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– 2001/2009 Rendimento familiar per capita 2001 2009 Em % Tempo médio (em horas) Em % Tempo médio (em horas) Sem rendimento a 1/4 SM 15,5 31,8 15,0 27,2 Mais de 1/4 a 1/2 SM 19,0 32,0 20,8 27,7 Mais de 1/2 SM a 1 SM 26,2 33,0 29,6 28,1 Mais de 1 a 2 SM 20,5 33,9 20,9 29,1 Mais de 2 a 3 SM 7,7 33,7 6,5 30,1 Mais de 3 a 5 SM 6,0 33,2 4,1 28,3 Mais de 5 SM 5,1 29,9 3,1 25,2 Total 100,00 32,7 100,0 28,1

Elaboração: Dieese (2011a). Tabela 83 (com adaptações). Fonte: IBGE, PNAD.

Apenas 3,1% das donas de casa possuem renda familiar per capita acima de cinco salários mínimos e aquelas que se enquadram nesse perfil são as que gastam menos tempo com tarefas domésticas, um total de 25,2 horas (Dieese, 2011a). Pode-se considerar com base nesses dados, que a maior parte das donas de casa no Brasil são de baixa renda e que, tal como ocorre com as mulheres da população economicamente ativa, quanto maior a renda, menor o tempo gasto com tarefas domésticas. Dessa forma, conclui-se que a mulher em situação de pobreza possui uma sobrecarga de trabalho doméstico superior152.

A idade é também um fator importante a na análise do uso do tempo. Em 2009, as donas de casa gastaram um tempo médio de 26,1 horas com tarefas domésticas na faixa etária de 18 a 24 anos. A carga de ocupação nessas atividades aumentou para mais de 35 horas semanais a partir dos 25 anos (o que pode ser explicado pela idade reprodutiva da mulher) e atinge seu ápice de 38,1 horas na faixa etária de 30 a 39 anos. Também na velhice as mulheres não estão libertas dos cuidados com esses afazeres, contabilizando 28,1 horas o tempo semanal gasto pelas mulheres com 65 anos ou mais (Dieese, 2011a).

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Estreitando-se o foco de análise para as donas de casa com renda de até dois salários mínimos no Brasil, que constituem o público-alvo potencial da Lei nº. 12.470/2011, esse total representa, em 2001, vertiginosos 81,2% das trabalhadoras domésticas não remuneradas e 86,3% do total em 2009.

Outro dado relevante a se considerar é que, diferentemente da situação apresentada em 2001, as donas de casa, em 2009, cujo tipo de família correspondia ao de “casal sem filhos”, dedicaram mais tempo (31,8 horas) aos afazeres domésticos do que aquelas com todos os filhos menores de 14 anos (30,6 horas), embora a diferença do primeiro caso para o segundo seja de apenas 1,2 horas. Isso pode ser explicado pelo fato de que famílias com filhos distribuem com eles as tarefas domésticas. Para as donas de casa com filhos menores e maiores de 14 anos de idade, seja no caso de família nuclear ou chefiada por mulheres, o tempo médio gasto com afazeres domésticos é menor, sendo de 22,9 horas no primeiro caso e 19,4 horas no segundo (idem, ibidem) 153.

Diante desse contexto de divisão sexual do trabalho que sobrecarrega as mulheres assalariadas e, especialmente donas de casa, nos encargos domésticos, a previdência social tem sido reivindicada visando compensar as desigualdades de gênero. Contudo, sendo a política social contraditória, ora servindo ao capital ora ao trabalho, são muitos os entraves para o avanço dos direitos das mulheres, sobretudo em contexto de redução de direitos no neoliberalismo.

