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Capítulo 3 – Injetitos de Areia

3.3. Mecanismos e Processos e intrusões de areia

3.3.1 Remobilização e injeção de sedimentos

Para entender a formação de injetitos, devemos nos basear nos princípios gerais de deformação e remobilização de sedimentos não consolidados e nos princípios relacionados à mecânica dos fluidos e aos processos de sobrepressão. A remobilização e injeção de sedimentos ricos em areia requer a transformação de um depósito arenoso em estado sólido para um estado líquido, com a remobilização e injeção desta areia nas rochas circundantes (Jonk, 2003). O aumento da pressão de fluídos nos poros pode causar perda de resistência mecânica dos sedimentos, levando à formação de uma ampla gama de estruturas de deformação. As condições que podem levar à ocorrência desses fenômenos ocorrem em uma ampla variedade de ambientes e circunstâncias, especialmente em sedimentos não consolidados saturados em água (Jonk, 2003).

3.3.1.1 Liquefação

O termo "liquefação" foi definido por Yound (1973) como a "transformação de um material granular de um estado sólido para um estado liquefeito como conseqüência do aumento de água nos poros". O termo geral abrange fenômenos relacionados, porém distintos. Lowe (1975) associa a formação de estruturas deformacionais sin-sedimentares a processos de escape de água durante a ―consolidação‖ (definida como a expulsão do excesso de água dos poros coexistente com a compactação do sedimento). A liquefação ocorre quando os grãos não são mais suportados pelo atrito intergranular, mas são momentaneamente suspensos pelo fluido dos poros.

Lowe (1975) define que a liquefação ocorre quando um sedimento em condição metaestável ou não consolidado experimenta uma súbita perda de resistência ao cisalhamento associada ao colapso da estrutura de grãos e um rápido mas temporário aumento na pressão do fluido de poros, transformando um sedimento suportado por grãos em uma suspensão transitória suportada por fluidos. A liquefação tende a conduzir o fluido dos poros para cima e inicia a fluidização

localizada da areia (Obermeier, 1996; Hurst et al., 2003a). Os mecanismos responsáveis pelo movimento ascendente dos fluidos dos poros são: 1) altas pressões de fluidos dos poros no sedimento liquefeito que direcionam os fluidos para a superfície e; 2) o reassentamento de grãos em configurações mais compactadas que deslocam os fluidos de poros para cima (Leeder, 1982). Em geral, o fluxo de fluido e as altas pressões se dissipam rapidamente e a trama suportada por grãos é restabelecida, com a (re) deposição geral começando na base da camada liquefeita e progredindo para cima até que toda a massa seja novamente suportada por grãos. Para a liquefação, não é necessário um influxo de fluido nos poros, nem uma mudança de volume do depósito (Allen, 1984).

Quando a areia liquefeita é sobreposta por camadas de baixa permeabilidade, a taxa de escape de fluido é reduzida e o excesso de fluidos começa a se acumular abaixo da camada de baixa permeabilidade. Se a pressão do fluido dos poros exceder o gradiente de fratura na camada adjacente, o hidrofraturamento da camada ocorre, causando migração de fluidos e areia (Obermeier, 1996; Jonk, 2010). A liquefação de areia é comumente causada por cisalhamento induzido sismicamente e associada a injeção e extrusão de areia (Obermeier, 1996). Mudanças de pressão também podem ser promovidas através de sobrecargarepentina causadas por ondas de tempestade (Hildebrandt e Egenhoff, 2007) ou por densas correntes de turbidez (Leeder, 1982) e são inferidas como possíveis mecanismos para induzir liquefação. Ambos os mecanismos não requerem uma fonte externa de fluido e representam liquefação in situ dentro de um volume de referência fechado (Owen, 1996).

Depósitos de areia e silte levemente compactados, não consolidados e homogêneos são os sedimentos mais propensos a serem liquefeitos (Fig. 3.21).

