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O tratamento de esgoto sanitário é realizado com o objetivo de remover poluentes (majoritariamente material sólido, matéria orgânica, nutrientes e patógenos) e tornar o lançamento do efluente adequado a uma qualidade desejada ou em conformidade com os padrões de lançamento de efluentes vigentes na legislação.

De acordo com as finalidades do tratamento, este pode ser classificado em diferentes níveis, tais como: tratamento preliminar, tratamento primário, secundário e terciário/avançado. O tratamento preliminar conta com um sistema de gradeamento que visa apenas a remoção de sólidos grosseiros. O tratamento primário envolve a remoção de sólidos sedimentáveis e gordura por meio de mecanismos físicos. O tratamento secundário, por sua vez, remove a matéria orgânica dissolvida e, eventualmente, nutrientes (nitrogênio e fósforo), por meio de mecanismos biológicos. Já o tratamento terciário ou avançado tem como objetivo remover poluentes específicos potencialmente tóxicos e/ou não biodegradáveis, ou seja, não removidos no tratamento secundário. Por isso, o tratamento terciário é complementar ao tratamento secundário, removendo poluentes que não foram totalmente removidos nos processos biológicos (VON SPERLING, 1996).

Em muitos países, inclusive no Brasil, o tratamento do esgoto sanitário alcança o nível secundário. No entanto, tem sido amplamente relatado na literatura a ocorrência de baixas remoções de alguns fármacos, produtos de higiene pessoal e hormônios em ETE de diversos países, empregando tratamento convencional (TERNES, 1998; LISHMAN et al., 2006; VIENO et al., 2006; KASPRZYK-HORDERN et al., 2009; MARTÍNEZ BUENO et al., 2011; SANTOS et al., 2013; HOQUE et al., 2014; KOSMA et al., 2014). Isso porque essas ETE são projetadas para remover sólidos e matéria orgânica biodegradável. Consequentemente, contaminantes que possuem características recalcitrantes, como a maioria dos contaminantes emergentes, não são suficientemente removidos.

O tratamento terciário de esgotos, por outro lado, tem se mostrado mais efetivo na remoção de contaminantes emergentes. O emprego de processos oxidativos avançados, adsorção em carvão ativado, nanofiltração e osmose reversa como etapas complementares ao tratamento secundário podem fornecer remoções mais efetivas para esses contaminantes. No entanto, por não ser exigido pela

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legislação e por possui um custo mais elevado, o tratamento terciário tem sido pouco utilizado (KLAVARIOTI et al., 2009; FENG et al., 2013; LUO et al., 2014).

Nos tratamentos convencionais, isto é, até nível secundário, a remoção dos contaminantes emergentes depende das suas propriedades físico-químicas, do tipo de tratamento empregado e das condições operacionais da ETE (LUO et al., 2014).

A remoção é bastante variável de um contaminante para outro em função das diferentes estruturas químicas, diferentes propriedades e biodegradabilidades. Por isso, cada grupo terapêutico possui diferentes remoções. Em geral, cafeína e paracetamol apresentam remoção >98% em vários tipos de tratamentos, aeróbios e anaeróbios, o que é condizente com suas biodegradabilidades em águas (KASPRZYK-HORDERN et al., 2009; LIN et al., 2009; GROS et al., 2010; ROSAL et al., 2010; SUI et al., 2010; BEHERA et al., 2011; FROEHNER, MACHADO, et al., 2011; VERLICCHI et al., 2013; DU et al., 2014). Dentre os anti-inflamatórios, os quais também são bem removidos, o ibuprofeno apresenta as melhores remoções em vários tipos de tratamentos aeróbios, com valores geralmente >75% (JOSS et al., 2005; LISHMAN et al., 2006; MATAMOROS et al., 2008; ZORITA et al., 2009; SAMARAS et al., 2013; STASINAKIS et al., 2013; VERLICCHI et al., 2013).

Há, entretanto, fármacos que não são removidos e, além disso, há casos em que ocorre um aumento da concentração de alguns deles durante o tratamento. Este é o caso da carbamazepina e do diclofenaco (JOSS et al., 2005; LISHMAN et al., 2006; NAKADA et al., 2006; VIENO et al., 2007; KASPRZYK- HORDERN et al., 2009; ZORITA et al., 2009; GROS et al., 2010; MATSUO et al., 2011; SUI et al., 2011; VERLICCHI et al., 2013). A carbamazepina é eliminada do organismo majoritariamente na forma de conjugados glucuronídeos. Durante o tratamento de esgoto, a molécula perde o grupo glucuronídeo e é convertida novamente na molécula original (VIENO et al., 2007; ZHANG et al., 2008). Justificativa análoga tem sido relatada para o diclofenaco (LEE et al., 2012).