De acordo com Rodrigues (2013), o movimento feminista foi um importante sujeito coletivo na inserção do debate sobre a desigualdade de gênero na agenda pública internacional. Isso porque “os direitos políticos, econômicos e sociais, materializados no contexto da sociedade salarial, se conformaram segundo a lógica e os interesses do mundo dos homens” (idem, ibidem, p. 4, grifos originais). Além disso, chama a atenção para o fato de que a transferência de responsabilidade do Estado para a sociedade civil no tocante às políticas sociais significa exatamente a responsabilização das mulheres, uma vez que o viés

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Chama a atenção no estudo do Dieese (2011a) que meninas de 10 a 14 anos gastaram um tempo médio de 11,6 horas semanais, em 2009, com afazeres domésticos. Esse valor é quase igual, mas ainda superior ao tempo médio gasto pelos homens inativos naquele ano, que foi de 11,2 horas. Nessa direção, estudo do Ipea (2011) também registra que as meninas, sobretudo aos 10 anos de idade, desempenham mais tarefas domésticas do que os meninos. Além disso, provavelmente, o compartilhamento de tarefas com adolescentes meninas seja responsável pela redução do tempo médio dispendido pela mãe nos afazeres domésticos (Dieese, 2011a). Além disso, sobre esse tema, o Ipea (2011) indica que as atividades domésticas são mais bem distribuídas nas famílias brasileiras de casais com até um filho. Todavia, “conforme o número de filhos aumenta, tende-se a reproduzir estruturas mais convencionais nesta distribuição de trabalho, e a mulher se responsabiliza mais pelo trabalho doméstico” (idem, ibidem, p. 37). Ademais, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com base na PNAD, “em 2009, havia 383 mil meninos e meninas entre 10 e 17 anos no trabalho infantil doméstico”. (OIT, 2012, p.7). Esses dados são reveladores da necessidade de se discutir sobre os direitos das crianças e dos adolescentes, muitas vezes explorados por adultos em seu convívio familiar, fazendo com que ainda na tenra idade vivam a experiência da sobrecarga do trabalho doméstico. Além disso, sabe-se cruel permanência de práticas exploratórias de crianças atuando como trabalhadoras domésticas praticamente em regime de trabalho escravo em casas de terceiros ou até mesmo em suas próprias residências. Nesse contexto, Saffioti (2001) explica que o poder patriarcal pode ser exercido pelas mulheres na relação com crianças e adolescentes e que isso se manifesta com frequência. Expõe que, se de um lado, a violência praticada por mulheres contra homens é pouco representativa, o mesmo não se pode dizer da violência praticada contra crianças e adolescentes, em que o espaço doméstico é tomado como foco privilegiado dessa violência.

familista e maternalista faz recair sobre elas os cuidados aos segmentos tomados por incapazes (crianças, idosos e pessoas com deficiência).

Nesse sentido, faz-se necessário retomar a defesa do objetivo da seguridade social de universalização da cobertura e do atendimento trazido pela Carta Magna para caminhar rumo a uma proteção social que contribua para superação das desigualdades de gênero a partir da diferenciação dos critérios de acesso entre os sexos. Sob essa perspectiva, convém que o trabalho não-remunerado realizado na esfera da reprodução social majoritariamente pelas mulheres seja reconhecido como uma questão de justiça social para fins previdenciários, o que coaduna com a perspectiva redistributiva da seguridade social. Atualmente, o sistema previdenciário reflete e , por vezes, reproduz as desigualdades existentes na vida social e no mercado de trabalho (FREITAS et. al, 2010).

No contexto de adensamento da crítica feminista ao Estado capitalista neoliberal, o Brasil contou com lutas das mulheres no período posterior à Constituição Federal de 1988 para ampliação da cobertura previdenciária e manutenção dos direitos conquistados. No tocante às donas de casa que, embora a sua possibilidade de filiação à previdência social tenha sido uma conquista importante, se mostrou insuficiente para assegurar o efetivo acesso a proteção social pela dificuldade de contribuição sobre a alíquota de 20% do salário mínimo. Diante disso, o Quadro 2 apresenta as iniciativas do Congresso Nacional, que são reflexo das reivindicações da sociedade pela proteção social das donas de casa.

