• Nenhum resultado encontrado

religiosas estão dados no Anexo 1 Quando houver referência a um sacerdote que

terreiros, onde o pai-de-santo manda e não pede, onde o pai-de-santo, ao mandar, o faz em nome dos desígnios do orixá.

Uma outra explicação é aquela em que o próprio pai-de-santo da umbanda, e não a entidade espiritual, leva o filho em direção ao candomblé. Em geral, isto se dá quando este pai-de-santo tem dificuldades de resolver problemas de seu filho, emocionais e de outra natureza.

“Fui primeiro para a umbanda. Estive um pequeno espaço de tempo na umbanda, aí eu vi que a coisa era um pouquinho mais profunda para o meu lado. [...] O próprio zelador, nosso pai-de-santo de umbanda, já havia dado a entender... o caminho da gente seria o candomblé” (Pai Roberto de Xangô).

De modo geral se concebe o sinal, que pode ser a doença ou outro mal, como mensagem do próprio orixá, que deseja e exige ser feito, ser raspado, incorporar-se naquele seu devoto. Um orixá que o devoto já tem na umbanda, mas que possui menor grau de sacralidade, ou de símbolos de sacralidade. De um modo ou outro, a mãe de santo da umbanda também tem esta concepção. Vejamos dois casos:

“Eu comecei a ter vários problemas dentro da umbanda, porque Iemanjá (hoje eu tenho essa concepção) nunca... eu tinha aquele processo de começar a bolar, eu bolava, eu ficava desacordado, eu não entendia o porquê. [...] Continuavam os desmaios e, um dia então, esta mãe-de-santo que eu freqüentava procurou o pai Gitadê para ser raspada no candomblé, que ela era umbandista. Então ela o procurou e, justamente neste mesmo dia, eu fui junto com ela. No mesmo dia que ele botou o jogo para ela, ele botou o jogo para mim e disse o seguinte para ela: ‘Gilo’, que é o nome dela, ‘você precisa raspar o seu filho também, porque o problema dele é maior: Iemanjá está pedindo feitura’” (Pai Wilson de Iemanjá) .

“A mãe-de-santo da umbanda, ela me disse que eu ia ficar ali até achar um lugar para que eu trabalhasse. Porque eu teria que trabalhar no candomblé e ela não era do candomblé” (Mãe Conceição da Oxum).

Uma outra situação é aquela em que o pai-de-santo, ou mesmo o filho- de-santo, interpreta sua adesão ao candomblé como resultante de um progresso espiritual, religioso. De acumulação do saber religioso, de aprofundamento nos mistérios e segredos da iniciação.

“A umbanda já não conseguia me responder as perguntas e depois caí no candomblé”, nos disse Pai Aulo de Oxóssi.

As histórias de vida religiosa de muitos dos nossos entrevistados são histórias de busca. Pai Leo de Logun-Edé acaba de voltar da África, onde foi iniciado em Oxobô. Ele foi católico seminarista, kardecista, umbandista, de angola e de queto. E o percurso não terminou. Ele me disse:

“Eu já fui raspado quatro vezes. Na primeira vez que fui à África quase morri de malária. Não desisti, fui de novo. De que vale a vida, se a gente não chegar ao nível religioso de que a gente necessita?” Mas também há outro tipo de interpretação, em que a determinação religiosa pesa menos e a escolha pessoal pesa mais. Em que a adesão ao candomblé é uma escolha entre várias possibilidades, uma escolha que depende de um gosto estético, ainda que religioso. Concepção em que também tem importância a idéia de mobilidade, de possibilidade de buscar novas formas de expressão religiosa e adequação pessoal. Como fala o babalorixá Kajaidê:

“Todo mundo fala que foi parar no candomblé por doença. Meu não foi por doença não, foi por curiosidade. Porque para mim todo mundo fala: ‘Ah, estive doente...’ Mentira. Eu fui porque estive na umbanda, era de umbanda e achei que aquilo não era, não levava a nada, era um... que a umbanda antigamente não era a umbanda atual. Que na umbanda atual já há sacrifícios, há oferendas, e a umbanda, antigamente o máximo que fazia era uma garrafa de cachaça e um charuto e uma caixinha de fósforos numa encruzilhada. Agora é que a umbanda mata bode, faz um monte de coisa. Eu fui da umbanda como uma ligação, foi um trampolim. Naquela época também já era um trampolim pra muita gente. E já tinha várias pessoas velhas no santo,

no candomblé. Aqui em São Paulo tinha; tinha em Santos; no Rio tinha muito.”

