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6. Discussão

6.1. Representações sociais da hipertensão arterial

6.1.1. Representação social da HA para pessoas que vivem com

Apesar da análise da rede associativa demonstrar que as causas e consequências da HA foram evocadas com menor ocorrência no grupo das pessoas que vivem com hipertensão, na análise das entrevistas estes aspectos foram característicos deste grupo, evidenciando que a representação é organizada de forma predominante pelas causas, consequências e cuidados com a HA (Classes 1 e 2). Este fato pode ser devido à tendência que se tem, ao se pensar sobre a doença, de criar explicações sobre suas causas, sua evolução e seu tratamento. Conhecendo a causa, conseguimos explicar a origem da doença e como fazer para tratá-la, tornando a doença menos estranha para nós (Flick, 1992; Laplantine, 2010).

As principais causas destacadas pelos participantes que vivem com hipertensão foram os aspectos emocionais (preocupação excessiva e incômodo) e o fator biológico (hereditariedade). Entender o que as pessoas que vivem com hipertensão associam como a causa da HA é importante para melhorar os cuidados com a saúde. Estudos apontam que as causas da hipertensão arterial aparecem associadas a sintomas psicológicos, como nervosismo, decorrente de conflitos interpessoais, estresse e fatores sociais e ambientais (Campos-Navarro et al, 2002; Kronish et al, 2012; Leão e Silva et al, 2013; Pickett, Allen, Franklin, & Peters, 2014; Strahl, 2003). Silva (2014) verificou em seu estudo que os participantes sofriam alterações na pressão arterial ao se preocupar com alguma situação adversa, mesmo com o uso contínuo de medicamentos. Assim, os participantes tinham como prática tentar não se preocupar em demasia para não aumentar a pressão arterial.

Pesquisas apontam que as pessoas que vivem com hipertensão que consideram fatores emocionais como causas desta condição crônica podem focar no controle destes fatores, tentando, quando possível, evitar se preocupar em excesso, e acabam não realizando as mudanças de hábitos. Assim, as causas associadas à hipertensão arterial influenciam na maneira de tratá-la e nas mudanças realizadas para controlar a pressão arterial (Diefenbach & Leventhal, 1996; Duwe et al, 2014; Warren-Findlow & Issel, 2010; Perkins-Porras, Whitehead, & Steptoe, 2006; Weiman, Petrie, Sharp, & Walker, 2000; Petrie & Weinman, 2006).

As pessoas que vivem com hipertensão neste estudo apontaram os fatores emocionais e biológicos (hereditariedade) como as principais causas da HA. Assim, os participantes podem perceber-se como tendo

um menor controle sobre estes fatores, e consequentemente, menor responsabilização pela sua ocorrência, o que pode influenciar no fato destes participantes destacarem a medicação como a forma principal de controle da HA e darem menos enfoque às mudanças de hábitos (Duwe et al, 2014; Petrie & Weinman, 2006).

As principais consequências da HA apontadas pelos participantes que vivem com hipertensão foram os problemas de coração, como o infarto, e o derrame. Apesar do AVC aparecer em destaque na rede associativa, nas entrevistas o derrame em decorrência do AVC é mais citado. Os participantes associam ainda o medo de ficar acamado devido a estas consequências. Desta forma, as possíveis consequências decorrentes do AVC e do infarto ganham maior destaque nas entrevistas do que estes eventos em si.

Conforme Petrie e Weinman (2006), a visão da pessoa sobre as consequências da doença reflete a severidade percebida subjetivamente sobre sua condição. Assim, ao se pensar sobre a doença, a pessoa tende a refletir sobre o grau de severidade, que pode ou não corresponder com a severidade clínica da doença. Neste estudo, estes participantes relataram o medo das possíveis consequências imaginadas e associadas à HA, incluindo o medo de morrer. Resultados semelhantes foram encontrados na literatura e destacam o medo e preocupação sentido pelas pessoas que vivem com hipertensão pela possibilidade de ocorrência dessas complicações (Péres, Magna, & Viana, 2003; Leão e Silva et al, 2013; Silva & Bousfield, 2016).

