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A.1 Estados Unidos

A.1.3 Represa Hoover

Em 1928 foi publicado o decreto Boulder Canyon Project Act, que autorizava o Departamento do Interior a desenvolver um novo projeto no Rio Colorado com o objetivo principal de controlar cheias, fornecer água potável, possibilitar a navegação e gerar energia (a geração de energia elétrica foi incluída, basicamente, para viabilizar financeiramente os demais objetivos deste decreto). Este projeto afetaria sobretudo três estados: Arizona, Califórnia e Nevada. Foi criado um fundo, denominado Colorado River Dam Fund, que inicialmente disponibilizou US$165 milhões para todos os fins. Este recurso seria usado pelo governo na construção da barragem, sendo que o Departamento do Interior deveria firmar contratos de longo prazo (50 anos) que garantissem o pagamento do principal (amortização), mais juros de 4% ao ano, em até 50 anos após a entrada em operação da usina. Estes contratos poderiam ser pelo fornecimento de água ou pelo fornecimento de energia elétrica, e também deveriam cobrir todos os custos de operação e manutenção da usina. Os três estados atingidos teriam direito à mesma quantidade de energia elétrica, como forma de compensá-los pelas limitações de captação e uso de água de toda a bacia que alimentaria a represa.

Os contratos de venda de energia com prazo de 50 anos poderiam ser assinados com governos estaduais ou com empresas distribuidoras de energia elétrica (municipais ou privadas), reduzindo assim o valor médio da energia elétrica paga por estas regiões. É importante lembrar que a principal fonte geradora dos EUA é a térmica; apesar de não haver dados consolidados de 1928, quando da publicação deste decreto, atualmente o país consome apenas 7,7% de energia elétrica proveniente de fonte hidráulica (EIA, 2016). Estes contratos de longo prazo teriam seu preço revisto no ano 15, e depois disso a cada 10 anos, por meio de regras que seriam definidas pelo Departamento do Interior. Eventuais divergências durante as negociações seriam resolvidas judicialmente.

O Boulder Canyon Project Act abriu ainda a possibilidade da operação da hidrelétrica ser privada, deixando claro que o lucro da usina (ou seja, o faturamento dos contratos de venda de energia menos o pagamento dos juros, do principal a uma evolução de 1/50 avos por ano e mais os custos de O&M da usina), deveria ser compartilhado com os estados do Arizona e Nevada, com 18,75% do lucro para cada um (ESTADOS UNIDOS, 1928).

Em janeiro de 1931, após os estudos e projetos realizados pelo Departamento do Interior, houve um leilão para a contratação da empreiteira que construiria a usina. O governo americano forneceria todo o material, e o empreiteiro a mão-de-obra (com prazo de construção originalmente previsto de sete anos).

O consórcio liderado pela Wattis Brothers, chamado de Six Companies, sagrou-se vencedor, com um lance de US$48,890,955 (STEVENS, 1988). O prazo de construção foi cumprido com folga, já que a represa foi concluída em 1936. A geração de energia iniciou-se em 1937, sendo que os contratos de venda, firmados em 1930 (como condição para que o governo liberasse o financiamento da obra), tiveram prazo até 1987. A partir desta data, conforme previsto pelo Hoover Dam Power Plant Act of 1984, todo o recurso faturado com os contratos de venda de energia deveriam ser depositados no Colorado River Dam Fund e no Lower Colorado River Basin Development Fund sem que o operador descontasse a parcela do CAPEX (já quitada nos 50 anos anteriores) e do OPEX. Isto porque, até 1987, os operadores da usina não eram entes públicos federais – e, a partir de 1987, após a dívida original de construção da usina ter sido paga, assumiu como operador o Bureau of Reclamation, autarquia federal vinculada ao Departamento do Interior, com orçamentos decenais aprovados pelo congresso e prestações de contas anuais. Assim, o valor da venda de energia era diretamente depositado em fundos do governo, sendo que o orçamento dos operadores era aprovado de forma separada.

Durante o período de 1937 a 1987, as empresas Southern California Edison (privada) e Los Angeles Department of Water and Power (municipal) eram responsáveis pelo O&M das casas de força da usina. No documento de oferta pública de ações da Southern California Edison Company (chamada no trecho abaixo apenas de “companhia”) de maio de 1950 consta um breve relato da própria empresa sobre como se dava sua relação com a represa Hoover:

A companhia, sob o contrato efetivado em 1941 e que expira em 1987, é uma das operadoras da represa Hoover e, em vários outros contratos, é também uma das compradoras da energia produzida pela Hoover. A combinação destes fatores resulta em alguns geradores estarem à disposição da companhia, sendo

integrados à operação dos geradores próprios da companhia. Estas unidades tem uma capacidade efetiva de 465.000 kw, sendo: quatro unidades (cada uma tendo uma capacidade de 82.500 kw), com uma capacidade operacional total de 330.000 kw, três dos quais são operados pela companhia para seu próprio uso e um é operado pela cidade de Los Angeles para a companhia. Ainda, duas unidades (82.500 kw) são operadas pela cidade [de Los Angeles] para uso compartilhado da companhia e do Metropolitan Water District, com prioridade de uso ao segundo.