Na passagem da umbanda para o candomblé, aparece muito freqüentemente a alegação de que é preciso recuperar um passado perdido, apagado, escondido. E que a umbanda teria sido um disfarce, uma forma de apagar ou dissimular uma origem que o senhor branco hostilizava. Lembremo-nos do clima cultural do país nos “anos 60”, aguçado nas grandes cidades, que legitimava uma procura de raízes. A fala seguinte é significativa:

“Eu já tinha minha Iansã na umbanda, mas ela veio como cabocla, porque o orixá também vem como caboclo, devido a essa necessidade do escravo de esconder dos fazendeiros. Então os africanos, eles simplificaram a seita vinda para o Brasil; então com o tempo o santo quer aquilo que é dele, mas ele quer na nação dele e não na umbanda. Então é o motivo que ele bola na umbanda. O umbandista não sabe e ele fica sofrendo e ele vai procurar um candomblé, vai para a seita, vai para as raízes, vai descobrir o que é dele” (Pai Matambaleci).

A passagem da umbanda para o candomblé não é apenas uma opção individual, pessoal, pois estamos vendo até agora depoimentos de pais e mães-de-santo ex-umbandistas, pessoas portanto que lideravam um grupo de filhos espirituais iniciados na umbanda. Há casos em que um chefe de terreiro, ao passar para o candomblé, arrasta consigo toda ou boa parte de uma comunidade de fiéis organizada em torno dele, como conta o Ebômi Renato da Oxum:

“Eu era de uma casa de umbanda desde menino. Depois essa casa de umbanda se transformou em candomblé, sem que o pai-de- santo tivesse feito santo, nem nada. Depois de anos fui a um toque em outra casa de candomblé. Foi onde eu bolei e fui iniciado iaô.” Presenciamos casos dramáticos de passagem de terreiros umbandistas para o candomblé. Os filhos mais jovens da mãe-de-santo, animadíssimos,

aprendendo a cantar, fazendo curso de iorubá na USP, dando todo apoio à mãe-de-santo, enquanto os membros mais velhos do terreiro zanzavam atônitos pelo terreiro, sem saber o que fazer, inconformados. Numa situação como essa, os laços afetivos da mãe com os filhos mostram-se muito impor- tantes, pois “gostar da mãe” é motivo suficiente para acompanhá-la na mudança.

Há ainda a situação, como a de Mãe Zefinha, filha-de-santo da mais que matriarca Mãe Das Dores, do nagô pernambucano, e que vem para São Paulo e toca umbanda sem abandonar suas obrigações rituais na sua casa de origem nagô, no Recife. E que passa a tocar candomblé apenas a partir de uma época em que o candomblé já se vai fazendo uma religião para a me- trópole paulista. É o que, risonha e graciosa, nos conta Mãe Zefinha da Oxum:

“Continuei a vida em São Paulo com umbanda. Eu toquei a minha vida com umbanda, mas todo ano eu ia para Recife, para a minha obrigação da minha Oxum na casa da minha mãe-de-santo, a minha Mãe das Dores. Um dia minha mãe falou: ‘nós com duas bandas já não somos nada, imagine com uma banda só! Por que você não monta seu terreiro de candomblé?’”.

Quando o candomblé veio chegando em São Paulo, havia setores da umbanda popularmente denominados “umbanda cruzada”, para os quais a complexidade ritual do candomblé já estava em parte recuperada através dos terreiros de angola do Rio de Janeiro. Foi o caso de Pai Doda de Ossaim, para citar o chefe de um terreiro bastante significativo do candomblé de São Paulo:

“Eu já fui criado numa família de umbanda cruzada, que era o omolocô. O meu caboclo na umbanda já veio dançando coisas de candomblé e nunca ele tinha ido a um candomblé. Apenas omolocô. Nunca tinha visto candomblé. Meu caboclo chegou e já falou que queria um pano verde. Isso eu era menino, com sete anos. Aí que começou.[...] Em São Paulo, a nossa umbanda não era pura; a gente já era traçado, minha irmã Zezé já punha pano-da-costa, já sabia que ela era Xangô, minha sobrinha já dera o bori de Iemanjá, porque no

omolocô tinha bori.[...] Mas aí teve um dia que eu me aproximei mais do candomblé. Aí foi quando eu fiquei na angola, a gente tocava angola. Depois eu fiz no queto, com Seu Milton, aí eu fiquei só no candomblé, mas respeitando a umbanda.”

