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Repetição em Bandeira Brasileira

No documento estudos surdos I (páginas 132-137)

Bandeira Brasileira faz uso considerável da repetição, nos

níveis lexicais e sub-lexicais. Dentro do poema, há um uso regu- lar das configurações de mão B e 5, como pode ser visto nas glosas abaixo.

1. AQUI (B)

FLORESTA (5) CAMPO (5) CORES (5) VERDE (H)

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SOL (OPARA 5) QUENTE (C) AQUECER (5) CORES (5) AMARELO (G)

LOSANGO-FORMA-ÁREA (G) ÁREA-SOBRE-BANDEIRA (5) ESFERA (5) ÁGUA (L) AZUL (SPARA G)

ESFERA (5) ESFERA-GIRANDO (G)

Usar as duas configurações de mão abertas planas para muitos desses sinais cria não somente um padrão repetitivo agradável, mas adiciona também significado por meio da conotação das con- figurações de mão. A abertura das configurações de mão carrega consigo a associação positiva de um orgulho do seu país e a pro- pagação da mão para suas dimensões mais completas reflete, tam- bém, a dimensão física do Brasil, enquanto a área do país é mostrada pela área da bandeira. Embora haja pouco para que o poeta possa fazer sobre o fato de que a configuração de mão para os sinais VERDE, AMARELO e AZUL não são nem 5 nem B, o uso da configuração de mão G para traçar a forma do losango amarelo na bandeira segue ordenadamente a configuração de mão G do sinal AMARELO. Similarmente, a configuração de mão L de água liga a forma e a idéia da cor AZUL que tem configuração de mão próxima à configuração de mão G.

A repetição lexical e sintática em Bandeira Brasileira é vista com o uso repetido dos sinais altamente criativos que nós glosamos como PEGAR (significando “pegar um estado ou uma cidade particular”) MOLDAR-DENTRO-ESTRELA e COLO- CAR-A-ESTRELA e a repetição triplicada da frase PEGAR-ISTO MOLDAR-ISTO FAZER-UMA-ESTRELA COLOCAR-A-ES- TRELA (ver figura 10). Usar repetidamente estes sinais intensifi- ca um padrão estético agradável, mas mostra também unidade nacional, tratando todos os estados e cidades da mesma maneira.

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O padrão de repetição da frase completa dura somente três vezes

antes de mudar. Isso está de acordo com a estrutura de muitos poemas da língua de sinais e de estruturas da linguagem folclóri- ca em geral em que três é um número importante (Olrik 1909).

Figura 10: MOLDAR-ELE e COLOCAR-UMA-ESTRELA

Finalmente, vale a pena enfatizar a repetição dos sinais BAN- DEIRA, BRASIL e B-R-A-S-I-L, uma vez que eles ocorrem no início e no final do poema. Esse tipo de simetria temporal é co- mum na poesia e isso se aplica da mesma forma à poesia em lín- guas de sinais. Ela fornece uma conclusão esteticamente satisfatória ao poema e, além disso, sinaliza que o poema chegou ao final. Entretanto, Dundes (1965) percebeu que há uma tendência ge- ral no folclore para um retorno para onde nós começamos. Nos jogos, nós deixamos a base e voltamos para casa; nas danças, nós retornamos ao parceiro com o qual nós começamos a dançar; nas lendas populares, o herói sai em uma expedição e retorna; e nos poemas, nós terminamos freqüentemente com a frase com que nós os começamos. Entretanto, nos poemas, reconhece-se que algo mudou entre o primeiro uso da frase e o segundo, assim

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como o herói que retorna para casa mudou de alguma maneira em relação ao herói que era quando saiu. No caso de Bandeira Brasilei-

ra, o segundo uso da frase é utilizado com a consciência de que a

platéia compreende agora o significado da bandeira brasileira.

Repetição em Three Queens

Um recurso similar é visto em Three Queens. O poema começa com os sinais TRÊS RAINHAS, e a mesma frase ocorre quase no final. Entretanto, assim como em Bandeira Brasileira, a simetria não é exata. Dessa vez, há uma coda com o sinal simultâneo triplo que cria o clímax do poema, mostrando como as três comunida- des surdas estão unidas sob a bandeira que tremula acima das três rainhas.

Em Three Queens, considerando a repetição, é notável que a idéia principal subjacente seja o número três. O poema começa com seu título Three Queens, de modo que o primeiro sinal é TRÊS e a repetição triplicada ocorre de muitas maneiras durante todo o poema, de modo que a linguagem usada reflita o conteúdo do poema. A descrição de Elizabeth I começa com três maneiras de descrever seu cabelo (vermelho, bem ondulado e em pé) e suas pérolas são colocadas em três locações em três alturas diferentes (em torno de sua garganta, através de seu torso e na sua touca). A repetição da configuração de mão “4” marcada é vista, também, três vezes em alturas diferentes – primeiro, mostrando o cabelo amontoado em cima da cabeça, a seguir, para mostrar o colar na garganta e, então, para mostrá-lo em seu torso. O sinal BAN- DEIRA-TREMULANDO ocorre também três vezes durante o poema inteiro, ligando os eventos descritos nas três estrofes. Esse sinal é especialmente importante para o recurso chamado

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morfismo que ocorre no clímax do poema, em que o sinal

RECONHECER se mistura com o sinal BANDEIRA-TREMU- LANDO. Os sinais finais na coda do poema criam uma imagem de todas as três rainhas (Elizabeth I, Victoria e Elizabeth II) e suas comunidades de pessoas surdas que olham simultaneamente à ban- deira que tremulou acima deles todos, e as três rainhas e suas três comunidades Surdas que fazem parte da história da nação.

O recurso “triplicado” ocorre também com repetição do mo- vimento. Tal repetição dentro de um sinal não é incomum em línguas de sinais e a repetição triplicada de um sinal é uma ma- neira não-marcada – mas esteticamente apelativa – para indicar que um evento acontece muitas vezes ou por muito tempo. En- tretanto, neste poema, que tem um tema “triplicado” tão forte, mesmo a repetição tripla dentro dos sinais transforma-se em uma parte do objetivo poético. Nesse poema, sinais como IGNORAR e CAMINHAR-RESOLUTA têm uma repetição triplicada den- tro do único sinal. Um efeito similar ocorre quando o servente é ordenado a gravar a batata e o tabaco. Na conversação em BSL, nós poderíamos esperar que o sinal ESCREVER fosse repetido três vezes, mas aqui ele é repetido primeiramente seis vezes (dois vezes três), e na segunda ocasião nove vezes (três vezes três). En- tretanto, na estrofe de Victoria, o poema confunde nossas expec- tativas de que as repetições serão triplicadas. Ao descrever o nascimento de muitos filhos de Victoria, o poeta poderia ter sina- lizado NASCER três vezes e então dar o número NOVE para mostrar quantas crianças nasceram. Isto seria normal em uma conversação do dia-a-dia em BSL. Entretanto, o sinal é repetido realmente sete vezes, cada vez mais rapidamente, fazendo a repe- tição muito mais literal e perceptivelmente diferente da conversa- ção em BSL, dando assim significado poético ao texto, surpreendendo e proporcionando deleite poético.

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Quanto a esses exemplos de repetição, é importante lembrar que o efeito poético da repetição é criado somente na forma do poema em língua de sinais. Traduzir os poemas para inglês ou Português resulta na perda desses efeitos repetitivos, porque eles ocorrem dentro da estrutura dos próprios sinais. Isso fornece mais uma evidência de que a própria língua é o primeiro plano nestes dois poemas.

No documento estudos surdos I (páginas 132-137)