• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO I: TEORIA DAS REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

1.2 Representações Sociais e Educação

A configuração do mundo atual, marcado pelo desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação, pelas sucessivas e aceleradas descobertas tecnológicas e científicas, pela mundialização da economia, entre outros fatores, tem provocado expressivas mudanças no cenário da vida social. O ideário da modernidade e seus pressupostos foram impactados pelas mutações ocorridas no final do século XX.

Segundo Farias (2006), a sociedade que surge em processo de mudança acelerada e imprevisível, baseia-se no conhecimento e caracteriza-se pela incerteza, descrédito e provisoriedade. Essas novas circunstâncias redefinem o formato da sociedade contemporânea, redesenham o acervo de valores da vida social, ao mesmo tempo, em que colocam em xeque o paradigma do pensamento científico, do poder da razão dominante na modernidade. No bojo dessas transformações, faz-se necessário compreender as demandas de mudança na educação.

Consideremos que mudar é uma possibilidade sempre presente na vida do ser humano, em razão da sua condição social e histórica. É uma práxis, vai além de uma dimensão técnica, implica uma nova forma de agir, a partir de novos valores e crenças. Não é uma ação isolada do sujeito e sua subjetividade, mas um processo complexo, um novo sentido que o sujeito constrói para sua prática, concebida como experiência social.

A mudança da prática requer o rompimento com o familiar, o habitual, envolve comprometimento crítico, ético e político de todos os sujeitos envolvidos. Ao mesmo tempo em que gera ansiedade, incerteza e desestabiliza a zona de conforto das ações assentes na previsibilidade da rotina, possibilita novos aprendizados que oportunizam crescimento pessoal e profissional.

Farias (2006) adverte que, em virtude da incerteza e complexidade do mundo presente, não nos é dado conhecer o que pensam e acreditam os sujeitos humanos, posto que tanto esses sujeitos quanto o mundo no qual se inserem estão sob constantes mudanças. Decorre daí que a necessidade de aprender transforma-se em uma exigência permanente. O atendimento a essa exigência, contudo, deve considerar o ato de

aprender como um processo que lida com saberes vários, legitimados pela teia de relações, na qual são produzidos e compreendidos em suas dimensões políticas, históricas, culturais.

É ainda Farias (2006, p. 31) quem assinala que “a escola não é mais o único lócus privilegiado de aprendizagem. Ela convive e, de certo modo, tem que disputar audiência com outros meios e espaços”. Tamanho desafio implica a compreensão dos papéis desempenhados pelos diversos atores: professores, alunos, pais, comunidade, poder público, bem como do cenário social que se descortina.

É nesse sentido que a Teoria das Representações Sociais pode oferecer inegáveis contribuições para a compreensão da realidade educacional, oportunizando novas vias de conhecimento dos fatores sociais que agem sobre o processo educativo e influenciam seus resultados (GILLY, 2001).

Atualmente, o papel do professor inclui uma gama de novas atribuições voltadas às demandas que emergem da sociedade, como a facilidade de acesso ao conhecimento por outras vias, o que exige, desse professor, um nível de qualificação adequado, frente a esses novos desafios.

Farias (2006, p. 33) expõe que

Não há dúvida de que as demandas do mundo para o qual a educação e a escola se preparam neste início do século XXI são cada vez mais mutáveis, complexas e inseguras. Até bem pouco tempo, parecia haver um certo consenso sobre o que a escola deveria ensinar, qual sua função social. Todavia, esse acordo tácito em torno do modelo de socialização não encontra mais a mesma ressonância na contemporaneidade.

Essas mudanças em curso ressaltaram a pluralidade e a emergência de novos saberes e novos valores a serem socializados pela educação. A dsponibilidade da informação em larga escala permite ao aluno o contato com outras vias de acesso ao conhecimento e amplia a responsabilidade docente. O professor, portanto, é chamado a situar-se frente a essas novas fontes, ao aluno e ao conhecimento.

A relação professor-aluno traz a marca dessas mudanças: “da passividade ao questionamento; do silêncio ao conflito. Essa alteração tem exigido novos modelos de convivência” (FARIAS, 2006, p. 33). Considera-se, pois, de fundamental importância, a compreensão desse processo, por meio da Teoria das Representações Sociais, pelo que ela possibilita da apreensão do universo educacional e suas emergências.

O interesse essencial da noção de representação social para a compreensão dos fatos de Educação consiste no fato de que orienta a atenção para o papel de conjuntos organizados de significações sociais no processo educativo, oferece um novo caminho para a explicação de mecanismos pelos quais fatores propriamente sociais agem sobre o processo educativo e influenciam seus resultados.