Chama a atenção incialmente o Projeto de Emenda à Constituição (PEC) nº. 385 de 2001 de autoria da deputada federal Luci Choinaski (PT-SC), apoiado por outras/os 172 parlamentares da 51ª Legislatura (1999-2003), composta por 39 deputadas segundo Azevedo e Rabat (2012), que se voltou para as donas de casa que não auferem remuneração, reconhecendo seu trabalho na esfera da reprodução social154. Essa PEC dispôs sobre um benefício assistencial às donas de casa. Este seria independente de contribuição, aos 60 anos – mesma idade para pleitear a aposentadoria por idade para as seguradas da previdência social155 – no valor de um salário mínimo restrito àquelas com renda familiar de até dois salários mínimos. No entanto, essa PEC não vingou à época e trouxe polêmicas entre as feministas, apesar da adesão de muitas mulheres. Foi criticada pela sua focalização em

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A PEC de nº. 385 de 2001 foi arquivada em 1º de fevereiro de 2007 sendo que, em 13 de abril de 2011, a deputada autora do projeto solicitou o desarquivamento da proposta, o que foi deferido cinco dias depois. Atualmente se aguarda a criação de Comissão Especial destinada a proferir parecer a esta Proposta de Emenda à Constituição, sendo que a última tramitação ocorreu em fevereiro de 2014.

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Diferentemente do ocorre com o BPC, o benefício proposto pela PEC nº. 385/2001 seria assegurado a uma idosa com 60 anos e não só aos 65 anos, além de poder ter renda familiar acima de um quarto do salário mínimo

mulheres pobres ao invés de primar pela universalização do acesso à previdência social. De acordo com Lavinas (2005), deveria considerar não apenas as donas de casa de baixa renda, mas todas as mulheres, haja vista que todas dispendem grande parte do tempo com encargos domésticos.

Quadro 2 – Iniciativas do Congresso Nacional referentes ao acesso das donas de casa à previdência social posteriores à EC nº. 20, de 15 de dezembro de 1998

(Continuação...) Nº da proposição – Autoria

Ementa/Explicação

Resumo da proposta Projeto de Emenda à Constituição (PEC) nº.

385, de 2001 – Deputada Luci Choinacki (PT/SC)

Prevê a instituição de um benefício no valor de um salário mínimo mensal, da política de assistência social, de prestação continuada, no valor de um salário mínimo mensal, destinado às donas de casa a partir dos sessenta anos de idade, independentemente de contribuição. Dentre os critérios para concessão, destina-se àquelas sem fonte de renda própria, que não recebam nenhum outro benefício assistencial ou previdenciário de duração continuada, ressalvada a pensão decorrente do falecimento de cônjuge ou deixada por ascendente ou descendente, e cuja renda familiar não ultrapassasse dois salários mínimos mensais. Define a dona de casa como sendo a mulher dedicada exclusivamente aos afazeres domésticos no âmbito da residência da própria família e que não exercesse qualquer atividade remunerada. A fonte do custeio deverá ser estabelecida por lei mediante adicional de contribuição incidente sobre a folha de pagamentos das empresas.

Institui benefício assistencial para as donas de casa, e dá outras providências. Altera os arts. 195 e 203 da Constituição Federal de 1988.

Trechos da Justificação da Proposta: “Uma das mais graves e perversas situações enfrentadas hoje, em nosso País, é a das mulheres que, dedicando-se inteiramente às lides domésticas, e sem

renda própria, chegam ao final de sua vida sem que tenham adquirido o direito ao benefício previdenciário de aposentadoria, estando igualmente proibidas de perceber o benefício assistencial devido aos idosos carentes, em função da elevada idade exigida para tanto e dos rigorosos requisitos associados ao conceito de carência. No entanto, embora não tenham contribuído para a previdência

social, ou não possam filiar-se a ela na condição de contribuintes individuais facultativos por falta de meios, essas donas de casa contribuíram, e muito, para o progresso econômico e social da Nação. Seja criando os filhos, seja dirigindo os assuntos domésticos, seja garantindo à família o suporte emocional e material, permitiram que os demais membros do grupo familiar pudessem, eles próprios, desenvolver suas trajetórias e adquirir direitos individuais de natureza previdenciária. No entanto, a mulher dona de casa, que trabalhou toda a sua vida, chega aos 60 anos de idade sem poder pleitear a sua própria aposentadoria, porque não contribuiu ou não pôde contribuir, já que exerceu sua atividade sem remuneração. Não se trata, no caso, de uma desvalida, mas de alguém que deu tudo de

si pela sociedade, pela família, em detrimento de seus direitos pessoais, e por isso, cabe ao Estado assegurar-lhe tratamento digno, por meio de uma renda mínima na velhice. [...] Assim, afasta-se do alcance do benefício aqueles cuja renda familiar permitiria, em tese, destinar parcela dessa renda para contribuição previdenciária facultativa. No caso que se pretende atingir, uma família cuja renda seja de R$360,00 (valor de abril de 2001) não dispõe, certamente, de recursos para contribuição facultativas, embora não seja considerada, à luz da Lei n°. 8.742/93, carente, posto que esta lei define como tal quem tem renda familiar per capita de um quinto do salário mínimo” (grifos nossos).