Em outras palavras, havia um processo em curso, já estava se criando na São Paulo do começo da década de 1960 a demanda por um novo estilo de cultuar os orixás — e que era o velho estilo.

E, na imensidão de cidades como Rio e São Paulo, escondidas aqui e ali, submersas no anonimato dos subúrbios e periferias, as casas de candomblé também eram espaços de festa e de curiosidade, o povo do candomblé relacionando-se com o da umbanda, principalmente os tocadores de atabaque, num trânsito comum até hoje.

O contato com o candomblé, como com qualquer outra coisa na vida, podia bem dar-se ao acaso. Podia ser (e pode, como pudemos presenciar) amor à primeira vista. Um fruto do acaso. Mãe Maria de Ogum nunca tinha visto um candomblé. Por obra de relações de amizade fora do círculo religioso, acabou por chegar ao candomblé:

“Fiquei conhecendo um zelador-de-santo que veio de uma cidadezinha da Bahia, chamada Valéria, que nós o chamamos de Tata Jejemi e eu tive a felicidade de ficar conhecendo esse senhor e ele falou assim para mim: ‘Maria, você tem um santo muito bom, mas você está indo pelo caminho errado’ e me pegou pela mão.”

Um caso desse acaso é o do Ogã Gilberto de Exu. Tocava na umbanda, no Rio, ainda adolescente, ano de 1961. Uma noite, com amigos, foi para uma “festa”. Caiu de cabeça, como ele nos conta:

“Eu sei que num dado momento da festa eu estava fascinado com os toques. Eu tava acostumado com aqueles... a gente tem até uma maneira peculiar de falar... ‘toma aqui café com banha, toma aqui café com banha’, que é a batida exata do atabaque de umbanda. E eu vi aqueles caras tocar com aquelas varinhas. E eu fiquei fascinado com aquilo lá. E estava lá, muito entretido com as danças, as roupas, quer dizer, era um novo mundo! Uma nova magia que eu não conhecia.

Em dado momento, um ‘monte de palhas ambulante’, pra mim era ‘um monte de palhas ambulante’, me pegou pelo braço. [...] Aquela coisa me pegou e me sentou numa cadeira. [...] Toninho de Oxalá chegou e perguntou a Obaluaê (o “monte de palhas”), se era do gosto dele que eu tivesse o cargo de ogã. Obaluaê evidentemente disse que sim, então ele chegou e falou: ‘se o santo quer, então ninguém tem mais que colocar nenhum tipo de oposição’. [...] Eu me sentei na cadeirinha e ainda estava com medo. E me levaram, fizeram aquele preceito, me leva na copa, no axé, e tal e tal, me sentaram de novo na cadeira. Então a mãe-de-santo, muito a contragosto, chegou e perguntou para mim se eu aceitava. Mas na verdade eu não sabia o que era. Mas o medo era tão grande, que eu aceitei.”

Essas são histórias de mães e pais-de-santo do candomblé de hoje e que, já faz tempo, foram pais e mães da umbanda.2. Mas o processo continua, e eles têm uma interpretação também para os casos mais recentes ou atuais de mudança da umbanda para o candomblé, que continuam a ocorrer hoje em seus terreiros.

O que leva hoje uma pessoa da umbanda a entrar no candomblé? — perguntamos a eles.

As carências de hoje são as de quinze ou vinte anos atrás. Só que agora “é mais fácil”, não há perseguição contra a religião de sacrifício de sangue. E a religião também já oferece um estilo de vida, um jeito de ser na sociedade.

