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5.3 O ensino de Administração no Brasil

5.3.1 Relevância da formação generalista

A escala das transformações tecnológicas, a crescente interdependência da economia mundial, a dinâmica das mutações sociais, a aplicação de novos princípios de geopolítica, que tendem, cada vez mais, a quebrar os clássicos limites das fronteiras Norte-Sul e Leste-Oeste, constituem, para Torquato (1991), entre outros, parâmetros norteadores de um comportamento administrativo fundamentado na formação de generalistas especializados.

Para Torquato (1991), o Administrador para enfrentar um mundo com as características descritas anteriormente, deverá ter capacidade abrangente de análise, interpretação e correlação, ou seja, o planejador por excelência, com visão sistêmica para ler correta e adequadamente os cenários sociais, as turbulências políticas, econômicas, o ambiente de competição, as formas de mercado, as tendências culturais dos grupos, os nichos negociais e as possibilidades de integração das economias contemporâneas.

Até o limiar do ano 2000, segundo Torquato (1991, p. 133),

“eles se multiplicarão, inicialmente nas grandes corporações internacionais, passando seqüencialmente, para as grandes empresas nacionais e fixando-se até em empresas médias.

Exercerão suas funções assessorando as decisões do top diretivo, fornecendo as grandes linhas de ação, indicando os caminhos a serem seguidos, os meios, formas, processos e sistemas mais consentâneos com as realidades circunstanciais”.

Ainda para Torquato (1991), o generalista especializado

“vê o todo, procurando decidir, depois de medir as conseqüências, incorporando as informações ambientais e processando, analiticamente, os dados que capta. Internamente o generalista é capaz de vivenciar sentimentos de comunidade, pela pesquisa e procura dos anseios grupais. Dispõe de imenso tirocínio para cristalizar pontos essenciais, ver prioridades das situações com acuidade, dentro de um ordenamento lógico. É também exímio avaliador de desempenhos e potenciais dos recursos humanos.

Na mesma linha de raciocínio de que o profissional do futuro será muito mais um generalista especializado, Ruiz (1996) confirma esta posição em seu artigo publicado na Folha de São Paulo de 20 de maio de 1996, quando diz que “os cursos genéricos serão obrigatórios para formação”.

Rocha (apud Ruiz 1996, p. 20) também afirma que “o profissional mais habilitado para atuar em atividades de diferentes áreas vai substituir o especialista (...) . Para executar tal tarefa, exige-se deste profissional uma formação acadêmica mais generalista”.

Isto porque para Ruiz (1996, p. 20) “o diploma não é mais uma garantia de espaço no mercado de trabalho. (...) O ideal é que o estudante opte primeiro pelos cursos de nível universitário mais genéricos....”

Para Vanin (apud Ruiz, 1996), o ensino superior vai ter que ser reformulado, como é hoje nos Estados Unidos. “Lá, os cursos em nível de graduação são mais amplos. A especialização é feita no doutorado”.

Para concluir, Ruiz (1996, p. 20), em consonância com os argumentos apresentados por Torquato (1991), comenta ainda que “o mercado de trabalho vai pedir um cidadão do mundo. Um profissional viajado, que saiba se virar bem em Londres como em Cingapura, tenha fluência em pelo menos duas línguas e navegue na internet com desenvoltura”.

Deluiz (1996, p. 15-16) também confirma a questão quando menciona que “o trabalhador polivalente deve ser muito mais generalista do que especialista. Para desenvolver as novas funções, há exigências de competências de longo prazo que somente podem ser construídas sobre uma ampla base de formação geral”.

Neste sentido, para Deluiz (1996) o conjunto de competências posto em ação em uma situação concreta de trabalho constitui característica do que se chama de qualificação real.

