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Relevância clínica: O premente desafio do estudo

3. RNAs não codificantes

3.2. MicroRNAs

3.2.3. Relevância clínica: O premente desafio do estudo

Os miRNAs regulam mRNAs, os quais por sua vez codificam proteínas que efetivam funções celulares por diversas vias moleculares. É desta forma que estas moléculas reguladoras desempenham um papel vital na viabilidade celular, influenciando desde o processo de diferenciação celular, passando pela proliferação, até ao processo de morte celular. A primeira evidência que denota a relevância dos miRNAs a nível fisiológico, surgiu em 2003, quando Bernstein e colaboradores inibiram a formação global de miRNAs, pelo silenciamento da enzima Dicer, em células estaminais de ratinho, e verificaram a morte do embrião (116). Estudos posteriores confirmaram a necessidade de miRNAs para a sobrevivência e desenvolvimento em diversos estadios celulares. Certos miRNAs apresentam padrões de expressão característicos, nomeadamente específicos de determinados tecidos, como é exemplo o miR-21 no coração, o miR-1 no músculo e o miR-122 no fígado, ou específicos de determinado estadio de desenvolvimento, como o miR-290 que é altamente expresso em células estaminais ou o miR-143 elevado nos adipócitos durante a adipogénese. Outros, porém, apresentam uma expressão global, nomeadamente os que regulam a expressão de genes que codificam proteínas de distribuição ubíqua (revisto em (117)).

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Tendo conhecimento dos padrões de expressão temporal, é possível caracterizar assinaturas de miRNAs de um status fisiológico específico, ou seja um perfil de miRNAs expressos em determinada condição e que contribui para a homeostasia celular. No entanto, tal como existe variação genética que pode alterar a expressão e/ou função de determinada proteína, também a presença de variação em genes que codificam miRNAs, nos locais alvo ou nos próprios fatores de transcrição de miRNAs (os quais, muitas vezes, são também eles regulados por outros miRNAs), pode resultar na sobre ou sub-expressão de determinado miRNA e consequentemente na alteração da expressão dos seus alvos. Assim, é possível obter assinaturas de miRNAs, não só de estados de homeostasia fisiológica como de doença, uma vez que a alteração da sua expressão pode conduzir ou coadjuvar a ocorrência de uma condição fisiopatológica. Com efeito, o conhecimento do perfil de um estado de homeostasia permite já antever o resultado da sua desregulação no funcionamento celular e sistémico, onde determinado miRNA está inserido, bem como a desregulação indireta que esses miRNAs provocam noutros sistemas regulados pelos seus alvos. Atendendo, por exemplo, aos miRNAs que regulam o metabolismo e a homeostasia energética, é possível verificar que estes são importantes, não só na diferenciação dos tecidos envolvidos na produção e armazenamento de energia (fígado, músculo esquelético e adipócitos), como também regulam a libertação de insulina, o metabolismo de aminoácidos e lípidos. Da caracterização prévia do perfil de expressão fisiológico neste sistema metabólico, foi possível prever e posteriormente confirmar experimentalmente, que a sobreexpressão do miR-375 leva à diminuição da secreção de insulina pelas células β pancreáticas, e a diminuição da expressão deste conduz ao aumento da expressão de insulina (118). Tal pode acontecer no metabolismo dos aminoácidos, onde o miR-29b tem como alvo o transcrito da desidrogenase dos cetoácidos de cadeia ramificada (BCKD), conduzindo a sua desregulação à alteração da expressão normal desta enzima (119). A BCKD catalisa o primeiro passo irreversível no catabolismo dos aminoácidos de cadeia ramificada (BCAAs), ou seja a leucina, isoleucina e valina, aminoácidos essenciais. Como a leucina consegue estimular a secreção de insulina, a regulação direta que o miR-29b efetua na BCKD faz com que este miRNA regule indiretamente o metabolismo da insulina, resultando da sua desregulação a alteração das duas vias metabólicas.

O principal alvo de investigação na caracterização de perfis de miRNAs com expressão alterada reside, porém, no processo neoplásico. Inicialmente Lu e colaboradores

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detetaram a diminuição de miRNAs através da análise de centenas de amostras de tecido neoplásico, indicando que estas moléculas teriam um papel de supressor tumoral (120). Atualmente, os tecidos tumorais apresentam também padrões de sobreexpressão destas moléculas, motivando a regulação negativa de supressores tumorais e portanto exacerbando a ação de oncogenes, sendo por isso descritos como oncomiRs. O miR-21, a primeira molécula descrita como oncomiR, é um dos miRNAs sobreexpresso, quer em cancro da mama, pâncreas e pulmão, promovendo a mobilidade celular e invasão, uma vez que atua diretamente na proteína PTEN, um supressor tumoral que inibe a invasão celular bloqueando metaloproteinases da matriz (121). Estes estudos têm demonstrado o potencial da utilização da assinatura de miRNAs no diagnóstico do cancro, constituindo vários miRNAs como biomarcadores de diagnóstico e prognóstico tumoral (120).

Por outro lado, a alteração da expressão dos miRNAs não significa, exclusivamente, a ocorrência de doença, esta pode também ocorrer em resposta a um estímulo ou alteração da fisiologia celular, promovendo alteração na expressão das suas moléculas alvo de modo a que a alteração confira proteção celular. Tal facto é evidenciado na regulação de sistemas críticos para a homeostasia, como a regulação do stress oxidativo no sistema cardiovascular. Tem sido demonstrado que os miRNAs afetam a resposta redox em células endoteliais, através da regulação do fator de transcrição HBP1 e da consequente p47, vital para a ativação da NADPH oxidase (122). Cheng e colaboradores demonstraram que radicais livres induzem a expressão de miR-21, o qual leva à proteção de cardiomiócitos do stress oxidativo, pela inibição da expressão do gene PDCD4 (123).

A caracterização dos perfis de expressão, bem como o estudo de novos miRNAs e respetivos locais alvo, permite um entendimento cada vez maior da rede de interações genéticas em que estas moléculas estão envolvidas. O facto de abordagens de previsão de miRNAs in silico apresentarem uma precisão relativamente baixa, com um número de falsos positivos de, sensivelmente, metade dos miRNAs previstos por cada análise, faz com que a análise genómica possibilitada por tecnologias de sequenciação, seja premente para desvendar novas vias de regulação génica, prever e diagnosticar doenças, bem como alcançar terapêuticas eficazes baseadas na regulação destas moléculas (124).

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Objetivos

O estudo centra-se na análise de sequências completas do genoma humano de quatro indivíduos de nacionalidade portuguesa, obtidas por tecnologia de sequenciação NGS. A análise que se pretende realizar tem por objetivos: caracterizar a variabilidade de cada um dos genomas individuais; relacionar a variabilidade existente entre os quatro genomas de indivíduos portugueses; relacionar a informação dos quatro genomas portugueses com a informação referente a populações caucasianas, bem como com outras populações representadas em projetos internacionais de sequenciação, como os 1000 Genomas e ESP; analisar a existência de variantes pontuais associadas a fenótipo; determinar a ancestralidade genética global dos quatro genomas de indivíduos portugueses; e caracterizar elementos genéticos reguladores que são transcritos e não são traduzidos, nomeadamente os miRNAs, inferindo o seu possível significado funcional.

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Material e Métodos

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