• Nenhum resultado encontrado

Em Cururupu, as crenças nos encantados fundamentam-se na história do Rei Sebastião. Segundo contam os nativos, o Rei e sua família teriam sido vítimas de um naufrágio nas proximidades da Ilha dos Lençóis, litoral maranhense, próximo a Cururupu. O naufrágio teria produzido um encantamento que os deixou cativos da ilha. A única pessoa que poderia libertar o Rei Sebastião e sua família de seu encantamento seria um “homem valente”. Seu desafio seria enfrentar e vencer, à meia noite, o “touro encantado” que surgiria na praia da ilha. Condições astrológicas bastante específicas fazem com que a ocasião propícia ao duelo só ocorra uma vez por ano.

Segundo Maués (1995), há notícias do sebastianismo na Zona do Salgado, no Pará, onde os pescadores crêem na existência de uma pedra “encantada” que abrigaria o Rei Sebastião. Os nativos acreditam que para “desencantá-lo” seria preciso enfrentar uma grande cobra que apareceria na praia à meia noite.

Relatos como esses, sobre o Rei Sebastião e o seu encantamento, são conhecidos em várias partes do mundo. Tiveram origem em Portugal, no final da Idade Média, onde se desenvolveu a crença messiânica na sua volta. Historicamente, o Rei desapareceu em batalha no Marrocos, ocorrida no século XIV. Quando o império português entrou em decadência, o mito messiânico do sebastianismo pregava que o retorno do Rei propiciaria a instauração do Quinto Império Português, quando Portugal recuperaria sua preponderância mundial. Fernando Pessoa, no poema épico “Mensagem”, faz referência ao papel crucial de Dom Sebastião para as conquistas marítimas do seu país. Segundo Braga (1983), a difusão do

sebastianismo messiânico no Novo Mundo se deu, em grande medida, através de jesuítas como Pe. Antônio Vieira.

Em Cururupu, acredita-se que a Ilha dos Lençóis “é uma grande encantaria”, um lugar de intensa atividade espiritual. Os moradores de Cururupu atribuem o grande número de pajés da cidade ao encantamento da Ilha dos Lençóis. Segundo eles, seria o próprio Rei Sebastião que “atingiria” algumas pessoas em Cururupu. Por influência dele, essas pessoas teriam o “dom” de falar com os encantados, o que ocorre geralmente durante os rituais religiosos. Em um ritual presenciado por mim, houve um momento em que o pajé passou a se identificar repetidamente como o Rei Sebastião, o que causava grande excitação entre os presentes. Nas horas em que acreditava “receber” outras entidades, o pajé não fazia questão de dizer seus nomes.

Além do Rei Sebastião há muitos outros seres espirituais conhecidos com o nome de encantados. Entre eles, os mais referidos em relatos míticos são os encantados da mata: Currupiro e Mãe D’água. As histórias do Currupiro são muito comuns entre caçadores. Ele seria um menino que zela pelos animais da floresta e por isso enviaria feitiços aos caçadores que tentam capturá-los. Os malefícios seriam enviados através de flechas, cujo efeito é fazer com que o atingido se perca na mata. Esses feitiços ou malefícios também causariam nas suas vítimas inflamações locais, vômitos e, segundo dizem, até a morte. Um pajé me disse que o Currupiro “tem ciúmes” dos animais, sendo preciso “pedir permissão” a ele para caçá-los. Uma forma de se proteger de seus ataques seria carregar consigo dentes de alho, ou então virar a camisa do avesso, se o caçador for capaz de perceber a tempo que está sendo desviado do seu caminho pelo Currupiro. Também pode-se oferecer a ele fumo e bebidas. Todas essas prescrições rituais seriam formas de “pedir licença” para penetrar na mata.

A crença nas entidades da mata determina espaços sagrados tornando necessário, para penetrá-los, realizar ritos especiais tais como aqueles descritos acima (virar a camisa do

avesso, portar dentes de alho, etc.). Com isso essas crenças fundamentam valores éticos sobre a relação homem-natureza.

Há também, na cosmologia religiosa de Cururupu, uma falange (grupo) de encantados responsáveis pela água doce e uma outra pela água salgada. As áreas sob seu domínio são consideradas regiões sacralizadas diante das quais os homens comuns devem comportar-se com cautela. A divisão dos encantados em compartimentos da natureza ordena o espaço, separando-o entre áreas sagradas e profanas. Esses saberes contém em si uma concepção da relação homem-natureza, baseada em respeito ao meio ambiente, bastante semelhante àquela difundida por ambientalistas.

Também são cultuados e incorporados pelos pajés de Cururupu, durante o transe, os deuses nagôs - Xangô, Oxossi, Ogum – que são sincretizados com santos católicos. A relação entre santos e orixás é denominada pelos pajés de africanismo. Os pajés que lidam com rituais de mina costumam fazer obrigações de dar comida aos orixás, realizando oferendas rituais de animais como ocorre em outras variantes religiosas afro-brasileiras.

No panteão dos caboclos ou orixás estão incluídos os caboclos (espíritos de índios) e os pretos velhos (espíritos de negros). Ambos são considerados espíritos de pessoas que viveram um dia na terra. As entidades da floresta – Currupiro e Mãe d’água - são consideradas elementos da natureza.

Uma última categoria de elementos espirituais, os Exus, é responsável pelo poder ritual de lidar com o mal. Os pajés que recebem essas entidades são considerados responsáveis pelo envio dos malefícios. Segundo os pajés, os Exus só são capazes de fazer o mal, não fazem o bem, apenas desfazem o mal que eles mesmos fazem. Já os encantados da água doce são considerados capazes de curar e são invocados durante as sessões de cura.

natureza aos quais eles pertencem e as propriedades a ele atribuídas, expressas na dicotomia básica entre bem e mal:

Bem / Cura Ambigüidade / curam e provocam doença Mal / Doença Encantados da Água Doce

Encantados da Água Salgada

Encantados da Mata Exus

Considera-se que as entidades de água doce e de água salgada não vivem na terra e sim numa “mata celeste”, apenas o Currupiro e a Mãe d'água habitam as matas terrestres pois são responsáveis pela proteção dos seres da floresta.