(Conclusão) Nº da proposição – Autoria

Ementa/Explicação

Resumo da proposta INC nº. 1778, de 1/8/2001 - Deputado Gustavo

Fruet (PMDB/PR)

Sugere a adoção de uma alíquota de contribuição diferenciada, de menor valor, para os trabalhadores de baixa renda que exerçam atividade remunerada por conta própria. Baseia a proposta nos princípios que norteiam a Seguridade Social, o qual destaca a seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços e a equidade na forma de participação no custeio.

Sugere ao Poder Executivo, por intermédio do Ministério da Previdência e Assistência Social, a adoção de medidas para possibilitar a filiação das donas de casa ao Regime Geral de Previdência Social.

Trechos da Justificação da Proposta: “Excelentíssimo Senhor Ministro da Previdência e

Assistência Social: A Previdência Social vem adotando regras mais flexíveis visando a modernização do sistema e a ampliação da cobertura e do atendimento do Regime Geral de Previdência Social tutelado pelo Instituto Nacional do Seguro Social. Verifica-se, em especial, que o Ministério da Previdência e Assistência Social vem atuando no sentido de aumentar o número de inscrições dos contribuintes individuais, evitando que tais trabalhadores fiquem sem a devida proteção previdenciária. [...] Em que pesem os avanços da legislação e de medidas administrativas adotadas por esse Ministério, entendemos que uma parcela significativa da população ainda continua à margem do sistema previdenciário. Referimo-nos aos trabalhadores de menor renda, que exercem atividade por conta própria, e que para se filiarem ao RGPS devem obrigatoriamente contribuir no mínimo, com o equivalente a 20% do salário mínimo. Situação ainda mais grave é vivenciada pelas esposas

ou companheiras dos trabalhadores de baixa renda, uma vez que quando há recurso suficiente para o pagamento de contribuição previdenciária este é direcionado para o custeio da aposentadoria do marido ou companheiro, ficando as mulheres, ou melhor, as donas de casa, sem qualquer proteção previdenciária, apesar da legislação permitir a filiação de segurados facultativos” (grifos nossos). PLC, de 6522, de 10/4/2002 – Deputado José

Carlos Coutinho (PFL/RJ)

Estende às donas de casa a condição de segurado facultativo, para efeito de filiação à Previdência Social. Define como donas de casa aquelas que, sem remuneração têm sob sua responsabilidade os trabalhos domésticos situados no âmbito de determinada unidade familiar.

Dispõe sobre a integração das donas-de-casa à Previdência Social.

Trechos da Justificação da Proposta: “Para atender e dar efetividade à justa demanda das donas-de-

casa, à medida que submeto à apreciação dos Nobres Colegas propõe a integração dessas anônimas produtoras de riqueza ao sistema previdenciário, na categoria de ‘segurado facultativo’. Com a aprovação da presente medida, estou viabilizando a extensão dos benefícios e serviços previdenciários às donas-de-casa” 156.

Elaboração: própria. Fonte: Câmara dos Deputados e Senado Federal.

Além disso, considerando o baixo potencial contributivo das donas de casa, destaca-se a argumentação do Deputado Gustavo Fruet (PMDB/PR), trazida no Quadro 2, que embora se voltasse sobretudo para trabalhadoras/es autônomas/os, se referiu sobre a necessidade da proteção social às donas de casa e redução de alíquotas previdenciárias para acesso à previdência social. Ademais, vê-se que as propostas apresentadas voltavam-se apenas às mulheres ao se referir sobre o trabalho doméstico não remunerado tal como visto no Capítulo 2 quanto aos PLs propostos na fase anterior à Constituição Federal de 1988.

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A proposta equivoca-se ao solicitar a inclusão da dona de casa como segurada facultativa, uma vez que nessa ocasião essa possibilidade já estava prevista na legislação previdenciária.