Este conjunto de competências, para Deluiz (1996), amplia-se para além da dimensão cognitiva, das competências intelectuais e técnicas (capacidade de reconhecer e definir problemas, equacionar soluções, pensar estrategicamente, introduzir modificações no processo de trabalho, atuar preventivamente, transferir e generalizar conhecimentos), para as competências organizacionais ou metódicas (capacidade de auto-planejar-se, auto-organizar-se, estabelecer métodos próprios, gerenciar seu tempo e espaço de trabalho), as competências comunicativas (capacidade de expressão e comunicação com seu grupo, superiores hierárquicos ou subordinados, de cooperação, trabalho em equipe, diálogo, exercício da negociação e de comunicação interpessoal), as competências sociais (capacidade de utilizar todos os conhecimentos - obtidos através de fontes, meios e recursos diferenciados - nas diversas situações encontradas no mundo do trabalho, isto é, da capacidade de transferir conhecimentos da vida cotidiana para o ambiente de trabalho e vice-versa), as

competências comportamentais (iniciativa, criatividade, vontade de aprender, abertura às mudanças, consciência da qualidade e das implicações éticas do seu trabalho. Neste sentido, ao conjunto das competências profissionais acrescem-se as competências políticas, que permitiriam aos indivíduos refletir e atuar criticamente sobre a esfera da produção (compreendendo sua posição e função na estrutura produtiva, seus direitos e deveres).

Katz (1976, p. 61-65), por sua vez, discute as habilidades do Administrador, ou seja, as habilidades humanas, conceituais e técnicas.

“A habilidade humana é aquela qualidade de o executivo trabalhar eficientemente como integrante de um grupo e de realizar um esforço conjunto com os demais componentes da equipe que dirige. (...) A pessoa dotada de grande habilidade humana é cônscia de suas próprias atitudes, opiniões e convicções acerca dos outros e de grupos de pessoas; é capaz de aquilatar a utilidade e as limitações de tais sentimentos. Ao aceitar a existência de opiniões, percepções e convicções que são diferentes das suas próprias, é suficientemente hábil para compreender o que os outros realmente querem dizer com palavras e atos. É igualmente hábil em comunicar aos demais dentro do modo de pensar dos outros, aquilo que pretende dizer com seu próprio modo de agir”. A habilidade conceitual compreende a habilidade de considerar a empresa como um todo; inclui o reconhecimento de como as diversas funções numa organização dependem uma da outra e de que modo as mudanças em qualquer uma das partes afeta as demais. (...) Ao reconhecer tais relacionamentos e tomar conhecimento dos elementos importantes em cada situação, o Administrador deve, então, ter condições de agir de maneira a promover o bem-estar geral de toda organização. Por conseguinte, o êxito de qualquer decisão depende da habilidade conceitual das pessoas que tomam tal decisão e daqueles que executam. (...) A habilidade técnica subentende compreensão e proficiências num determinado tipo de atividade, especialmente naquela que envolve métodos, processos e procedimentos ou técnicas. (...) A habilitação técnica compreende conhecimento especializado, aptidão analítica dentro da especialidade e facticidade no uso dos instrumentos e técnicas de cada matéria...

A partir dos fundamentos apresentados, até então, fica evidente que a formação generalista especializado é uma proposta de educação que melhor se adequa à

capacitação de recursos humanos num contexto de transformação da organização do trabalho.

Isto porque o generalista especializado não é aquele que sabe de tudo um pouco, mas sim é aquele que possui uma forte especialidade sem desconhecer as implicações do que faz para toda a organização de forma interconectada. O conjunto de competências discutidas por Deluiz (1996), as características apresentadas por Torquato (1991) e por Ruiz (1996), e as habilidades conceituais, humanas e técnicas propostas por Katz (1976) consolidam o perfil generalista especializado como o profissional com visão global, dentre outros aspectos.

Neves (1994, p. 22) reforça a questão ao afirmar que

“quando se fala em generalistas, está-se querendo referir à visão de mundo que pessoas podem ter. Na verdade, quer-se alguém capaz de enxergar a mais de um palmo do nariz, isto é, alguém que ao executar sua função tenha em vista não apenas os resultados imediatos de sua ação, mas qual impacto que ela terá para a empresa como um todo. Daí a necessidade de se conhecer outras áreas da empresa, saber como funcionam, e em que medida interferem ou podem sofrer interferência de um determinado departamento....”

