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Repetição das entrevistas e as perguntas dentro da entrevista

No documento Falsas memórias no processo penal (páginas 74-77)

6.2 FATORES DE CONTAMINAÇÃO DA PROVA ORAL

6.2.5 Repetição das entrevistas e as perguntas dentro da entrevista

A repetição das entrevistas acontece no processo penal visto que haverá a fase pré-processual, geralmente sem contraditório e ampla defesa, e depois a fase processual onde as garantias do contraditório e da ampla defesa estarão presentes e deverão ser respeitadas.

As provas produzidas na fase pré-processual deverão ser reproduzidas na fase processual para que possam ser utilizadas como fundamento no caso de, por exemplo, existir uma sentença condenatória.

Ocorre que, como bem pontua Di Gesu (2014) a repetição das entrevistas, bem como a repetição das inúmeras perguntas feitas, inicialmente está associada a algo benéfico, contudo, quanto mais tempo se passa do evento mais suscetível está a contaminação dos relatos em virtude de que a testemunha ou a vítima passa a ter contato com outras pessoas que também tenham presenciado aquele fato ou ainda com diferentes “tipos” de entrevistadores.

Sendo assim, como vimos acima, o entrevistado está suscetível a inúmeras formas de contaminação da prova, podendo chegar a um ponto em que não sabe mais afirmar com exatidão o que viu ou ouviu, pois acabou se confundindo com tudo que lhe foi dito posteriormente (DI GESU, 2014).

Indispensável reproduzir as palavras de Di Gesu quanto à necessidade de capacitação dos profissionais no que tange as possíveis contaminações na colheita da prova testemunhal:

O ideal é que todos os profissionais, mas, principalmente, policiais e delegados – considerando serem os primeiros a ter contato com os ofendidos e com as eventuais testemunhas – estivessem treinados para lidar com esta situação, a fim de obter as declarações de forma mais neutra possível, despidas de induções e sugestionamentos, até mesmo para que a investigação preliminar cumpra com sua função de filtro de acusações infundadas. Isso evitaria que a cada nova declaração, diante de outros profissionais, se já houve uma indução inicial, se imiscua na memória da vítima e testemunhas elementos não ocorridos na realidade (DI GESU, 2014, p. 180).

No que se refere à capacitação dos profissionais, Mira y López (2015), do ponto de vista psicológico e gramatical, aponta alguns modelos de perguntas comumente utilizados pelos entrevistadores/julgadores e define quais as suas implicações. O autor divide-os em sete modelos:

a) Determinantes (perguntas com pronomes interrogativos); b) Disjuntivas

completas; c) Diferenciais (sim ou não?); d) Afirmativas condicionais (sim?);

e) Negativas condicionais (não?); f) Disjuntivas parciais; g) Afirmativas por

presunção (MIRA Y LÓPEZ, 2015, p. 199).

Começando pela última classificação, segundo o autor as afirmativas por presunção são aquelas que somente supõem a existência de uma lembrança na mente da testemunha sem se haver certificado antes. Obviamente é o tipo de pergunta que deve ser evitado nos interrogatórios haja vista sua grande capacidade sugestiva para o erro. As afirmativas por presunção ocorrem, por exemplo, quando é perguntado à testemunha qual era a cor da gravata do acusado, sem antes ter sequer perguntado se ele usava gravata e se foi possível visualizá-la, estará sendo formulada uma pergunta de presunção que tem muitas possibilidades de ser respondida vagamente, mas admitindo, não obstante, de um modo implícito por parte da testemunha, a certeza de que o acusado levava gravata, o que não teria acontecido se antes lhe fosse feita a pergunta pertinente (lembra-se se o acusado usava ou não gravata naquele dia?) (MIRA Y LÓPEZ, 2015).