Quanto à remoção nas diferentes etapas de tratamento, o tratamento primário é responsável pela remoção daqueles contaminantes que permanecem preferencialmente adsorvidos no material particulado, já que nessa etapa há remoção de sólidos sedimentáveis (CASTIGLIONI et al., 2005; RADJENOVIĆ et al., 2009; STASINAKIS et al., 2013). Já nos tratamentos biológicos, os principais

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mecanismos relatados para a remoção dos contaminantes emergentes são a biodegradação/biotransformação e adsorção no lodo (JOSS et al., 2005; JELIC et al., 2011; VERLICCHI et al., 2012). Todos esses processos dependem, portanto, das propriedades do composto.

Entre os diferentes tipos de tratamento biológico existentes, os que são capazes de promover maior remoção para a maioria dos contaminantes é o tratamento com lodos ativados e os biorreatores em membrana (MBR, do inglês membrane bioreactor) (MIÈGE et al., 2009; LUO et al., 2014). O tratamento com MBR é ainda relativamente superior aos sistemas com lodos ativados, especialmente para os compostos cujas remoções são medianas neste ultimo tratamento (SIPMA et al., 2010).

SUI et al. (2011) observaram que o desempenho do MBR foi mais estável do que lodos ativados para os compostos facilmente degradáveis. Já compostos com remoção insignificante em lodos ativados apresentaram remoção moderada em MBR. O melhor desempenho do MBR está ligado à maior biomassa no biorreator com membranas, o que leva a uma menor razão alimento/microrganismo (F/M, do inglês food/microrganism), forçando os microrganismos a metabolizar compostos mais recalcitrantes. Além disso, os maiores tempos de retenção do lodo no tratamento com MBR permite o crescimento de uma maior diversidade de bactérias.

KASPRZYK-HORDERN et al. (2009) observaram eficiências de remoção sempre menores para uma ampla gama de fármacos de diversas classes em tratamento com filtro biológico do que em lodo ativado. BRANDT et al. (2013) também verificaram menores remoções de alguns contaminantes emergentes em reatores UASB (escala piloto) comparado aos tratamentos com lodo ativado e MBR em escala real.

Além do tipo de tratamento, os fatores operacionais da ETE podem afetar a remoção dos compostos. Entre esses fatores citam-se o tempo de retenção hidráulica (TRH), tempo de retenção do lodo (TRL) e temperatura.

O TRH apresenta maior influência na remoção dos compostos mais biodegradáveis e de baixo kd (coeficiente de distribuição água-lodo). Esses ficam

preferencialmente na fase dissolvida, e sua degradação é maior quanto maior o TRH, fornecendo tempo suficiente para que ocorra a degradação durante o tratamento. Por outro lado, a remoção de substâncias que possuem kd elevado e

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baixa biodegradabilidade é, em geral, mais influenciada pelo TRL. Nesse caso, maiores TRL favorecem maior adsorção do composto no lodo (GROS et al., 2010).

A temperatura de operação, por sua vez, pode provocar variações sazonais na eficiência de remoção. COLLADO et al. (2014), avaliaram a eficiência de remoção de 81 fármacos em uma ETE operando com lodo ativado convencional, na cidade de Celrà, na Catalunha, Espanha. Os autores observaram, para a maioria dos compostos selecionados, eficiências de remoção mais elevadas nos períodos quentes em relação aos períodos frios. Essa mesma tendência foi observada por outros autores em ETE da Itália (CASTIGLIONI et al., 2005), da Espanha (GROS et al., 2010), do Japão (MATSUO et al., 2011) e da Finlândia (VIENO et al., 2005), todas empregando tratamento com lodo ativado convencional. Essa variação sazonal na remoção foi atribuída à maior atividade microbiana em temperaturas mais elevadas, o que favorece a remoção de contaminantes relativamente biodegradáveis.

De acordo com o exposto, é evidente que a remoção de contaminantes emergentes é um processo complexo e bastante variável. No entanto, é importante ressaltar que a remoção aqui relatada não necessariamente indica eliminação total dos contaminantes. Como descrito, os mesmos podem ficar retidos no lodo, e sua biodegradação implica na geração de sub-produtos, os quais podem ser mais persistentes ou mais tóxicos do que os compostos originais.

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5 - ÁREA DE ESTUDO