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2.2 A religiosidade africana em diferentes áreas do território brasileiro As manifestações religiosas procedentes das diferentes culturas africanas que

chegaram ao Brasil colonial, trazidas pelos negros escravizados neste território, tem sido motivo de diferentes pesquisas acadêmicas como também de palestras e discussões. Trabalhos de áreas das Ciências Humanas, como a História, a Antropologia e a Sociologia, têm demonstrado como tais eventos ocorreram durante este período.

Estudo realizado por Nina Rodrigues, o pioneiro do tema, conforme relata o antropólogo Waldemar Valente, seguido por outros estudiosos como Artur Ramos, Gilberto Freire, o próprio Waldemar Valente na primeira metade do século XX, demonstram como doutrinas religiosas provenientes de grupos culturais africanos foram professadas desde o período colonial neste território. As discussões sobre o tema foram motivo de realização dos Congressos Afro-Brasileiros ocorridos em Recife e em Salvador nos anos de 1934 e 1937,

45 MOTT, 1998, p.194. 46 Idem, p.206.

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respectivamente. No primeiro caso teve como idealizador o sociólogo Gilberto Freyre e no caso de Salvador o antropólogo Edison Carneiro.

2.2.1- Pernambuco

No estado de Pernambuco, o antropólogo Waldemar Valente, através de estudos sobre a religiosidade africana, chama atenção para as sobrevivências de símbolos de culturas religiosas daquele continente em práticas religiosas ali realizadas. Nesse sentido ele assinala o culto à divindade Nana-Buluku, da cultura nagô, salientando a importância da atuação destes no processo de reestruturação simbólica e sobrevivência de entidades como a descrita. Assim argumenta que: “O culto de Nanã, que descobrimos nos terreiros onde temos realizado nossas pesquisas, deve ter sobrevivido graças a influência dos nagôs. A sua incorporação na religião iorubá deu-se na própria África”. 47 Outra representação simbólica reconhecida por este pesquisador no referido estado foi o culto de Dã, a serpente sagrada dos daomeanos, que conforme Valente é a base da religião dos voduns, no Haiti.

O estudioso Roger Bastide, já na segunda metade do século XX, ao escrever sobre as manifestações africanas no Brasil, assinala que na região Nordeste do Brasil são os estados da Bahia e Pernambuco aqueles em que houve uma influência iorubá bastante forte.48 fato que os diferenciam de outros pontos do país49. Entretanto também assinala que entre estados existem diferenças tais como a hierarquia sacerdotal, o culto privado, que na Bahia considera mais próximo ao africano que em Pernambuco, reforçando assim as particularidades contextuais dos cultos.

2.2.2- Maranhão

O antropólogo Sergio Ferrete, ao pesquisar em São Luís do Maranhão a Casa das Minas, atesta a presença da cultura religiosa de origem africana naquele estado já no século

47 VALENTE, 1955, p.71. 48 BASTIDE, 1985, p.266.

49 Ao que parecesse, Bastide ao se referir ao termo iorubá atenta para a influência nagô uma vez que, conforme

Pierre Verger este termo embora refira-se a um grupo lingüístico da África ocidental, falado por diferentes grupos étnicos, chegou a ser, na América colonial como sinônimo de nagô. Neste sentido assina que: “ No

novo mundo, encontramos os primeiros vestígios da palavra nagô em um documento enviado da Bahia em 1756, antes mesmo que esta palavra aparecesse na correspondência da África. É todavia provável, como sugere Vivaldo da Costa lima, que “ o termo nagô” no Brasil seja inspirado naquele corretamente empregado no Daomé para designar os ioruba de qualquer origem”. (VERGER, 1997, p.14.)

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XIX. Embora saliente que a escravidão negra ocorrida no Maranhão ainda tem muito para ser estudada, Ferreti relata que em 1818 frei Francisco de N. Sra. dos Prazeres havia se referido a irmandades de São Benedito dos Pretos como a que possuía um maior número de negros naquela cidade, do mesmo modo também descreveu que: “para suavizar a sua triste condição fazem, nos dias de guarda e suas vésperas, uma dansa[sic] denominada batuque, porque n’ella uzam [sic] de uma espécie de tambor, que tem este nome. Está dansa é acompanhada de uma desconcertada cantoria, que se ouve muito longe”. 50 Aí pode ser observada uma presença negra tanto nas cerimônias católicas, nesse caso nas suas irmandades, como também realizando rituais próprios de suas culturas religiosas originais.

Ao comentar a referência dos tambores descritos pelo Frei Francisco de N. Sra. Dos Prazeres, Ferretti ressalva ter presenciado os som destes tambores, já na década de 60 do século XX. Também faz considerações ao fato de ter sido este ritual o inspirador do título do romance de Josué Montello, Os Tambores de São Luis, no qual se refere constantemente, à Casa das Minas.

Escrevendo sobre as particularidades dos cultos na Casa das Minas, Ferretti salienta a presença de altares católicos que são colocados de forma bem visível na sala da frente ao mesmo tempo em que a sala de danças costuma ser na varanda dos fundos. Aqui pode se observar uma convivência entre estes dois símbolos religiosos que não se fundem (altar católico, danças africanas). Essa dualidade de práticas também pode ser notada quando Ferretti assinala que:

“Nas festas da Casa das Minas os voduns e as vodúnsis mandam sempre as pessoas ir à missa ou rezar a ladainha, mesmo quando não vão ou vão pouco. Não queremos fazer concorrência à Igreja; dizem que primeiro se deve ir à igreja e depois ao terreiro”. 51

Diante de tal evidência, cabe refletir a motivação que determinava essa prática dual; se por convencimento espiritual de ambas, ou se a realização das cerimônias católicas servia de garantia diante da repressão aos cultos áfricos para o encobrimento e realização destes. Roger Bastide, ao estudar as práticas religiosas africanas no Brasil, assinala o possível disfarce utilizado por representantes de cultos africanos no país o qual chamou de máscaras brancas. Nesse sentido argumenta que membros de candomblés chegaram a confessar que o segredo não garantia proteção suficiente para as práticas dos credos

50 FERRETTI, 1995, p.117/118. 51 Idem, p.218.

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africanos. Dessa forma era preciso mascarar aos olhos dos brancos os seus rituais. Nesse caso chegou-se a construir altares católicos em terreiros apresentado nestes imagens de santos. 52

Ainda no estado do Maranhão, Ferretti relata que a casa Jeje de São Luís foi organizada no início do século XIX, por negros procedentes do Daomé, sendo protegido pelo Zomadonu, considerado como o vodum que lidera o culto dos ancestrais da família real, sendo este pouco conhecido em outras regiões. 53