Nas chamadas disjuntivas parciais o interrogando está na posição de ter que escolher entre duas possibilidades de respostas, excluindo todas as demais. Como exemplo, suponhamos que depois de receber a resposta afirmativa quanto à gravata, seja formulada a seguinte pergunta: “a gravata era amarela ou negra?”. Pode-se acontecer, nesse caso, de que ela parecesse azul para a testemunha, mas como foi submetida a escolher apenas entre essas duas cores acabará por admitir seu erro e responder, por exemplo, que a gravata era negra.

As perguntas denominadas condicionais devem ser afastadas ao máximo dos interrogatórios, pois obrigam a testemunha a escolher apenas entre um sim e um não. Fazendo com que, dessa forma, a pergunta já seja formulada de acordo com o que o entrevistador espera escutar, sendo assim, é possível afirmar que a coação presente nessa classe de perguntas se mostra mais visível. Vejamos através dos

exemplos: 1 – não era preta a gravata que o acusado usava?; 2 – por acaso era branca a gravata? Ao analisar as duas perguntas é possível verificar que da primeira se espera uma resposta afirmativa e uma reposta negativa da segunda. E, no caso da testemunha não estar se sentindo segura quanto à sua resposta, é certo que acabará por responder de acordo com o que o interrogador espera.

No que tange às perguntas diferenciais pode-se afirmar que são pouco suscetíveis a sugestões, mas não deixam de ser parciais. Um exemplo disso é a pergunta: era preta a gravata? Pois, num primeiro momento parece que a probabilidade de obter uma resposta afirmativa é a mesma de obter uma negativa, contudo, a prática demonstra que são maiores as chances de obter uma resposta afirmativa, ou seja, a maioria das testemunhas tende a responder de acordo com o conteúdo representativo positivo (presente) da pergunta diferenciadora.

Por fim, a classe de perguntas determinantes e disjuntivas completas, pelo fato de formularem explicitamente as duas hipóteses de respostas em suas perguntas (por exemplo, era assim? Ou não era assim?) são menos sugestivas que as demais já estudadas. Todavia, o autor afirma que só as perguntas determinantes (como? quando? por quê?) podem chegar a ser classificadas como imparciais. Por exemplo, realizando questionamentos como qual era forma que o acusado estava vestido? Ou, onde você o viu pela primeira vez?

Ainda, Di Gesu (2014) preceitua acerca da fragilidade da colheita da prova testemunhal vinda das crianças:

A tendência infantil é cooperar e, com freqüência, adivinham as respostas; contudo, a incerteza desaparece após várias repetições. A reiteração da mesma pergunta pode ser interpretada como insatisfação quanto à resposta. É o que explicam Pisa e Stein: “a repetição de perguntas meramente abertas pode sinalizar um pedido para informações adicionais, enquanto que a repetição de perguntas fechadas, que tem as respostas limitadas em sim/não, pode sinalizar para crianças jovens que sua primeira resposta era inaceitável para o entrevistador (DI GESU, 2014, p. 181).

No tocante a fragilidade dos relatos, Machado e Sehnem afirmam que:

O problema é desvelar o que realmente aconteceu, situação que na maioria das vezes não é tão simples, pois ou o fato não deixa vestígios ou estes foram apagados pelo tempo. Restando tão somente a prova testemunhal como único meio de prova, nasce um novo e grave problema: o induzimento

realizado pelos parentes, amigos, policiais, psicólogos, assistentes sociais e julgadores, ao formularem seus questionamentos, bem como pela mídia, em razão da notoriedade do caso (MACHADO WILBERT; SEHNEM DE MENEZES, 2011, p. 72).

Sendo assim, imperioso é esclarecer que o importante é entender que a entrevista feita à testemunha e/ou vítima não se trata somente de simples perguntas a ela direcionadas, mas sim de um complexo meio de obter informações valiosas acerca de um delito praticado. Por isso, é essencial que todas as precauções possíveis sejam tomadas a fim de evitar que danos sejam causados às informações constantes na memória dos entrevistados.

No documento Falsas memórias no processo penal (páginas 74-77)