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2.4 MOTIVAÇÃO

2.4.1 Repertório de preferência dos alunos

Pelo fato de trabalhar com adolescentes e jovens na maioria das vezes, percebo como é significativo para eles poder afirmar suas preferências nas músicas a serem produzidas nas aulas, “é inevitável negociar o repertório com eles” (SWANWICK, 2010, p. 3). As estratégias e ferramentas sempre terão que ser readequadas de acordo com o local, as pessoas envolvidas e até mesmo o momento atual do mundo e sociedade.

O estímulo ao repertório que o aluno aprecia e valora pode se constituir em uma poderosa arma de interesse e motivação para o aprendizado de novos conhecimentos, tornando a aula de instrumento um espaço agradável onde as pessoas podem trazer as suas primeiras experiências para serem acrescidas, não tendo que deixá-las para aprender um repertório completamente novo e dissociado do anterior(TOURINHO, 1995, p, 237).

Cruvinel sugere que o professor esteja sempre atento a questões como: “Qual é a música que se deve ensinar no nosso tempo? Para quê (objetivo)? Por quê (justificativa)? Para quem (público alvo)? Como despertar um maior interesse dos alunos pela música? Qual (is) metodologia (s) utilizar?” (CRUVINEL, 2005, p. 39). Ivo adiciona que “o repertório de um grupo irá determinar a sua identidade, como e com o que se identifica e que por isso decidiu representar” (IVO, 2015, p. 6). As razões que movem essas escolhas podem ser as mais diversas. A escolha seletiva de determinado gênero ou canção pode ser decorrente de modismos ou contágio alavancados pela facilidade e baixo custo de acesso a vídeos ou

downloads. A pessoa também pode gostar de jazz ou música clássica pode estar associado, para alguns, a um tipo mais intelectual, enquanto o rock ou o heavy metal pode vir a ser percebido como estereótipo de um tipo mais rebelde (OLIVEIRA; SANTOS, 2016, p. 82).

Estratégias estarão sempre mudando, bem como as ferramentas, cabendo ao professor a sensibilidade para buscar os meios mais adequados para a aplicação das aulas. Como relata Del Ben, “num mundo que se transforma constantemente, em função da vertiginosa produção e difusão de conhecimentos (científicos, tecnológicos, artísticos e filosóficos), nossas referências acabam por se tornar menos estáveis, embora continuem a ser referências” (DEL BEN, 2012, p. 47).

É importante notar como a música midiática tem ganhado espaço no cotidiano destes alunos. Del Ben (2012, p. 39) afirma que é forte a presença da música na vida dos jovens, mas que há diversos modos de se relacionar com a música, que incluem dentre outras, “relações de gênero, classe, etnia e religião, muito além dos aspectos sonoro-musicais; a diversidade de significados atribuídos a essas experiências; e, principalmente, a força da música na construção das identidades dos jovens”. Subtil constata que, “dada a produção midiática massiva (...) é evidente que há uma socialização e homogeneização do padrão de gosto musical”, e ainda que “o gosto musical de tais sujeitos tem sido informado por esses meios (midiáticos) mais do que pela educação escolar e tradições familiares” (SUBTIL, 2007, p.75).

Em minha experiência com o ensino em grupo, grande parte da motivação dos alunos foi percebida como sendo relacionada com a escolha de repertórios com os quais eles se identificavam. Como eram adolescentes, arranjos de músicas que traziam certa identidade ao grupo, como rock – com arranjos de músicas como “Chop Suey!” do System of a Down, ou “Come as you are”, do Nirvana –, temas de filmes – como “Star Wars” ou “Harry Potter” – e temas de séries – como “Demolidor”, “Vikings” ou “Game of Thrones” – tornavam as experiências significativas para os alunos, tornando-se uma estratégia válida para a experiência musical dos alunos. Sobre as vantagens do repertório de preferência do aluno, Tourinho (1995, p. 165) reflete:

É fato notório que compositores e platéias foram influenciados e motivados pelo seu tempo, pelas filosofias e técnicas do seu mundo. Por que a maioria dos educadores têm evitado motivar os alunos com as obras que eles conhecem e gostam? Não seria mais lógico deixar que a música por si só conseguisse ativar uma motivação que poderia conduzir à ampliação do repertório e/ou ao aprendizado de um instrumento? Muitas vezes procura-se iniciar este trabalho partindo de coisas áridas, extemporâneas e estéreis, fora do contexto e das obras musicais, fora do contexto social do indivíduo.

