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Capítulo 1 – Conceitos Teóricos

1.2 Representação e imaginário

Nesta seção, discutimos os conceitos de representação e imaginário. Estes dois

conceitos não estão dissociados. As representações sobre a língua inglesa constituem o

imaginário social sobre essa língua, sendo constitutivas dos discursos nos quais se

circunscrevem enunciativamente e materializadas no dizer dos sujeitos.

Para Woodward (2000) “A representação inclui as práticas de significação e os

sistemas simbólicos por meio dos quais os significados são produzidos, posicionando-nos

como sujeito” (WOODWARD, 2000, p.17). Para significar, o discurso entra em contato com

diferentes regiões do interdiscurso. Discursos sobre a língua inglesa são oriundos de

diferentes lugares pois o inglês está presente em diversos campos. Esses discursos também se

originam em diferentes épocas, pois a história mostra como o inglês tem se expandido desde o

início da colonização britânica em meados do século XVII. Desse modo foi-se atribuindo

sentidos à língua inglesa. Tais sentidos conferem a esta língua determinadas imagens que ao

longo do tempo passaram a constituir um imaginário sobre ela. Como exemplo tem-se a visão

do inglês como língua que melhor se adapta ao mundo moderno, de que nos fala Pennycook,

(1999) já mencionado na introdução desta dissertação, e que, segundo esse autor, é sustentada

por imagens que associam o inglês a tudo o que é novo.

Para tratar do conceito de imaginário recorremos à noção de formações imaginárias.

Conforme Orlandi:

as condições de produção implicam o que é material (a língua sujeita a equívoco e a historicidade), o que é institucional (a formação social, em sua ordem) e o mecanismo imaginário. Esse mecanismo produz imagens dos sujeitos, assim como do objeto do discurso, dentro de uma conjuntura sócio-histórica (ORLANDI, 2003, p.40).

Assim, as imagens que os alunos possuem do objeto do discurso, o inglês no caso de

nossa pesquisa, dentro do atual contexto sócio-histórico, marcado pelos efeitos de sua

expansão e da globalização, constitui o seu imaginário sobre a língua inglesa e constituem

seus dizeres.

Para Pêcheux (1995), o ego é o imaginário no sujeito. É onde se constitui para o

sujeito a sua relação imaginária com a realidade. A interpelação do indivíduo em sujeito de

seu discurso se efetua pela identificação (do sujeito) com a formação discursiva que o domina,

isto é, na qual ele é constituído como sujeito. Essa identificação, fundadora da unidade

(imaginária) do sujeito, apóia-se no fato de que os elementos do interdiscurso, que constituem

no discurso do sujeito os traços daquilo que o determina são reinscritos no discurso do próprio

sujeito.

De acordo com Serbena (2003), o campo do imaginário é formado por imagens,

símbolos, sonhos, aspirações, mitos, fantasias, muitas vezes pré-racionais e com forte

conotação afetiva que existem e circulam nos grupos sociais. No imaginário do aluno, sujeito

de nossa pesquisa, a língua inglesa é vista como franqueadora de boas oportunidades de

trabalho e conseqüentemente de ascensão social e por isso ele a enaltece.

As formações imaginárias, conceito oriundo da Análise do Discurso de orientação

pecheutiana, dizem respeito a posições de sujeito no discurso e relacionam-se também à

noção de representação vinda dos Estudos Culturais. Essa perspectiva de representação

concebe-a como um processo identificatório do sujeito com elementos do seu espaço social.

Esses elementos (culturais, afetivos, sociais etc.) chegam ao sujeito por meio de dizeres

(pessoas de seu convívio, mídia, instituições às quais pertence etc.). Em tais dizeres é possível

encontrar manifestações interdiscursivas.

O interdiscurso, conforme tratado na seção anterior, é um conceito formulado por

Michel Pêcheux e se caracteriza pela presença de diferentes discursos oriundos de diferentes

lugares, entrelaçados no interior das formações discursivas. Juntamente com os dizeres

chegam ao sujeito as imagens, símbolos, sonhos, aspirações, mitos, fantasias que existem e

circulam nos grupos sociais e que constituem o campo do imaginário. Ambos, imaginário e

interdiscurso caracterizam-se pela presença de elementos oriundos do espaço social (discursos

no caso do interdiscurso e imagens, símbolos, mitos e crenças no caso do imaginário) e de

diferentes momentos da história em sua constituição. Os discursos, imagens, símbolos,

sonhos, aspirações e mitos vão produzir sentidos com os quais, o sujeito, por meio da

identificação, vai se posicionando, constituindo sua subjetividade.