A categoria “sentimentos” retratada pela análise da rede associativa, ou seja, os aspectos subjetivos relacionados com a HA, também apresentaram maior ocorrência para o grupo das pessoas que vivem com hipertensão, com destaque para os sentimentos negativos, como medo, preocupação e insegurança. Considerando que as representações sociais se constroem no processo de interação social, as emoções e sentimentos se mobilizam nos grupos e reforçam as crenças. Assim, elas exercem um papel preponderante na seleção de informações e posicionamentos favoráveis ou desfavoráveis frente ao objeto da representação e sua rede de significados (Banchs, 1996). Este dado vai ao encontro da literatura, em que as pessoas que vivem com hipertensão destacam sentimentos negativos associados a HA, relacionados à experiência com a doença (Almeida, Paz, & Silva, 2011; Hsiao, Chang, & Chen, 2012; Leão e Silva et al, 2013; Nivedita, 2015; Ross, Walker, & MacLeod, 2004).

Os cuidados relacionados à hipertensão arterial são retratados como positivos, possibilitando maior qualidade de vida e controle dos

níveis pressóricos. A principal forma de cuidado associado a esta condição crônica pelas pessoas que vivem com hipertensão são tomar a medicação e fazer o acompanhamento médico. Silva et al (2013) apontam que a HA muitas vezes não é associada à perda de saúde. Assim, as pessoas que vivem com hipertensão não se consideram doentes pelo fato da HA não apresentar sintomas físicos e não restringir nenhuma atividade, apesar do uso contínuo e diário de medicações. Desta forma, os participantes procuram realizar um controle dos níveis pressóricos através do acompanhamento médico, medição da pressão e do tratamento medicamentoso, com o uso contínuo da medicação, resultado este que corrobora os achados na análise da rede associativa. Conforme Sousa et al (2011), grande parte do conhecimento científico sobre a hipertensão arterial (valores ideais, prevenção e tratamento) advém do uso da medida casual da HA, possibilitando um melhor manejo desta condição crônica.

Há a tendência das pessoas que vivem com hipertensão atribuírem ao medicamento a solução das possíveis complicações da HA. Isto indica uma fé no saber médico e na autoridade do conhecimento creditado ao profissional de saúde. Assim, acredita-se que a medicação tem o poder de controlar os níveis pressóricos e considera- se que apenas o uso dos medicamentos é suficiente para a realização do tratamento da HA, conforme apontam outros estudos (Costa e Silva et al, 2008; Costa e Silva et al, 2011; Demaio et al, 2013; Leão e Silva et al, 2013; Nations et al, 2011; Nunes, Nogueira, & Pedrosa, 2012; Péres, Magna, & Viana, 2003; Silva et al, 2013; Silva, 2014).

Os participantes destacaram ainda o fato da hipertensão arterial ter sido descoberta ao acaso, em função de consultas rotineiras ou devido à algum sintoma específico. Esta é a forma mais comum da descoberta da HA, evidenciada também em outros estudos (Castro & Car, 2000; Silva, 2014; Silva & Bousfield, 2016).

Destaca-se que estes participantes referem-se à hipertensão arterial pelo termo pressão alta e a consideram como algo normal, pela alta prevalência na população. Segundo Silva (2014), a presença constante do termo popular “pressão alta” indica uma modificação no organismo da pessoa que vive com hipertensão, caracterizando uma anormalidade. De acordo com Silva, Bousfield e Cardoso (2013), o termo pressão alta é usado como sinônimo da hipertensão arterial nas campanhas de saúde no Brasil. Assim, a utilização da linguagem popular nos materiais de divulgação sobre saúde e doença pode contribuir para aproximar o conhecimento técnico do conhecimento de senso comum. Ademais, estes participantes destacaram os profissionais

de saúde como a principal fonte de informação sobre a HA, o que contribui para esta aproximação com o conhecimento especializado, difundido pelas informações repassadas pelos profissionais de saúde.

A análise de similitude evidenciou que este grupo enfatizou mais a questão da doença, suas causas e consequências do que o papel da pessoa que vive com hipertensão no tratamento, que aparece em menor ocorrência, corroborando os resultados encontrados nas análises anteriores. Pode-se considerar que a representação social da hipertensão arterial para este grupo está ancorada nos conhecimentos e informações disponibilizadas pelos profissionais de saúde e nas crenças e experiência pessoal diante desta condição crônica, sendo que esta representação aparece objetificada na medicação. Ademais, as representações da hipertensão arterial para este grupo não são totalmente discordantes do conhecimento especializado, mostrando que há um intercâmbio entre estas duas formas de conhecimento. Resultados semelhantes foram encontrados por McBane e Halstater (2011). A organização da representação social deste grupo pode ser observada na figura 21.

Figura 21. Organização da representação social da hipertensão arterial para o grupo das pessoas que vivem com hipertensão.

6.1.2. Representação Social da HA para Profissionais de saúde