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CAPÍTULO I ASPECTOS TEÓRICOS

4. UM OUTRO OLHAR: SUJEITO COLETIVO COMPOSTO POR PORTADORES,

4.1 Conhecimento sobre a hanseníase

4.1.3 Representação da doença nos documentários

A obra audiovisual é uma produção simbólica e funciona como um meio de significação. A imagem está sempre ligada ao exercício de um determinado tipo de linguagem, assim como à vinculação a uma organização simbólica por meio da cultura e imaginário social. Desse modo, um filme, que é basicamente composto por imagens, remete direta ou indiretamente à sociedade em que ele se inscreve, mas, nele, a sociedade não é mostrada como ela de fato é, mas sim representada (VANOYE; GOLIOT-LÉTÉ, 2004).

Partindo desse pressuposto, percebemos que a variação cultural dos indivíduos, baseada nas experiências reais e intelectuais, influencia na compreensão da “realidade” apresentada nos documentários analisados. Com isso, sabemos que a representação da representação fílmica por parte dos entrevistados é apenas mais uma possibilidade.

A iniciativa de trabalhar com os vídeos nas estratégias de mobilização social foi vista pelos dois grupos como uma boa alternativa, já que, segundo eles, é mais divertido assistir a filmes do que a uma palestra. Entretanto, as justificativas identificadas divergiam devido as diferenças sócio-culturais entre os dois grupos.

Eu gosto quando tem qualquer coisa aqui. Vem muita gente de fora. Aqui fica cheio de jovem. O ruim é que não tem sempre. Tem uma coisinha e passa um tempão até ter de novo.

Filme é sempre bom, mas não gosto muito de teatro não. Mas tudo bem, de graça até injeção na testa. O bom é que dá para levar até as crianças, quando ainda é de tarde. A noite, nem me meto naquelas bandas.

Quanto aos filmes, propriamente ditos, foi possível encontrar o seguinte conjunto de representações e diferenças entre os dois grupos:

Os melhores anos de nossas vidas: nesse documentário, a duração foi o principal problema encontrado. Ambos os grupos ficaram inquietos a partir do trigésimo minuto de exibição. As informações sobre a doença foram consideradas superficiais e, no caso dos moradores do entorno, insuficientes para compreender as causas da doença/ transmissão e ou da internação compulsória. A diferenciação dos resultados das análises se deu no quesito mobilização, relacionado ao imaginário e participação. As

pessoas, participantes do grupo de moradores do entorno, se definiram como emocionadas, mas sem interesse em atuar em ações em prol da causa por não reconhecerem a necessidade de ajuda através dos documentários. No caso dos portadores, pelo filme ser narrado também por portadores, falando sobre as experiências pessoais e histórias da colônia, despertou um sentimento de nostalgia na maioria dos participantes do grupo contribuindo, dessa maneira, sob o ponto de vista dos participantes, a fazer com que eles se mantivessem atentos à preservação da estrutura física e histórica do Hospital- Colônia, estimulando o imaginário para o sentimento da necessidade da ação. Além disso, houve o questionamento acerca da atuação do próprio movimento na manutenção da história da hanseníase no município, daí percebe-se a crise entre a mobilização proposta na teoria do próprio movimento e a realizada na base, alvo da pesquisa.

Aqui estaremos bem: Os grupos consideraram, de um modo geral, a linguagem do filme didática em decorrência da existência de um narrador. A construção do histórico da doença em alternância com afirmações de um médico sobre o histórico do tratamento passou credibilidade aos entrevistados, gerando maior empatia com o filme, e esclarecendo duvidas que surgiram entre o grupo de moradores do entorno. Além disso, a duração do filme foi ideal, segundo os participantes. Na questão relacionada à mobilização social, relacionada ao imaginário e à participação, os indivíduos moradores do entorno expuseram o desejo de conhecer um pouco mais sobre a doença, mas continuaram sem desejo de atuar em ações em prol da causa. A justificativa, de uma maneira geral, foi a percepção de que os moradores da colônia já estavam integrados socialmente, contradizendo argumentos já citados na presente pesquisa de que os moradores da colônia precisavam de ajuda. No caso dos moradores da Colônia Antonio Justa, houve comoção da maioria dos participantes quando uma das personagens citou a separação dela com a filha recém-nascida, realizada pelas freiras do hospital da Colônia Santa Izabel. Um dos participantes citou o caso de alguns deles que haviam sido separados dos filhos e denunciou casos de assassinato, sem nenhuma comprovação policial, no orfanato ligado à Colônia de Maracanaú. O sentimento de nostalgia persistiu entre os participantes e a reafirmação do desejo de preservar alguns patrimônios que foram depredados.

Zélia – A história de muitas pessoas: Os grupos encontraram problemas na interpretação da mensagem do filme. Elementos como a linguagem e construção da narrativa, de uma maneira mais objetiva, foram apontados como os principais fatores

que influenciaram na execração do filme pelos dois grupos. A linguagem verbal não foi direta e a utilização de simbolismos não facilitou a compreensão acerca das questões propostas pelo filme, principalmente do grupo de moradores do entorno que não tem qualquer relação direta com a Colônia. A construção do roteiro com saltos temporais demarcados por cartelas dificultou a interpretação dos moradores da Colônia, que apesar de citar o reconhecimento de algumas situações, demonstraram preocupação com a compreensão de quem não possui conhecimento sobre a hanseníase. Os moradores da Colônia afirmaram também não acreditar que esse filme pudesse ser utilizado para falar sobre a doença já que não possui nenhum tipo de apelo dramático, consideraram o roteiro superficial. Consideramos, portanto, a afirmação dos dois grupos que informaram que o filme não desperta nenhum tipo de articulação ou interesse direcionado ao estímulo da participação e não apresenta informações substantivas em relação à hanseníase.

Condensando as informações analisadas durante as entrevistas, afirmamos que os portadores e ex-portadores de hanseníase, de Maracanaú, percebem-se como pessoas sofridas, sem nenhuma expectativa de vida, não-dignas de contato social e conformadas com a situação apresentada. Além disso, mostraram-se incomodados com as seqüelas físicas decorrentes da doença evitando, por muitas vezes, o contato visual ou físico, com pessoas consideradas sadias, ao contrário do que é apresentado nos vídeos.

Diferentemente, do que é apresentado nos filmes. Nas narrativas, muitas vezes sobre histórias de preconceito e sofrimento, há um misto de conformação com perseverança. Indicativos de uma auto-estima elevada, através do recorte feito pelos diretores e interpretados pelos moradores do entorno e ex-portadores da doença em Maracanaú, já que para os primeiros eles não mostravam precisar de ajuda e para os segundos apresentaram uma possibilidade de continuidade da vida, estimulando o desejo em preservar a memória da Colônia.

Em alguns casos, as narrativas dos documentários confundiram-se com as histórias dos portadores e ex-portadores participantes das entrevistas. Esse fator de reconhecimento fortaleceu a proximidade entre o espectador e o filme, facilitando a compreensão e estimulando a emoção, passos iniciais no processo de mobilização. Entretanto, com o grupo de moradores do entorno não funcionou como elemento mobilizador, mas como uma fonte primária de informações acerca da doença. Portanto, os filmes analisados mostraram-se um

importante aliado no início do processo de mobilização social, dentro do movimento, mas não fora.