O candomblé é uma religião sacerdotal de longa, custosa, no sentido material, e misteriosa iniciação. A cada obrigação sobe-se um pouco na hierarquia cujo ápice é o cargo de mãe ou pai-de-santo. Com sete anos de iniciação se pode ser um sacerdote que alcançou todos os mistérios e que pode abrir uma casa onde agora ele ou ela estará no degrau mais alto. Pode- se ganhar prestígio, acumular fama, tornar-se uma figura pública e

2 Há em São Paulo terreiros chefiados por mães e pais-de-santo que não chegaram

ao candomblé pela porta da umbanda. Já vieram “feitos” e adultos, filhos de famílias baianas, sobretudo. Nasceram no santo, como se diz. E chegaram em São Paulo quando já havia um espaço para o candomblé. Como Mãe Meruca, Mãe Juju, Pai Gabriel, o Toy Francelino, da nação mina-jeje, entre outros. Além dos pioneiros, como Mãe Manodê, a mais antiga angoleira de São Paulo.

admirada, cujo modelo mais presente ainda é o de Mãe Menininha (Maria Escolástica da Conceição Nazaré), bajulada e amada por todos. Um pai-de- santo pode ficar muito bem de vida, o que demonstrará que ele tem axé, o poder religioso e mágico.

Ser do candomblé significa fazer carreira, começar como aspirante — o abiã —, entrar no sacerdócio pelo rito de feitura, ser o iaô, dar as obrigações de um, três e cinco anos e, com a obrigação de sete anos ser um ebômi, fazer parte do alto clero. Assim, o candomblé também é um meio de “subir na vida”. Mas igualmente um meio de expressão. Como procurou nos explicar o babalorixá Aulo de Oxóssi:

“Você entra para sofrer, o iaô entra para sofrer, ele não é ninguém, ele é chamado de ninguém. Então aquilo dá mais um down no cara, mas ao mesmo tempo, ele se eleva junto ao passado dele. ‘Hoje eu sou um cara raspado.’ [...] Entra para ter um livre acesso maior, uma busca maior de pessoas, de adeptos, que não teriam restrições nenhuma e a pessoa teria mais liberdade, eu não sei se o homossexual, por exemplo, se ele era mais sufocado socialmente e ele conseguia superar isso numa outra estrutura social, religiosa, sei lá o quê, e subia aí de padrão, de status. [...] Às vezes pode ser um problema de doença vinculada à parte espiritual. Muita gente inicia pensando em ficar muito bem, não é a grande realidade conseguir equilíbrio interno. Mas ficar bem financeiramente, socialmente, é meio difícil, não sei, pode ser que alguém... Mas eu acho que o cara acaba se iniciando mesmo é por causa da paixão. [...] Eu acho que também é o amor à religião.”

Será sempre por problemas não resolvidos que se procura o candomblé na maioria dos casos, afirma a maioria de pais e mães-de-santo com quem conversamos. Vejamos duas falas, que se completam:

“Então assim logicamente que ninguém assume uma coisa porque ela gosta ou porque... é muito difícil, sempre alguém é levado por algum problema, ou porque a vida atrapalha, as coisas não vão direito; outros vão por doença; outros vão por alguma coisa que acon-

teceu com a família. Então ela sempre procura a casa do axé por esses motivos e não propriamente por ela em si” (Mãe Iassessu).

“Apesar que muitas vezes, muitos filhos-de-santo entram dentro do roncó para raspar porque têm amor, porque eles amam a seita, acham uma coisa bonita” (Pai Sambuquenã).

É freqüente os mais velhos, saudosamente, falarem a respeito de um tempo passado, em que a adesão ao candomblé era diferente. Teriam sido outros os motivos e razões; iam em busca da religião como a um universo espiritual. Mas hoje, pensa-se, e se mitifica, tudo está mudado, mesmo na Bahia. É o que afirmou muito enfaticamente Mãe Stela de Oxóssi, ialorixá do terreiro baiano Axé Opô Afonjá, talvez, hoje, com a morte de Menininha do Gantois, o mais prestigiado terreiro de candomblé do país. Estas suas palavras foram proferidas em São Paulo em 1987, para uma platéia repleta de gente-de-santo de São Paulo, simpatizantes, curiosos e pesquisadores3.