Ainda sobre a música midiática, Subtil (2007, p.76) insiste que “esse conhecimento pode e deve ser aproveitado no espaço escolar de forma a permitir que os alunos adquiram uma visão crítica do que consomem e se apropriem de uma bagagem musical significativa cantando, ouvindo, ritmando e ampliando repertórios” e questiona em que medida e de que forma esse conhecimento, resultado do trabalho humano historicamente datado e situado, é escolarizado e pensado criticamente.

Segundo Souza (2004), é necessário criar um diálogo entre os sujeitos do processo de ensino e aprendizagem e conhecimentos musicais, nos quais ela lista:

(...) conhecer o aluno como ser sociocultural, mapear os cenários exteriores da música com os quais os alunos vivenciam seu tempo, seu espaço e seu “mundo”, pensar sobre seus olhares em relação à música no espaço escolar, são proposições para se pensar essa disciplina e ampliar as reflexões sobre as dimensões do currículo, conteúdo-forma e o ensino-aprendizagem oferecidos aos alunos (SOUZA, 2004, p. 3).

Dessa forma, permite-se também ao aluno a possibilidade de manuseio daquilo que antes ele apenas ouvia passivamente. Ele se torna um agente ativo em seu próprio contexto cultural, o que auxilia na motivação, na realização pessoal e na curiosidade, ao perceber a liberdade de sugerir e tocar as músicas que mais gosta.

Por fim, por mais que existam benefícios em tocar músicas de preferências dos alunos nas aulas, o professor não deve deixar de buscar ampliar e estimular novos interesses musicais. Tourinho (1995, p. 166) afirma que “nova música e novo repertório devem ser apresentados, ao lado dos conhecimentos necessários a se promover a execução destes, mas também o aluno deve opinar sobre o que gostaria de tocar”. Gainza, sobre a importância de atendermos as expectativas dos alunos, mas também acrescentar conhecimentos novos, reflete:

Buscamos, em primeiro lugar, é a participação ativa e a adesão da criança (...) Se tem necessidade de fazer algo que deseja intensamente, como por exemplo, tocar uma música ou canção que conhece, ou talvez um jingle de televisão, ou o tema de um filme em cartaz, devo, como bom professor, compreender que a “fome” vem em primeiro lugar e respeitar essa necessidade, antes de lhe solicitar um maior grau de refinamento. Isso não significa que vou passar a vida inteira observando alguém que devora sem parar, sem ensinar-lhe boas maneiras. Simplesmente desejo ensinar-lhe a conhecer-se, já que é algo que para nós tem a maior importância (GAINZA, 1988, p. 118).

Buscando colaborar com a elaboração de estratégias para o ensino de música, Brito e Chevitarese (2015, não p.) realizaram uma pesquisa investigando como se dá a criação das preferências musicais e os fatores de influência nos alunos. Diversos fatores foram apontados

como condicionantes na formação dessas preferencias, tais como: “familiaridade, complexidade e audição repetitiva; influências sociais e culturais; personalidade do ouvinte; uso da música; gênero; classe social e idade”.

Aprender a tocar um dado instrumento deve ter o potencial não somente de ampliar o leque de preferências musicais dos estudantes, como também melhorar questões perceptivas acerca de como e o quê valorizar em uma dada música nos momentos de escuta. Além disso, o repertório estudado pode contribuir para refinar as exigências pessoais sobre o quê e porquê escolher em termos musicais, assim como intensificar a perspectiva de posicionamento crítico musical perante as músicas de seu entorno sociocultural (OLIVEIRA; SANTOS, 2016, p. 96). Dessa forma, se amplia a gama de possibilidades para as aulas e se favorece o desenvolvimento musical do aluno sem, contudo, deixar de satisfazê-lo em suas expectativas musicais.