Sedimentos mais finos do que o limite inferior dos sedimentos potencialmente liquidificáveis apenas raramente sofrem liquefação. Mesmo a pequena quantidade de argila pode ser suficiente para diminuir drasticamente o potencial de liquefação (Obermeier, 1996a). A trama dos grãos também influencia profundamente a suscetibilidade à liquefação; a mesma areia pode passar de altamente suscetível a liquidificação à não facilmente suscetível apenas pela mudança de trama sedimentar (Obermeier 1996a). Dessa forma, o potencial de liquefação diminui com o aumento da idade ou profundidade do sedimento, uma vez que o grau de compactação tende a aumentar com o tempo (soterramento). Os grãos de areia começam a fluidizar

somente quando o movimento ascendente do fluido poroso é superior à velocidade mínima de fluidização (Fig. 3.22).

Figura 3.21 – Diagramas mostrando a granulometria mais suscetível à liquefação; a cruz verde mostra o tamanho de grão mais grosso que pode desenvolver liquefação sem a ocorrência de uma cobertura confinante. Modificado de Obermeier (1996).

3.3.1.2 Fluidização

A fluidização é considerada o principal processo responsável pela injeção de areia em fraturas hidráulicas (Duranti e Hurst, 2004; Gallo e Woods, 2004). Esse processo forma-se pela suspensão dos grãos pelas forças de arrasto transmitidas pelo fluxo ascendente de fluidos. Fluidização ocorre quando um fluido que percola um agregado granular exerce força de arrasto suficiente para levantar ou suspender

os grãos contra a força da gravidade (Lowe, 1975). À medida que a velocidade do fluxo do fluido aumenta, é atingido um valor crítico onde a força da gravidade é contrabalançada pela força de arrasto do fluido; essa velocidade é a velocidade mínima de fluidização (Lowe, 1975). Excedendo essa velocidade, a camada se expande, a porosidade aumenta e a rede de sedimentos pode ser completamente suspensa e o sedimento é considerado fluidizado (Fig. 3.22). A fluidização completa

ocorre quando todos os grãos de diferentes tamanhos e/ou densidades são fluidizados. Se a pressão do fluido dos poros exceder o gradiente de fratura dos estratos adjacentes, ocorre fraturamento hidráulico destas camadas, causando remobilização de areia e fluidos para a superfície (Obermeier, 1996).

Na ausência de forças coesivas intergranulares, e se a estrutura de grãos estiver livre para expandir, a velocidade mínima de fluidização (Vmf) para uma camada de esferas de tamanho uniforme pode ser aproximada pela equação:

Vmf = (0,00081 (ρs-ρf)) d2 g / μ (1)

onde g é a aceleração devida à gravidade, d é o diâmetro médio das partículas (mm), ρs e ρf são as densidades das fases sólida e fluida, respectivamente, e μ é a viscosidade dinâmica do fluido. Como a equação (1) foi estabelecida para partículas nas quais predomina o arrasto viscoso, ela é precisa apenas para grãos com menos de 1,2 mm de diâmetro, embora possa geralmente ser aplicada à maioria dos materiais na faixa de tamanho de areia. O Vmf para areias de grão fino a médio é estimado em 0,001 ms-1 (Lowe, 1975) e 0,01 ms-1 (Duranti e Hurst, 2004). Esses valores são velocidades mínimas de fluxo quando a fluidização começa e podem representar a velocidade de fluxo para estruturas de drenagem de fluidos em pequena escala(Lowe, 1975). Por outro lado, é provável que a injeção de areia em larga escala exija velocidades de fluidização muito mais altas (Hurst et al., 2011).

