• Nenhum resultado encontrado

Canclini (1994:112) declara que toda cultura seleciona e combina constantemente suas fontes; as representações culturais são encenações que adaptam o que elegem e apresentam de acordo com a capacidade de captação e compreensão dos receptores.1 Como Riegel havia notado no começo

do século e recentemente Feilden & Jokilehto (1995: 36), os valores culturais ligados aos objetos patrimoniais e sua relação com os observadores atuais, são necessariamente interpretações subjetivas, sujeitas às características de nosso tempo. Tais interpretações influem no desenvolvimento e adoção de políticas de proteção e tratamento, uma vez que elas determinam seu caráter cultural intrínseco, o grau de interesse geral nestes objetos e no seu contexto ambiental.

Os temas que recentemente dominam as discussões no âmbito da preservação do patrimônio2 apontam no sentido de uma política preservacionista democrática. Entretanto, captar as

visões, os conceitos e valores dos habitantes que vivem nos sítios históricos urbanos ainda não constituem condição para a implementação desta política. Há uma carência de estudos sobre o que e como preservar na perspectiva do habitante e dos arquitetos especialistas. Os estudos nessa área têm se concentrado nos inventários e levantamentos que privilegiam a leitura das características desses ambientes feita pelos especialistas do patrimônio.

Como pretender que a compreensão da importância do patrimônio cultural seja incorporada pela população, que o tombamento ou outros instrumentos de proteção façam sentido para ela, se não compreendemos a ótica do usuário na apropriação da cidade e na seleção do que e como preservar?

Para Gonçalves (1996: 82-83) os objetos patrimoniais, aqueles selecionados para

1

Na ótica moderna atual, sabe-se que os objetos, sujeitos a várias relações sociais, são construídos e reconstruídos pela imaginação, adquirem e mudam seu sentido.

2

Entre estes temas se destacam: a relação da cidadania com a legitimação da política preservacionista; o reforço à identidade local através das práticas patrimoniais como reação à tendência de homogeneização cultural do mundo globalizado; a progressiva diminuição do papel do Estado como principal gestor do espaço urbano.

constituírem o patrimônio, são submetidos às várias ações de preservação, do resgate à restauração, basicamente para serem exibidos e contemplados. É uma certa maneira de conceber o conhecimento como representação visual, pois o quê e o como eles representam são autenticados pela exibição. Pela utilização de meios visuais e pela reprodução do princípio epistemológico do conhecimento como produto da visão, o patrimônio cultural pode ser visto como uma alegoria visual.

Conseqüentemente, entre os valores culturais e sócio-econômicos associados ao ambiente construído que as teorias da preservação difundidas pelas cartas patrimoniais pressupõem

n a

demarcação do universo a preservar e como base para o estabelecimento de uma política de proteção e tratamento, destacam-se aqueles que apresentam como principal suporte do conhecimento a visão. Estes valores estão associados a componentes do ambiente que os especialistas costumam considerar, na prática, identificadores do sítio histórico e objetos de registro e inventário, fundamentando os critérios de seleção e construção do patrimônio oficial. Os valores artísticos, históricos e de antiguidade estão presentes nas características formais e temporais da arquitetura e são usualmente considerados através do estilo das edificações e da sua época de construção; os valores urbanísticos são traduzidos pelas características formais de ocupação do sítio urbano tais como homogeneidade/fragmentação; o valor de originalidade pode ser detectado pelas condições atuais de caracterização dos imóveis. Os valores sócio-econômicos atuais são importantes porque podem ocasionar tanto impacto positivo quanto negativo sobre o objeto patrimonial e seu contexto, sobressaindo-se os componentes do ambiente que expressam as condições de propriedade, de conservação e de uso dos imóveis.

Serão tais componentes também relevantes na conceituação dos habitantes de um contexto urbano tradicional quanto ao interesse em preservar e na seleção do que e como preservar?

Como enfatiza Monteiro (1995: 910) a pesquisa ambiental, em seu objetivo de investigar a relação entre o ambiente e os indivíduos ou grupos sociais que neles habitam, considera este ambiente em seus componentes físicos e sociais. Estes componentes imprimem qualidades ao ambiente, mas este último só se torna significante na presença da experiência. A experiência dos lugares é adquirida pelas pessoas, de forma diferente, desenvolvendo nestes locais atividades diversificadas: morar, trabalhar, descansar, socializar etc.

O objetivo da investigação é captar a conceituação dos habitantes3 e dos arquitetos

especialistas acerca da preservação do sítio histórico de Parnaíba, a partir de seus componentes físicos, sócio-culturais e econômicos, referenciados nas teorias modernas da preservação e recomendados pelas cartas patrimoniais, verificando se os mesmos são influentes na sua determinação e como influenciam a sua formação. Delineados os contornos destas duas visões passa-se a compará-las para depois discutir a preservação dos sítios históricos, confrontando-as com a política oficial que tem sido praticada para as3

Entre as pessoas que ali vivem foram considerados tanto os moradores como usuários que exercem práticas de lazer, trabalho, estudo, locomoção, compras, alimentação, saúde etc, propiciadas pela área.

áreas urbanas hoje em dia. Os processos de construção das duas visões são diferentes. A preservação para os habitantes pode ser caracterizada como conceito abstrato, uma vez que a área não foi ainda decretada como objeto de proteção oficial mas, ao mesmo tempo, é reconhecido o valor de preservação de certas edificações, construído pela experiência, conhecimento histórico, afetividades e simbolismos locais. Já a construção dos arquitetos especialistas é uma representação técnica que, por sua vez, utiliza os valores culturais - artístico, histórico, antiguidade, arquitetônico, urbanístico etc - pressupostos das teorias da preservação.

Entretanto, existe uma multiplicidade de significações e valores que podem ser atribuídos a um mesmo contexto ou bem, em um mesmo tempo, por grupos economicamente, socialmente e

culturalmente diferenciados. Então, não existe um único conceito dos habitantes e nem tampouco um único conceito dos arquitetos especialistas em relação à preservação de um certo sítio histórico. Dentro dessa perspectiva, trabalhamos com a hipótese de que os mesmos componentes físicos, sócio-culturais e econômicos de um sítio histórico formam conceitos relativos à preservação diferentes tanto entre os habitantes deste sítio quanto entre os arquitetos especialistas. A predominância de alguns valores comuns nos conceitos de cada um dos dois grupos é que lhes proporciona significados específicos e permite qualificá-los como duas visões:

- uma visão técnica , fundamentada pelo saber científico; - uma visão leiga, marcada pela experiência.

A atenção ao tema que considera as imagens que as pessoas possuem dos lugares em que vivem, em desenvolvimento no âmbito das pesquisas urbanas, deve-se talvez ao fato de que às qualidades icônicas de uma imagem são associados valores que lhes permitem compreenderem e se situarem em relação a esta imagem. (Monteiro, 1995: 908).

A pesquisa, valendo-se dos argumentos teóricos da Teoria das Representações Sociais de Moscovici, explora a imagem que arquitetos especialistas e habitantes de Parnaíba possuem do núcleo de origem da cidade e primeiras expansões urbanas, identificadas como sítio histórico, e da sua preservação. As imagens e os anseios de preservação desse espaço nas duas visões, através dos valores que lhe são associados, são explorados como representações cognitivas. Em seguida, são verificadas as características de tais representações a fim de verificar sua abrangência como uma representação social ou saber se existem imagens desse ambiente e da idéia de sua preservação que são compartilhadas pelos diferentes grupos sociais da população da pesquisa.