Ainda para Deluiz (1996), a formação generalista especializado como vem sendo discutida, aproxima-se do conceito de politecnia, onde o Administrador não apenas domina diferentes técnicas, equipamentos e métodos, mas conhece a origem destas técnicas, os princípios científicos e técnicos que embasam os processos produtivos, apreende as implicações do seu trabalho para toda a organização, seu conteúdo ético, compreendendo não só o como fazer, mas o por que fazer. Neste caso, a autonomia do trabalhador e sua participação no processo são enfatizados.

Já o especialista limita-se a desempenhar uma função sem se preocupar com as implicações do que faz com o todo interconectado. O especialista tende a apresentar visão fragmentada do que faz em decorrência da segmentação do trabalho, como discutido por Kanter (apud Morgan, 1996).

De acordo com o relatório da Comissão de Especialistas de Administração da SESu/MEC de 1994, fica evidente a necessidade de mudança da postura dos Cursos de Graduação em Administração, no sentido de colocar, no mercado, cidadãos mais capazes (generalistas especializados) para enfrentar os novos desafios exigidos pelo mesmo.

Os indicadores da mudança paradigmática tornam-se necessários, quando pensa- se na formação generalista especializado, pelo que já foi mencionado e ainda quando leva-se em conta os seguintes aspectos: a) a preocupação com a ecologia; b) a utilização, socialmente correta, dos recursos naturais; c) a distribuição, econômica e politicamente correta, dos benefícios sociais: emprego, renda, poupança; d) os rumos mais pragmáticos da política sindical; e) a inequívoca participação da tecnologia de ponta no processo produtivo; f) a desconfiguração de antigos valores geo-políticos; g) a divisão do mundo em blocos comerciais; h) o fenômeno internacional da imposição da qualidade total.

Além do que foi exposto, vale ressaltar a pesquisa desenvolvida pelo Conselho Federal de Administração - CFA, de caráter nacional, denominada “Perfil, Formação e Oportunidades de Trabalho do Administrador Profissional (1999)”, com vistas, principalmente, a identificar quais posturas, habilidades e valores os Profissionais de Administração consideravam preponderantes para a formação do seu Perfil Profissional.

A relação dos atributos, apresentada em ordem de importância definida pelos próprios pesquisados, em termos percentuais, evidencia um fato significativo: as Universidades estão, provavelmente, mais preocupadas com a formação do técnico do que com a formação do cidadão.

A relação de posturas, habilidades e valores que os Formados em Administração julgam importantes para a constituição do perfil profissional proposto são:

* Responsabilidade; * Liderança;

* Iniciativa;

* Capacidade de Trabalhar em Equipe; * Tomada de decisões; * Criatividade; * Comunicação Pessoal; * Honestidade; * Auto-confiança; * Planejamento; * Motivação Pessoal; * Espírito Inovador; * Negociação; * Relacionamento Interpessoal; * Capacidade de Assumir Riscos; * Convivência com Pressões; * Estabilidade Emocional; * Aparência;

* Visão Generalista; * Audácia; * Pontualidade; * Administração de Conflitos; * Sentimento de Prioridade; * Operacionalização de Idéias; * Administração do Tempo; * Ambição; * Delegação; * Capacidade de Síntese; * Adaptabilidade; * Intuição; * Exercício do Poder.

A análise, ainda que preliminar, da Relação de Atributos, demonstra que embora os Administradores persigam Objetivos de Mercado, ainda assim, há uma inequívoca vocação para o Comando e para a Coordenação das ações mais significativas das empresas, expressas pelos atributos mais votados na pesquisa:

* Responsabilidade; * Liderança;

* Iniciativa;

* Capacidade de Trabalhar em Equipe; * Tomada de Decisões.