“Antigamente as pessoas iam para o candomblé por questões espirituais delas, porque sentiam necessidade, como tem na atualidade pessoas que vão por necessidade. Ele sente que tem que ter força, tem que se segurar em alguma coisa, mas procurando uma forma, vai com aquela meta de ‘vou para arranjar emprego‘, ‘vou para arrumar um namorado’.[...] Candomblé agora virou moda. Vocês me desculpem,

3 A palestra de Mãe Stela, seguida de debates, foi realizada no auditório da

hoje extinta Secretaria Estadual de Relaç’es Especiais. Entre os presentes, achavam-se sete dos sacerdotes que comp’em a amostra deste estudo: Abdias de Oxóssi, Armando de Ogum, Ada de Obaluaiê, Sílvia de Oxalá, Marco Antôniode Ossaim, Francelino de Xapanã e João Carlos de Ogum, os quais já conhecíamos das visitas e entrevistas, além de outros mais. Eu estava com meus colaboradores nesta pesquisa e com outros seis colegas da USP. Num debate entre Mãe Stela e Pai Abdias sobre o sincretismo católico, que Mãe Stela vem expurgando do Opô Afonjá , Pai Abdias, a favor do catolicismo, a certa altura valeu-se do argumento de seguir a tradição da Casa Branca do Engenho Velho, “o mais antigo”, onde ele tinha, depois de missa na Igreja, “vestido” Oxóssi na festa deste orixá aquele ano, apontando em minha direção e dizendo: “... conforme pode atestar o professor ali, que ele estava lá e é testemunha” (e eu era mesmo).

tem uns que vão procurar o candomblé pela fé, principalmente. [...] a classe média não; a classe média é muito perigosa, porque vão pro- curando uma segurança, não vão pela fé, vão procurar segurança. Então, eu dei agora para fazer um censo: ‘Você veio aqui por quê?’. ‘Eu vim aqui porque eu quero saber o meu orixá, porque eu quero me iniciar‘, ‘eu vim aqui porque meu marido arranjou outra mulher’ — eu não trato com estes assuntos. Mas se a pessoa já vai para resolver aquele problema, ‘eu vim aqui porque já fui em mais de vinte lugares, gastei meu dinheiro todo’. Tudo isso acontece, então a gente vai fazendo uma triagem, senão vai virar uma bagunça total. Eu li no jornal que o candomblé dá um jeito em tudo. Pode uma coisa dessa? Não pode! [...] Porque tudo está tão desgastado... A própria Igreja católica. Estão com a mania de dizer que o candomblé dá um jeitinho em tudo, então o pessoal acha que indo pro candomblé talvez eles resolvam os problemas.”

E assim o presente valoriza o passado, e o passado é valorizado no presente. Ora, o passado mais recente do candomblé paulista é a própria umbanda. Dos sessenta terreiros de candomblé de São Paulo estudados nesta pesquisa, 45 têm como chefe espiritual um pai ou mãe-de-santo com passado umbandista. Mas nem por isso a umbanda é o passado valorizado; é considerada apenas uma etapa na vida do sacerdote, uma etapa a ser superada. Como se pode perceber através das palavras que procuram mostrar a diferença entre uma coisa e outra:

“A umbanda é o desenvolvimento espiritual, é uma escola de disciplina, de doutrina, de esclarecimento para aqueles que não têm nenhum esclarecimento na seita. É o início da carreira espiritual, porque praticamente todos os umbandistas estão procurando se aprofundar mais dentro da seita” (Pai Ojalarê).

“Na umbanda você vê uma mistura de religião indígena bra- sileira, religião oriental, cristianismo, kardecismo, culto aos orixás e o que mais apareça. Então aquilo dá uma salada em que existe axé, mas ele é fraco, ele é pouco” (Mãe Sandra de Xangô).

A umbanda não é tão-somente considerada mais fraca que o candomblé enquanto fonte de poder sagrado, poder que pode ser manipulado numa e na outra, para intervir no mundo natural, social e pessoal. A umbanda é também considerada, pelos hoje cultuadores do candomblé, como uma religião que se esgotou, como um brinquedo que perdeu a graça.

“Muitas vezes eles passam pela umbanda, ficam lá durante anos, recebem tudo quanto é espírito. Chega uma hora que esgota. Eles se sentem esgotados. O próprio orixá, numa outra forma, começa a se manifestar naquela cabeça” (Pai Armando de Ogum).

“A umbanda, eu acho, foi um engano, uma falta de liberdade e falta de informação. Tenho antigos filhos-de-santo do tempo da um- banda que continuam com seus terreiros de umbanda. Mas eles só entram na roda-de-santo aqui na minha casa se eles foram feitos. Eles ficaram lá para trás, naquela etapa. Entendeu?” (Pai Doda de Ossaim). Parece haver três ordens de razões capazes de explicar a passagem da