O diagrama da figura 3.22 mostra uma velocidade mínima generalizada de fluidizaçãoversus curva de tamanho de grão, mostrando que a areias de granulação fina a médiasão mais facilmente fluidizadas (Lowe, 1975). Areias e cascalho de granulação grossa oferecem uma resistência de massa relativamente grande para fluidizar, enquanto forças coesivas entre os grãos se tornam importantes para partículas do tamanho de argila. A seleção de grãos tem um efeito significativo no curso da fluidização (Kunii e Levenspiel, 1969). Se a distribuição de tamanho for relativamente suave em torno de um único diâmetro médio, esse diâmetro poderá

ser usado com precisão razoável na equação (1). Se um sedimento polimodal é fluidizado, no entanto, a equação (1) não pode ser usada para prever a velocidade mínima de fluidização. É provável que um sedimento fortemente bimodal mostre fluidização da população de partículas menores dentro dos poros dos grãos maiores não perturbados. Assim, argila ou silte podem ser fluidizados e elutriadas dentro dos poros de areia mais grossa ou de seixos enquanto a estrutura geral de grãos permanece intacta. Esse tipo de fluidização é chamado de fluidização parcial. Para um tratamento detalhado dos diferentes regimes de fluidização, o leitor é pode encontrar em Allen (1982), volume II, capítulo 8.

Figura 3.22 – Curva de velocidade de fluidização mínima e faixa de fluidização de sedimentos (área azul) em função do tamanho do grão de sedimento (Lowe, 1975). Os cálculos assumem esferas de quartzo uniformes e água como meio de fluidização. Sedimentos de tamanho de grão abaixo de 0,05 mm exibem resistência coesiva significativa à fluidização, que provavelmente aumenta com a diminuição do tamanho dos grãos e com o aumento do grau de compactação. A fluidização de areia e cascalho é dominada pela resistência inercial.

3.3.1.3 Mecanismos de deformação e comportamento fluido-dinâmico

Para um material que normalmente se comporta como um sólido exiba um comportamento semelhante ao de um líquido, é necessário que algum processo denominado por Owen (1987) como mecanismo de deformação ocorra. Em outras palavras, "um mecanismo cuja ação permite que a deformação ocorra". Lowe (1975) considera três modos diferentes de deformação da mistura água-sedimento: (i) hidroplástica, (ii) liquefeita e (iii) fluidizada (Fig. 3.23).

(i) Comportamento hidroplástico, caracteriza sedimentos suportados por grãos com força de escape de fluidos significativa e velocidades de fluxo de fluidos abaixo daquelas necessárias para a fluidização. A resistência ao escape de fluidos pode originar-se de forças coesivas, como em argilas parcialmente compactadas, lamas, silte e areias argiláceas, ou resistência ao atrito, como em areias limpas cascalhos compactados. A deformação é tipicamente laminar devido à alta viscosidade das misturas hidroplásticas.

(ii) Comportamento liquefeito, envolve o fluxo de sedimentos sem resistência coesiva e friccional. As velocidades relativas do fluido dos poros são inferiores às necessárias para a fluidização de todas as frações de tamanho, exceto as mais finas. Esse comportamento pode caracterizar sedimentos não compactados de qualquer granulometria. É provável que as laminações primárias sejam preservadas, embora fortemente deformadas. Não deve haver evidência de elutriação ou redistribuição de partículas móveis e nenhuma liquefação ou fluidização interna significativa, embora a água que escapa das camadas subjacentes possa liquefazer localmente ou fluidificar as camadas hidroplásticas. Após a ressedimentação, as areias liquefeitas podem mostrar (1) estruturas primárias não deformadas se a ressedimentação ocorrer na ausência de tensões significativas nos fluidos externos; (2) estruturas primárias deformadas se a re-sedimentação for acompanhada de cisalhamento relativamente simples, sem mistura ou vazão significativa (acamdamento cruzado exagerado ou íngreme); (3) homogeneização quase completa se a massa de sedimentos tiver sido misturada internamente e parcialmente fluidificada durante o escape de água ou se tiver fluído, ou (4) estruturas de escape de água (e.g. estruturas em prato - dishstructures). O escape de água de sedimentos liquefeitos é comumente acompanhado de redistribuição de tamanhos mais finos dentro da camada liquefeita, porém a maior elutriação é

geralmente leve. A redistribuição de grãos argilosos geralmente envolve a formação de laminações de consolidação e dishstructures. Partículas mais pesadas ou maiores podem afundar no fundo das zonas liquefeitas.

