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5 DO ATO DE RELER AO ATO DE ESCREVER E

5.1 Releitura 1 A assembleia dos ratos

Na primeira sessão de releitura (02 de abril de 2018), identificamos que dez (10) sujeitos discordaram, sete (7) concordaram dos comentários dos colegas e apenas um (1) sujeito não expressou o seu ponto de vista. Percebemos que predominou o argumento da contradição e incompatibilidade, nos termos da argumentação quase-lógica. Praticamente, em todas as respostas aparecem elementos indicadores de argumentação, tais como o uso do “porque”, do “pois”, formas verbais como “deveriam” e a escrita em primeira pessoa do singular, marca do gênero comentário. A seguir, apresentamos o comentário de Paulo em relação ao posicionamento assumido por Samuel:

Quadro 17 - Comentário 1 referente a 1ª sessão de releitura Pergunta:

Na assembleia realizada pelos ratos, um rato Casmurro perguntou sobre quem colocaria o guizo no pescoço do gato. Quais foram as atitudes dos demais ratos após essa pergunta? Você concorda com essas atitudes? Justifique sua resposta.

Comentário de Samuel após a leitura da fábula:

Todos os outros ratos se calaram silêncio total o rato disse desculpa por não saber da nó outro porque não era tolo e os demais ratos não tinha coragem para colocar guizo no pescoço de Faro Fino e não ia dar certo porque Faro Fino iria comer todos. Eu não concordo com essa atitude porque eles tavam com medo e eu acho que eles deveriam enfrentar o medo e o Faro Fino. Fim

Data: 19/03/2018

Comentário de Paulo sobre o comentário de Samuel:

Eu não concordei dos ratos ficar com medo de botar o bicho no pescoço do Faro Fino se eu fosse um rato ia correr para pegar um bicho e botar no pescoço de Faro Fino e fim isso é tudo que eu sei.

Paulo

Data: 02/04/2018

O sujeito Paulo produz um comentário em que se infere concordância com o posicionamento expresso por Samuel. Inicia o seu texto com o enunciado “eu não concordei”, assumindo o lugar de discurso e evidenciando o seu posicionamento sobre a fábula, sem fazer referência direta ao texto produzido por Samuel, embora assuma o mesmo posicionamento do colega. Nessa direção, Paulo discorda das ações dos personagens da fábula (os ratos), particularizando o objeto da negativa: “dos ratos ficarem com medo de botar o bicho no pescoço do Faro-Fino”. O problema é o medo, não o medo exterior, do ambiente social, mas sim o medo dos personagens, o medo interno à narrativa fabulosa. Parece que se trata de um argumento quase-lógico até que lemos a continuação do comentário: “se eu fosse um rato ia correr para pegar o bicho”. Comparando esse trecho com o anterior, percebemos que o primeiro está subordinado ao segundo, pois a realidade exterior ao texto tem a primazia: as expressões “se eu fosse” e “um bicho” conotam elementos do ambiente social do aprendiz; a sua vida social, como tal exterior à narrativa fabulosa.

Essa primazia da estrutura da realidade continua com o emprego da conjunção somativa e a construção de nova oração: “e botar no pescoço de Faro Fino”. Paulo colocaria “um bicho” da realidade exterior (note a distinção em relação a “o bicho”, do início da resposta, uma alusão provável ao guizo) no pescoço do personagem da fábula. Uma ação que significa justamente o aspecto dos argumentos baseados na estrutura da realidade: ir da realidade ao texto é a estratégia de convencimento da audiência, no caso não só do colega a quem o comentário se dirige, mas também da professora-mediadora.

Após esse aspecto, o comentário termina da seguinte forma: “e fim isso é tudo que eu sei”. É tudo o que ele sabe. Sabe da vida exterior ao texto que tem, dos dissabores e das doçuras que experimentou ao longo de seus anos de existência.

Essa perspectiva quase existencial é adensada pelo uso do “eu sei”, de modo que o emprego da primeira pessoa do singular alerta-nos aqui para como um indivíduo expõe a sua posição peculiar, pressupondo a diferença entre a posição externada e outras tantas possíveis. Argumentar pressupõe um ponto de vista particular e a busca pelo convencimento da audiência. Foi isso o que Paulo demonstrou ao longo de sua escrita.

O outro comentário foi produzido por Joaquim a partir do texto de Ozoniel: Quadro 18 - Comentário 2 referente a 1ª sessão de releitura

Pergunta:

Na assembleia realizada pelos ratos, um rato Casmurro perguntou sobre quem colocaria o guizo no pescoço do gato. Quais foram as atitudes dos demais ratos após essa pergunta? Você concorda com essas atitudes? Comente.

Comentário de Ozoniel após a leitura da fábula:

“Sim Porque se os ratos fossem amarrar o guizo no pescoço do gato o gato correria atrás deles e eles não conseguiriam fugir e também o gato pegava e também porque um não sabe dar no outro Porque não era tolo todos porque não tinham coragem”.

Ozoniel

Data: 19/03/2018

Comentário de Joaquim sobre o comentário de Ozoniel:

Para escapar do Faro-Fino eles tiveram uma ideia para botar o guizo no gato e eles poderiam viver em paz para sempre. Fim.

Joaquim

Data: 02/04/2018

A produção de Joaquim não se assemelha ao gênero comentário, pois expressa mais um relato do que um posicionamento evidenciado e justificado do texto do colega. Em sua produção, podemos inferir que o sujeito concorda com o comentário produzido por Ozoniel após a leitura da fábula, por notarmos um tipo de reciprocidade com o que foi dito pelo seu par no estabelecimento de uma relação entre o ato de se colocar um guizo no gato Faro-Fino e a vida em paz por parte dos ratos da história fabulosa.

Joaquim começa a sua escrita dizendo: “Para escapar do Faro Fino eles tiveram uma ideia para botar o guizo no gato”. O aprendiz fixa-se na narrativa fabulosa expondo sua interpretação, o que é evidenciado pelos termos “escapar” e “ideia”. Com efeito, o que está dito é que o ato dos ratos consistiu numa ação deliberada, planejada, arquitetada tendo em vista um empreendimento de fuga do

gato Faro-Fino. Ao mencionar, nominalmente, o nome do gato e se referir aos ratos enquanto “eles”, o aprendiz se coloca em uma posição de árbitro dos dois elementos (ratos e gato), tomando posição clara em favor dos ratos. O oponente Faro-Fino precisaria ser identificado.

Apesar de inferirmos sobre qual seria sua opinião, não podemos identificar que houve argumentação, uma vez que o sujeito apenas se “posiciona” diante do objeto e não justifica seu ponto de vista utilizando um argumento. Isso é percebido a partir da ausência de elementos próprios da argumentação, como o uso do “porque”, “pois”, entre outros.

Casos como o de Joaquim endossam a hipótese de Leal e Morais (2006, p. 118) de que “quando a demanda cognitiva exigida na tarefa de grafar o texto é grande, a geração de ideias pode ser mais lenta”. Isso porque essa foi a primeira vez em que o referido aprendiz deparou-se com a tarefa de escrever comentários, de modo que o seu nível de escrita ainda não permitia a geração de conteúdo, tal como motivado pela atividade.