Assim, conclui-se que, ao mesmo tempo em que a empresa era compradora da energia, era a operadora da usina, em um modelo verticalizado que a permitia remunerar seus serviços na usina por meio da venda da energia diretamente ao consumidor final. Os investimentos realizados neste período não foram pagos pelos operadores. Isso porque, conforme o Boulder Canyon Project Adjustment de 1940, o Colorado River Development Fund deveria estar “disponível para apropriações anuais de operação, manutenção e substituições do projeto, incluindo reparos emergenciais necessários para a continuidade do serviço”.

No caso do recurso disponível no fundo não ser suficiente, “o Secretário do Tesouro, por solicitação do Secretário do Interior, deve aportar novos recursos ao fundo”. Por isso, ao final do contrato, não haveria necessidade de indenização já que os operadores não precisariam alocar capital próprio nas melhorias, porém eram responsáveis por fazê-las (utilizando recursos do fundo). O contrato de operação firmado com o Bureau em 1987 também prevê que o fundo pode ser usado sempre que as receitas não forem suficientes para cobrir as despesas (WAPA, 1987), mas somente no primeiro mês de ocorrência. A partir do 2º mês, os custos complementares devem ser rateados pelos compradores da energia. Frisa-se que há prestações de contas anuais, nas quais devem ser comprovados os valores gastos. Ainda, na cláusula 8 do contrato, proíbe-se que a energia seja vendida para qualquer agente que a revenda visando lucro.

Em notícia da época(LOS ANGELES TIMES, 1987) é possível entender como se deu a transição entre os operadores não-federais e o Bureau of Reclamation, que assumiu a operação da usina a partir de 1987:

Curiosamente, pagar o empréstimo [de construção da represa Hoover] vai resultar em uma energia elétrica mais cara para aqueles que a consomem. Harvey Boyce, porta-voz do Energy Department’s Western Area Power

Administration disse que o custo anual da represa subirá de US$16 milhões para US$46 milhões. As principais razões são:

- Pagamentos de US$25 milhões para obras de controle de cheias realizadas pelo governo federal quando a represa foi construída, e cujo pagamento foi postergado até que o principal da usina fosse pago;

- Pagamentos referentes ao investimento de US$143,1 milhões que aumentou a capacidade da usina, aumentando de 100MW para 130MW cada gerador; este projeto começará em 1980 e terminará apenas em 1992;

- US$10 milhões por ano é necessário para pagar o Central Arizona Project, de fornecimento de água para Phoenix; Esta parte será paga exclusivamente pelos consumidores de energia do Arizona;

- US$3 milhões anualmente serão para manutenção para controle dos rios, como salinidade.

Duas características chamam a atenção nesta notícia: a primeira refere-se ao notório subsídio que os consumidores de energia elétrica pagam a projetos não relacionados à energia, porém que afetam o uso do rio – como controle de cheias e distribuição de água. A segunda refere-se aos investimentos específicos na usina hidrelétrica, que são definidos e pagos ex-ante.

Em 1987, com a operação da represa Hoover repassada ao Bureau of Reclamation, todas as intervenções que representassem um CAPEX deveriam ser aprovadas nos planos decenais (“Ten Year Operating Plan”, que é colocado em audiência pública sendo ouvidas as contribuições daqueles que possuem contratos com a usina), entrando no orçamento da autarquia para determinado período fiscal. Eventuais intervenções emergenciais eram apresentadas e autorizadas para inclusão no orçamento do mesmo ano fiscal (USBR, 2015). Frisa-se que o plano é decenal porque o preço da energia destes contratos é rediscutido a cada 10 anos, sendo definida uma tarifa ex-ante para dar fôlego financeiro ao operador da usina (diferenças sendo cobertas pelo Colorado River Development Fund).

Na prática, então, a usina opera como um cost-plus, com a vantagem ainda das melhorias serem cobertas com recursos da tarifa, não sendo necessário o operador possuir capital próprio para posterior reembolso. Ressalta-se que a estatal Bureau of Reclamation opera mais de 15 GW de potência instalada26, conforme APÊNDICE I – Relação de usinas operadas pelo Bureau of Reclamation – deste trabalho.

26 Ainda assim, o Bureau é apenas o 2º maior operador de hidrelétricas dos Estados Unidos, perdendo para o US Army

De acordo com o Bureau of Reclamation (USBR, 2007), 27% do total recebido para a O&M da usina refere-se à operação, e 73% refere-se à manutenção dos equipamentos.

A título de referência, o Los Angeles Department of Water and Power (LADPW) pagou em 2014 US$28,88 / MWh pela energia da represa Hoover (LADPW, 2014). No total dos contratos, a represa faturou US$218 milhões em 2014, com lucro de US$36 milhões. Este lucro serviu para custear, no mesmo ano, o controle de salinidade Title II e a O&M do Central Arizona Project, já que o Bureau não tem fins lucrativos por ser uma autarquia federal.

Figura 6: Divisão do orçamento anual da Hoover Dam (Operação e Manutenção)

Fonte: USBR, 2007

Tabela 114: Comparativo entre os custos operacionais da usina Hoover e outras usinas operadas pelo Bureau of Reclamation

A.2 Canadá

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