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Capítulo 3 – Proposta de manual suplementar

2. Repertório musical usado na elaboração do manual suplementar

2.2. Repertório Tradicional

As canções e as danças tradicionais são uma parte essencial da cultura de um povo, pois mostram claramente o sentimento desse povo em relação a diversas actividades do seu quotidiano, assim como quanto aos seus rituais e símbolos. A música tradicional de uma determinada comunidade proporciona-nos a música no seu estado mais primitivo, sendo, portanto, aí reveladas as reais características e anseios dessa população. Assim, pode afirmar-se que a música tradicional, particularmente a canção tradicional, reflecte o modo de ser e de estar de um povo, que nela se expressa (que se expressa através dela).

Neste manual suplementar, incluiu-se música tradicional portuguesa, quer na sua versão original - por exemplo, do Cancioneiro Popular Português (Giacometti, 1981) ou do livro As canções tradicionais portuguesas no ensino da música (Torres, 2001) -, quer numa versão harmonizada por um compositor reconhecido, como é o caso das

Canções e rondas infantis (Lopes-Graça, 1981) ou da canção Ó Ciranda, ó cirandinha,

harmonizada por José Manuel Nunes (Lopes, 2002: 30-31).

Incluiu-se ainda canções nas versões original e harmonizada, como por exemplo A

mulher dos ovos (Torres, 2001: 114) e Barqueiro (Torres, 2001: 147), versões originais

de, respectivamente, As mulheres dos ovos, harmonizada por Fernando Lopes-Graça (Lopes-Graça, ano, pp.), e No meio do Mira, harmonizada por Fernando C. Lapa (Lapa: 2003: Separata).

Lopes-Graça, na sua obra A canção popular portuguesa, pergunta ―por que amamos nós a nossa canção popular e por que entendemos que a devem amar os portugueses‖ (Lopes-Graça, 1991: 49). Imediatamente responde, ―em primeiro lugar porque ela é bela‖ (id.; ib.), referindo logo ― a sua indiscutível qualidade estética‖ (id.;

ib.). Pensamos que bastaria este motivo para incluirmos canções tradicionais

portuguesas no Manual de Formação Musical a elaborar. Lopes-Graça (1991: 51) realça ainda que sendo

―Expressão e documento da vida, sentimentos, aspirações e afectos do

nosso povo, a canção portuguesa faz parte do património espiritual da nação portuguesa. Mais do que qualquer outra manifestação do nosso temperamento, da nossa cultura ou das nossas capacidades, ela nos define e integra na nossa realidade psicológica e social. Amá-la, é conhecermo-nos no que em nós existe de mais fundo e enraizado no solo natal; defendê-la, é defender portanto uma parcela de nós mesmos, da nossa individualidade, da nossa história íntima. Verdadeiras e preciosas relíquias artísticas, as nossas canções populares têm jus […] a ser protegidas, conservadas, olhadas com carinho e respeito, porque testemunhas de uma cultura que, nas suas glórias ou nos seus desfalecimentos, é a imagem do que fomos capazes ou o estímulo para diligenciarmos ultrapassar-nos‖.

Durante a sua existência, Lopes-Graça interessou-se bastante pela música tradicional portuguesa, tendo-a demarcado do conceito de música popular urbana.

O musicólogo Michel Giacometti, no prémio do Cancioneiro Popular Português, refere a importância de se restituir aos portugueses a canção tradicional portuguesa, pois esta ―lhe pertence de uma herança legítima, nem sempre avaliada justamente como um dos mais preciosos bens do património comum‖ (Giacometti, 1981: 5). A grande diversidade temas e de proveniências patentes nestas canções foi evidenciada na

―Ingrata tarefa de seleccionar espécimes, cujas estruturas, estilos, géneros e funções diversificados delineassem traços fisionómicos de uma tradição, em que se reconhece, como característica essencial, um multissecular enraizamento e, ao mesmo tempo, um incessante rejuvenescimento, a sublinhar a inalterada capacidade criadora do povo português.

[Apresentamos], deste modo, algumas feições elementares do canto, por um lado, e, por outro, polifonias de elaborada estruturação; ritmos a

escandir os gestos do trabalho, e expressões libertas de quaisquer cânones; fórmulas severas inscritas em ritos remotos e inspirações circunstanciais; documentos arquivados em páginas de cancioneiros esquecidos, e imagens recônditas na memória colectiva; gritos isolados clamando na solidão dos campos, e vozes unidas a reclamar a terra e o pão‖ (Giacometti, 1981: 5).

Rosa Maria Torres, no seu livro As Canções Tradicionais Portuguesas no Ensino

da Música, menciona, referindo-se às canções tradicionais portuguesas, ―os verdadeiros

tesouros‖ (Torres, 2001: 15) que a têm acompanhado nas suas actividades musicais, tendo-se apercebido de ―quantas relíquias da nossa tradição musical jazem adormecidas nas Bibliotecas Públicas e com raras possibilidades de divulgação‖ (Torres, 2001: 15). De acordo com esta autora, muitas dessas melodias são de fácil leitura. Outras, contudo, ―não são nada coisas simples e ingénuas, mas belíssimas melodias, largamente elaboradas, de um equilíbrio plástico perfeito, de uma ampla «respiração», e carregadas de um potencial ora dramático, ora patético, ora simplesmente lírico, que faz delas pequenas maravilhas de expressão e musicalidade‖ (Lopes-Graça, ano: pp.). Torres realça a importância da canção tradicional, que se afigura como um importante legado cultural, ―a grande fonte alternativa a todo este amálgama sonoro dos mass media, muitas vezes indiferentes a qualquer critério de selecção ou a qualquer política encaminhadora para um profundo reconhecimento dos nossos valores culturais‖ (Torres, 2001: 14). Torres (2001: 14) salienta ainda que,

―Tal como num conto, as canções são poemas que «cantam» a natureza na sua grande diversidade e as pessoas com os seus sentimentos, fantasias e ritos, ora despertando, ora excitando o imaginário da criança. Uma canção, interpretada em diferentes fases do crescimento do indivíduo, faz-lhe despertar diferentes vibrações, quer físicas, quer mentais, quer psicológicas‖.

Compositores com Maria de Lurdes Martins e Fernando Lapa também têm contribuído para a valorização da música tradicional portuguesa, nomeadamente através da harmonização de melodias tradicionais. Uma parte importante deste repertório é constituída por obras para a infância, como por exemplo, Peças para Crianças, de Maria de Lurdes Martins, que contém onze canções populares portuguesas harmonizadas. Fernando Lapa defende que ―a música popular deve acompanhar a formação das crianças, pois é uma «parte importante da nossa memória e das nossas raízes»‖ (Lapa, 2003: separata).