Ainda, pode-se citar o perfil e as habilidades definidas pela Comissão do Exame Nacional de Cursos de Administração da SEDIAE/MEC (1996), como forma de consolidar-se a preocupação da formação generalista especializado. O perfil delineado pela Comissão foi o seguinte:

• internalização de valores de responsabilidade social, justiça, ética profissional;

• formação humanística e visão global que o habilite a compreender o meio social, político, econômico e cultural no qual está inserido e a tomar decisões em um mundo diversificado e interdependente;

• formação técnica e científica para atuar na administração das organizações e desenvolver atividades específicas da prática profissional;

• competência para empreender ações, analisando criticamente as organizações, antecipando e promovendo suas transformações;

• capacidade de atuar de forma interdisciplinar;

• capacidade de compreensão da necessidade do contínuo aperfeiçoamento profissional e do desenvolvimento da autoconfiança.

De acordo com o perfil definido acima, o Exame de Administração procurou verificar as seguintes habilidades:

- comunicação interpessoal e de expressão correta dos documentos técnicos e específicos e na interpretação da realidade ;

- raciocínio lógico, crítico e analítico para operar com valores, formulações matemáticas para estabelecer relações formais e causais entre fenômenos e para expressar-se de modo crítico e criativo diante dos diferentes contextos organizacionais e sociais;

- compreensão do todo administrativo, de modo integrado, sistêmico estratégico e suas relações com o ambiente externo;

- capacidade de propor modelos de gestão inovadores;

- capacidade de resolver situações com flexibilidade e adaptabilidade diante de problemas detectados;

- capacidade de ordenar atividades e programas, de decidir entre alternativas, de identificar e dimensionar riscos;

- capacidade de selecionar as estratégias adequadas de ação, visando atender a interesse interpessoais e institucionais;

- capacidade de selecionar procedimentos que privilegiem formas interativas de atuação em prol de objetivos comuns.

Para tanto, os Cursos de Graduação em Administração não poderão mais adotar práticas pedagógicas que tolham a criatividade e a inovação atreladas ao tecnicismo, por si só. Dessa forma, torna-se necessária a implementação de Projetos Pedagógicos que contribuam para a consolidação da formação do sujeito-cidadão e não mais do profissional operacional e reativo.

Por esta razão, a proposta metodológica discutida no capítulo seis está centrada nos pressupostos do construtivismo, ou seja, na existência de múltiplas perspectivas

para se compreender o processo de formação. Os construtivistas subscrevem as teses relativistas, ou seja, descartam qualquer possibilidade de objetividade no conhecimento. O pesquisador que segue esta lógica desconsidera outras perspectivas possíveis.

6 PROJETO PEDAGÓGICO PARA O CURSO DE GRADUAÇÃO EM ADMINISTRAÇÃO: uma proposta metodológica

Neste capítulo, apresentam-se as fases contempladas na metodologia proposta para revisão, análise e implementação do Projeto Pedagógico para o Curso de Graduação em Administração.

A presente proposta não pode ser vista como um produto acabado, já que por meio do referencial que embasa a proposta metodológica, os dirigentes dos Cursos de Graduação em Administração, consideradas as particularidades regionais e culturais, poderão realizar diferentes combinações entre as fases e dentro das fases.

Tem-se consciência de que as fases descritas na proposta metodológica para a revisão, análise e implementação de Projeto Pedagógico para o Curso de Graduação em Administração, contribuirão para o aperfeiçoamento contínuo, visando ao acompanhamento das transformações por que passam a sociedade e as organizações, bem como para motivar a formação de um sujeito-cidadão.

Desta forma, para facilitar o entendimento das fases contempladas na proposta metodológica, apresentam-se, num primeiro momento, algumas considerações iniciais sobre o sistema educacional brasileiro, as oportunidades conferidas pela LDB e os tópicos que fundamentam a proposta de Diretrizes Curriculares para os Cursos de Graduação em Administração, organizados por Andrade & Amboni (1998) como integrantes da Comissão de Especialistas de Ensino de Administração da SESu/MEC.

Em segundo lugar, verificam-se as fases/etapas contempladas na proposta metodológica para revisão, análise e implementação de Projeto Pedagógico para o Curso de Graduação em Administração.