(iii) Comportamento fluidizado, ocorre com velocidades relativas de fluido dos poros acima daquelas necessárias para a fluidização mínima da maior parte dos sedimentos. A corrente fluidizada é tipicamente turbulenta e as estruturas primárias são obliteradas. A elutriação de partículas móveis, incluindo argilas, bioclastos e grãos de quartzo e feldspato de tamanho mais fino, é comum. A estrutura resultante formada durante o fluxo fluidizadoe denominada canais de fluidização ou intrusões.

Há um debate sobre se os processos de liquefação e fluidização estão intimamente ligados. Alguns autores sugeriram que um sedimento liquefeito pode ser fluidificado por seus próprios fluidos de poros que escapam, o que é chamado de auto-fluidização, pois não requer um suprimento de fluido de uma fonte externa (Middleton e Hampton, 1976). Apesar de Lowe (1975) sugerir que o escape de fluido "não uniforme" das camadas liquefeitas geralmente resulta na fluidização completa do sedimento ao longo dos caminhos de escape, outros autores sugeriram que esse mecanismo não era fisicamente possível, pois a fluidização exige que haja um fluxo ascendente relativo aum fluido fornecido externamente (Allen, 1982). Obermeier (1996) mostra que a fluidização e a liquefação estão realmente intimamente ligadas. A liquefação sísmica causa fluxo ascendente de fluido por dois mecanismos: (1) alívio da pressão da água temporariamente elevada dos poros e (2) reconsolidação levando à expulsão de fluido. O fluido expelido forma uma zona liquefeita acumulada sob uma camada selante de baixa permeabilidade formando uma zona rica em água. Essa zona fornece a água e a areia que escapam para a superfície através de fraturas nos estratos selantes. Este modelo explica a maioria das observações de campo relacionadas à sismicidade moderna (Obermeier, 1996).

Determinar o estado laminar ou turbulento do fluxo durante a deformação de sedimentos inconsolidados pode ser difícil. O movimento de fluidos intersticiais é provavelmente turbulento na maioria dos casos, mas a alta viscosidade geral da mistura fluido-sólido tenderá a beneficiar a deformação laminar em termos de mistura das partículas sólidas. Sugestões de que a orientação dos grãos e as laminações internas nas intrusões clásticas indicam fluxo laminar viscoso (Dott, 1966) parecem injustificadas, tendo em vista o fato de que características

semelhantes são produzidas por correntes altamente turbulentas em sistemas deposicionais normais. Tais estruturas também estão associadas em diques de arenito com características como camadas graduadas (Hubbard, 2007) e estruturas semelhantes a marcas de solas (Peterson, 1968), que sugerem fluxo turbulento. Estudando injetitos de areia na Bacia de Karoo, Cobain et al. (2015) recordaram estruturas diagnósticas, onde é possível identificar feições relacionadas ao fluxo de fluidos turbulentos e laminados durante a injeção de areia. No entanto, muitas dessas estruturas podem ser difíceis de definir claramente o regime de fluxo de fluido. Contudo, mais provavelmante que exista um espectro contínuo de estados de fluxo que vão desde cisalhamento hidroplástico laminar lento à um fluxo rápido, totalmente turbulento liquefeito ou fluidifizado.

Figura 3.23 – Definição, características gerais e forma de identificação dos principais mecanismos de deformação de sedimentos não consolidados segundo Lowe (1975). U0 = velocidade mínima de fluidização.

3.3.2 Sobrepressão, Mecanismos gatilho e falhamento de camada selante