégias identitárias” das áreas de acessibilidade controlada. Nesta perspectiva, recorro novamente ao autor (2001, p. 126) quando diz que o limite é visto então como um elemento fundamental na constituição de territórios, na medida em que serve de constrangimento ao livre acesso, à livre circulação (de bens, pessoas, capital, informações).

A vinda de algum “rancho” na fazenda, para casa na cidade e posteriormente para o assentamento, obrigou a família lavradora a alterar alternativas e hábitos de produção e construir outras formas de acesso aos alimentos. Tais situações fizeram com que o acesso aos alimentos e “bens” fosse escasso, e implicaram a necessidade

de estabelecer entre eles uma proximidade, à medida que deixam de sê-los. Além de poder “controlar” e apreender os períodos de crescimento e desenvolvimento das plantas e animais, a escolha da dimensão espacial entre casa e edificações do quintal permitiu a facilidade de acesso e aproximou homem e mulher camponeses no trabalho cotidiano. Esta proximidade favorece as “ajudas” com uma e outra atividade, como por exemplo, no período em que se aproxima o nascimento de bezerros, fica a cargo da mulher anotar o nome e sexo de cada animal, quando o homem auxilia no parto. Na ordenha, notadamente, a mulher se dirige até o curral para recolher um pouco de leite no preparo do café matutino, quando isto se constitui um hábito da família.

Outras experiências têm exigido uma proximidade entre homens e mulheres camponesas no trabalho diário do lote, como é o caso da produção e abate de frango caipira no lote de Orélio e Genesmar, do assentamento Rancho Grande e Lavrinha respectivamente. Vale narrar esta experiência a despeito de outras tantas que ocorrem nos assentamentos em Goiás73.

5.1 Narrativas do campo: um dia de trabalho numa “casa-granja”

Aos poucos, toda a família acorda ignorando o alvorecer: apenas mais um personagem de um dia árduo de trabalho. Simone, após o café, nos convida para descer pra cozinha da granja ? localizada na parte dos “fundos” do quintal, na primeira casa construída do casal no lote ? , onde coloca água pra esquentar no fogão de lenha. A água será utilizada para depenar as galinhas. Aos poucos, todos se colocam nos seus papéis, de forma a construírem um cotidiano de trocas e vivências tanto ricas quanto escapáveis à observação. Marcos, filho mais velho, ajuda o pai com o leite e vai para o pasto, trabalhar

73

Na fazenda Mosquito, visitou-se três casos distintos em que a mulher e o homem participam das mesmas atividades (embora haja uma divisão interna do trabalho). No lote de Altair e Nair Tobias, o casal produz, além dos alimentos da despesa, derivados do leite (queijos, doce de leite e requeijão). Ambos realizam o mesmo tipo de trabalho, embora a ordenha, quase sempre seja feita pelo marido e o preparo da massa do queijo fica a cargo da mulher. O marido, neste caso, ajuda na embalagem final e vende os produtos na cidade. No lote de Clóvis e Neuza, o preparo do queijo é exclusivamente feito pela mulher e a ordenha e venda, pelo marido. No caso de Dorvalino e llda, o marido cuida dos porcos da cooperativa dos assentados e a mulher fica sempre junto, separando a lavagem, preparando o almoço e cuidando de tod as as necessidades do esposo. Neste caso houve um deslocamento da “casa” para cooperativa, local em que, geralmente, o marido passava a maior parte do dia enquanto que o lote ficou aos cuidados dos filhos casados, que se agremiaram no mesmo lote que o pai. Para que este “deslocamento” fosse possível, Ilda levou sua cozinha para um galpão próximo à pocilga e improvisou um local de descanso onde passam a noite em dias de “parto” das porcas.

com a enxada. Verônica, ajuda na granja e no serviço de casa, assim como Valéria, a filha mais nova, ambas nascidas no assentamento Rancho Grande, ainda quando era acampamento e seus pais ajudavam na contribuição da luta pela terra no estado de Goiás. O tempo passado não é lembrado com muita alegria, mas valorizado em sua importância pedagógica e simbólica. Simone conta que ficava muito sozinha com as crianças, pois Orélio fez parte da coordenação regional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e por tal fato viajava e trabalhava muito, nos estudos de “formação política do MST”.

Desejosa em conhecer o lote, acompanhei Simone até a granja, onde sua família e a de Genesmar ? no caso constituída por ele e sua mãe ? , produzem, matam e limpam “galinhas caipira melhoradas”, para comercializá-las na Feira do Pequeno Produtor, na Cidade de Goiás, às sextas feiras e aos domingos. O local em que ficam os frangos ainda “pintinhos” é no lote do Genesmar, conforme demonstro nas fotos abaixo.

Foto 5 – Granja, Lavrinha, 2002.

Fonte: Rixen, Benoix, CPT – arquivo.

Foto 6 – Ração dos frangos, Lavrinha, 2001

Foto 7 – Frangos preparados para o abate, Lavrinha, 2001

Fonte: Rixen, Benoix, CPT – arquivo.

A limpeza dos frangos é feita em um pequeno rancho, nos fundos da casa de Orélio e Simone, assentamento Rancho Grande (vizinho da Lavrinha). “Essa foi a primeira casa que eu tive, minha mesmo” – disse Aurélio, orgulhoso sobre o rancho, um quadrado de pau-a-pique repartido em quatro partes diferentes, sendo a cozinha e a sala os maiores cômodos. Um varal de madeira com pedaços de fio de nylon segurados por pregos, formando vários arcos. No centro há uma mesa improvisada por dois cavaletes e uma porta de madeira e um tanque cheio de “trecos” sendo que em uma das “bocas”, banana, se der fome. Aos poucos chegam os frangos, trazidos por Orélio e Genesmar, de caminhonete. Os quatro vão aos poucos pendurando os mesmos de ponta cabeça no varal, dois a dois. Ali são sacrificados, geralmente pelos dois homens e formam um corredor de sangue no chão. Após serem retirados, os homens queimam-lhes os pés para que saia a pele, e os jogam na caldeira de água quente. Enquanto trabalham falam de assuntos mil, todos relacionados à vida na roça: uma vaca leiteira que pretendem adquirir, é uma leitoa que está na hora de comer, a horta que deve ser reiniciada.

Seqüência de fotos 8: Sacrifício dos frangos; Retirando a pele dos “pés” e Depenando com a caldeira

Fonte: Trabalho de Campo, 2002.

Os frangos são pouco a pouco retirados da caldeira e inseridos no depenador. Orélio e Genesmar são os responsáveis por este trabalho, enquanto Simone e Benedita e eu (arrolando fazer uma pesquisa-participante) retiramos as penugens restantes, abrimos e limpamos os frangos. Após a lavagem, os frangos são colocados numa caixa de isopor e secos, então são ensacados e guardados no freezer.