• Nenhum resultado encontrado

Representação intencional inconsciente

3 CONTRIBUIÇÕES TEÓRICAS AO CONCEITO DE REPRESENTAÇÃO

3.4 Representações intencionais dos processos psíquicos

3.4.2 Representação intencional inconsciente

Conforme vimos tentando mostrar até aqui, a grande contribuição de Freud para a compreensão da histeria foi a constatação de que essa patologia envolvia processos psíquicos intencionais. Contudo o seu maior desafio será o de mostrar que tais processos intencionais seriam de natureza inconsciente. Inicialmente a intenção é vista como sendo de natureza

324 Ibid. ESB, II, p. 227.

325 Ibid. ESB, II, p. 229. 326 Idem. Ibidem.

327 GABBI Jr. A pré-história da psicanálise: materiais para a construção. Tese (Doutorado em Filosofia), p. 100. 328 Idem. Ibidem.

329 Casos clínicos: Elisabeth Von R. In: Estudos sobre a histeria. ESB, II, p. 231. 330 Ibid. ESB, II, p. 206.

consciente e refere-se à ação de uma defesa do paciente contra a representação incompatível de forma proposital, mesmo que não tenha clareza da consequência da sua defesa. Os exemplos de uma representação intencional consciente podem ser observados nos casos Lucy e Elisabeth. A concepção de intencionalidade inconsciente, por sua vez, propõe que a ação de defesa do paciente contra a representação incompatível seja realizada de forma alheia a sua própria consciência. A noção de intenção de natureza inconsciente somente aparece a partir do caso katharina.

O relato do caso Katharina vem com recursos explicativos distintos dos relatos anteriores, pois privilegia a hipótese quantitativa que tenta dar conta dos estados normais e patológicos. Com efeito, o caso Katharina traz uma espécie de ilustração da teoria esboçada por Freud em sua obra publicada apenas 13 anos após a sua morte, a saber, o Projeto de uma

Psicologia (1895). A questão levantada agora é saber por que a distribuição incorreta de

quantidade de excitação afetiva leva a uma solução inadequada do conflito - estado patológico.331

Outra questão, de suma importância, que o caso busca solucionar, é saber por que a primeira cena traumática não é suficiente para a produção de sintomas.332

A resposta para essas questões desembocará na origem do sintoma, desta vez, como de natureza não mais proposital. A divisão da consciência, antes levada por um ato de vontade, resulta agora de pura “ignorância”.333

Além disto, Freud confere maior importância à sexualidade como fator etiológico, a partir do qual serão desencadeados os quadros de histeria.334

Katharina não se enquadra bem com o que compreendemos como paciente, uma vez que a jovem conhece Freud na estação de veraneio onde trabalhava. Ao saber que aquele hospede era um médico, foi logo falando do que lhe afligia. Freud, então, percebeu que se tratava de um caso de neurose.335

A “consulta” foi realizada uma única vez, naquele mesmo local, sem nenhum uso de técnica de hipnose. A paciente, desde muito jovem, apresentava sintomas de ansiedade. Na sua imaginação, via sempre um rosto medonho que a olhava de maneira terrível.336

Há cerca de dois anos antes daquela data, ela presenciou uma cena que lhe pareceu bastante chocante e que a constrangeu muito: katharina presenciou seu tio com sua prima juntos na cama.337

Ela ficou tão

331 GABBI Jr. A pré-história da psicanálise: materiais para a construção. Tese (Doutorado em Filosofia), p. 101. 332 Idem. Ibidem. Tese (Doutorado em Filosofia), p. 102.

333 Idem. Ibidem.

334 Ibid. Tese (Doutorado em Filosofia), p. 103.

335 Casos clínicos: Katharina. In: Estudos sobre a histeria. ESB, II, p. 174. 336 Ibid. ESB, II, p. 175.

assustada que se esqueceu de tudo que vira.338

Contudo, ao retornar a cena que vira, foi capaz de lembrar que, quando era ainda mais jovem, sofrera uma investida sexual com esse mesmo tio. Na ocasião, não tinha ideia de que fosse uma ofensiva de ordem sexual. “Resistira porque era desagradável ser perturbada no sono e „porque não era correto‟”.339

Somente muito tempo depois havia ficado claro para ela a conotação sexual daquele acontecimento.

Tal cena ficara guardada durante anos, junto de outras lembranças das quais se recordava, mas não as compreendia. Quando vislumbrou o tio com a prima juntos, de imediato estabeleceu uma ligação entre a nova cena e a lembrança da investida sofrida pelo tio. Começou a compreendê-las e a rechaçá-las. Seguiu-se um curto período de elaboração, após o qual os sintomas de conversão se fixaram - a repulsa moral e física foram substituídas pelos vômitos e crises de taquicardia. Ela não sentira repulsa pela visão das duas pessoas, mas pela lembrança que aquela visão despertara nela.340

Quanto à alucinação periódica do rosto que surgia durante seus acessos, ela reconheceu que era o do seu tio.341

Na discussão do caso, os dois momentos enfatizados, o assédio sexual que sofrera e a cena da descoberta do tio com a sobrinha, podem ser comparados como um momento “traumático” e como um momento “auxiliar”, respectivamente.342

A semelhança está no fato de que nas experiências anteriores343

foi criado um elemento da consciência, que foi excluído da atividade intelectual do eu e permaneceu, por assim dizer, em reserva; enquanto, na segunda cena, uma nova impressão forçou uma ligação associativa entre este grupo separado e o eu.344

338 Ibid. ESB, II, p. 177.

339 Ibid. ESB, II, p. 178. 340 Ibid. ESB, II, pp. 179-180.

341 Uma nota de rodapé acrescentada em 1924, Freud revela: “ouço, após tantos anos, levantar o véu da discrição e revelar que Katharina não era a sobrinha, mas a filha da senhoria. A moça adoecera, portanto, como resultado de investidas sexuais por parte do próprio pai”. Ibid. ESψ, II, p. 183. Nota de rodapé.

342 Casos clínicos: Katharina. In: Estudos sobre a histeria. ESB, II, pp. 181-182. O momento traumático é “aquele em que a incompatibilidade força-se a si mesma sobre o eu e no qual este se decide a repudiar a representação incompatível. Essa representação não é aniquilada por tal repúdio, mas simplesmente reprimida para o inconsciente” (Casos clínicos: Miss Lucy R.. In: Estudos sobre a histeria. ESB, II, p. 171). O Momento auxiliar surge sempre que uma “nova impressão da mesma espécie a da representação incompatível original consegue uma ruptura na barreira erigida pela vontade, suprimindo a representação enfraquecida de um afeto e restabelecendo, provisoriamente, o elo associativo entre os dois grupos psíquicos até que uma nova conversão estabeleça uma defesa” (FREUD, S. As neuroses de defesa. ESB, III, p. 57). A conversão sintomática é impulsionada pelo momento auxiliar. Casos clínicos: Miss Lucy R.. In: Estudos sobre a histeria. ESB, II, p. 171.

343 Impressões do momento de assédio sexual sofrida no período antes da sexualidade. Casos clínicos: Katharina. In: Estudos sobre a histeria. ESB, II, p. 182.

O elemento excluído da consciência não foi por vontade do eu, mas por “ignorância da parte deste que ainda não era capaz de confrontar-se com experiências sexuais”.345

345 Idem. Ibidem.