A escolha dos lugares que o sujeito ocupa e os posicionamentos que ele assume não é

feita aleatoriamente, pelo contrário, são determinadas por relações de poder. Desse modo, as

formações imaginárias também estão relacionadas a questões de poder:

[...] o imaginário faz necessariamente parte do funcionamento da linguagem. Ele é eficaz. Ele não ‘brota’ do nada: assenta-se no modo como as relações sociais se inscrevem na história e são regidas, em uma sociedade como a nossa, por relações de poder (ORLANDI, 2003, p. 42).

Nesse sentido, também afirma Woodward: “Todas as práticas de significação que

produzem significados envolvem relações de poder, incluindo o poder para definir quem é

incluído e quem é excluído.” (WOODWARD, 2000, p. 18). Se tal direcionamento é

determinado por questões de poder, as representações são delimitadas ideologicamente no

sentido de atender às questões relacionadas a poder político e econômico, por isso certas

representações têm um apelo mais forte junto à sociedade do que outras. Isso quer dizer que

prevalecem as representações que atendem à ideologia de quem representa.

Foucault (1996) afirma que há uma forte ligação entre discurso e poder. Na verdade,

discurso, poder e saber estão correlacionados. Assim sendo, as representações, por sua vez,

também se relacionam ao poder, pois são geradas a partir de discursos sobre algo. Isso

porque, conforme Woodward: “Os discursos e os sistemas de representação constroem os

lugares a partir dos quais os indivíduos podem se posicionar e a partir dos quais podem falar”

(WOODWARD, 2000, p. 17).

No dizer de Deleuze:

um exercício de poder aparece como um afeto, já que a própria força se define por seu poder de afetar outras forças (com as quais ela está em relação) e de ser afetada por outras forças. Incitar, suscitar, produzir (ou todos os termos de listas análogas) constituem afetos ativos, e ser incitado, suscitado, determinado a produzir, ter um efeito “útil”, afetos reativos (DELEUZE, 2005, p. 79).

Logo, os discursos que exaltam a língua inglesa, presentes em vários veículos, como a

mídia por exemplo, têm o poder de incitar, sucitar e produzir significados que constituem

representações sobre a língua inglesa. A partir desses significados sobre a língua inglesa, as

pessoas se posicionam sobre ela e a enunciam.

Além disso, segundo Faria (2005), quem representa tem o poder, ou seja, as

representações sobre a língua inglesa também são o reflexo de grupos de poder hegemônico,

que nesse caso são os países anglófonos, dentre outros. Isso explica porque há tantos

discursos que resultam em representações sobre o inglês, o mesmo não ocorrendo, com

outras línguas. Nesse sentido, o grupo hegemônico que possui o poder de afetar outros grupos

exerce aí o seu poder. As representações produzem significados e conforme Woodward

(2000), a partir daí, damos sentido à nossa experiência e àquilo que somos. Quem representa

exerce o poder no sentido de afetar, incitar, produzir significados que vão se instaurar no

imaginário social e modelizar os sujeitos.

As representações que exaltam a língua inglesa assentam-se pelo fato de que o inglês,

ao expandir para além dos domínios de seu território de origem, imprimiu traços de sua

civilização e essa expansão reflete as relações de política e de poder de sua nação de origem,

do posicionamento político de dominação dessa nação em relação ao mundo.

No entanto, é preciso lembrar que:

quando definimos o exercício do poder como um modo de ação sobre as ações dos outros, quando as caracterizamos pelo “governo” dos homens, uns pelos outros – no sentido mais extenso da palavra, incluímos um elemento importante: a liberdade. O poder só se exerce sobre “sujeitos livres”, enquanto “livres” – entendendo-se por isso sujeitos individuais ou coletivos que têm diante de si um campo de possibilidade onde diversas condutas, diversas reações e diversos modos de comportamento podem acontecer (FOUCAULT, 1995, p. 244).

Do mesmo modo que as representações que são atribuídas à língua inglesa,

enaltecendo essa língua, são determinadas por grupos que em um determinado momento da

história estão em relação de preponderância, o poder exercido por tais grupos também pode

gerar resistência e essa hegemonia pode ser questionada porque o poder é exercido de ambas

as partes. Porém, como o exercício de poder é a ação de uns sobre outros, o grupo

hegemônico exerce o poder porque consegue se sobrepor aos outros, pois a relação de forças

não é igual.

Na próxima seção, discutiremos de forma mais aprofundada sobre sujeito e

subjetividade.