O autor considera que essa articulação vai além da compreensão de fenômenos como a pertença a um grupo social, a concepção do professor sobre o seu papel, as atitudes e comportamentos diante da escola, entre outros. Refere-se, também, à comunicação na turma e à construção de saberes, uma vez que o aluno de hoje não é mais o mesmo, mas alguém que traduz as demandas desse século e as novas configurações do contexto social e tecnológico no qual se insere. É necessário escutá-lo, conhecer-lhe as expectativas, bem como dialogar com os partícipes da ação educativa. Para Costa (2003, p. 269),

As enquetes constituem uma mina de recursos e um instrumento de conscientização, permitindo diagnosticar, através das diferentes representações de cada testemunho, os fatores que intervêm no processo de aprendizagem para assim abrir caminho a estratégias pedagógicas. O contato com outras respostas leva ao conhecimento da diversidade, à consciência de si mesmo. A possibilidade de expressão de questionamentos fará emergir outras questões em relação a saberes, valores, experiências vividas, referências.

Nessa perspectiva, Rangel (1999) vem confirmar a importância de se buscar informações e refletir a prática pedagógica com os atores que realizam essa ação. Reflexão que se faz com aporte teórico, para que a prática, articulada à teoria, ressignifique o sentido da ação.

Também Jodelet faz referência ao modo como as representações se relacionam com as práticas:

A representação nos dá certas interpretações, que são pequenas teorias sobre objetos que nos concernem [...]. Nelas existe, com certeza, uma ligação muito forte não somente com o interesse, mas também com a afetividade social. Podemos ver que existe um efeito da representação sobre as práticas, visto que a representação nos permite construir nossa visão e seguir a atuação que lhe corresponde. (JODELET citado por SANTOS; ALMEIDA, 2005, p. 190).

A autora advoga que as representações sociais influenciam as práticas. No caso da prática pedagógica, seus principais atores – professor e aluno – compartilham ações nas quais suas representações sobre determinado objeto se encontram.

Em Santos e Almeida (2005), vemos que as pesquisas que têm se ocupado do tema da determinação das práticas pelas representações podem ser de três ordens: pesquisas cujas práticas determinam as representações: novas condições externas impõem novas práticas em completo desacordo com a representação que se tinha do objeto, ou novas condições externas implicam novas práticas, mas não em desacordo completo com a prática anterior; pesquisas em que as representações determinam as práticas: não ocorrem transformações radicais da realidade objetiva, sendo que os sujeitos possuem autonomia e alto grau de referência à memória histórica coletiva; pesquisas em que práticas e representações se determinam mutuamente.

É inegável, portanto, o papel da reflexão, tendo em vista as necessárias mudanças de representações e seus desdobramentos na produção de comportamentos voltados, segundo Rangel (1999), ao interesse de alcançar e expor, nas ações, a visão multidimensional do binômio ensino-aprendizagem. Essa autora nos lembra ainda: as representações refletem os fatos e se refletem nos atos, e as mudanças podem ocorrer tanto na experiência do sujeito, quanto no objeto por ele representado, ou no cenário onde interagem sujeito e objeto.

A necessária busca de uma escola de qualidade e a representação social que dela se faz não se restringe apenas a aspectos explícitos como um bom currículo, um organograma e um prédio, pois, segundo Alevato (1999), seu valor vincula-se à forma como a sociedade a identifica e ao sentido que lhe atribui e que possivelmente definem um padrão de qualidade.

Segundo Castoriadis (1982), as instituições da sociedade humana não existem em si mesmas, são representadas pela sociedade, em virtude da expressão simbólica de sua materialidade para um grupo social; resultam de uma dimensão que se expressa na necessidade que lhes deu origem e numa dimensão simbólica que transcende sua razão de ser e colabora para que possam ser autônomas e duradouras.

É expressivo o lugar que ocupa o professor no contexto do ensino e as implicações que se impõem à sua prática docente, em decorrência das mutações do tempo presente. Dele espera-se uma gama de competências e habilidades, nem sempre presentes (ou pouco presentes) em seu processo de formação.

Há, contudo, que se levar em conta as aceleradas mutações por que passa o mundo, neste início de século. Essas mutações não encontram, no mesmo compasso, as correspondentes respostas nas instâncias em que se processam as ações educativas. É indiscutível o papel da ação docente nesse processo de mudança, todavia, como assinala Fernandes citado por Farias (2006, p. 70), “o sucesso da mudança depende

também de escolhas que envolvem relações de poder e de autoridade, valores e finalidades éticas e políticas que transcendem o individual”.

Isso não significa ausência de perspectiva: a escola é um lugar que reúne tensões diversas e contém expectativas consideráveis da sociedade, o que deverá fazer dela, nesse momento, um processo em construção. Não são pequenos os obstáculos que impedem a mudança de sua representação social. Insistimos, contudo, na possibilidade de transformação da escola. Um dos passos necessários é a prática da escuta de seus atores, o conhecimento do sentido da ação educativa pela voz de seus interlocutores mais diretos. Conforme vimos, as representações sociais influenciam as práticas educativas, no que corrobora Cerqueira (2007, p. 15):

As representações sociais se constituem de percepções da realidade e interferem nela porque suas imagens se refletem nos valores e comportamentos demonstrados pelos atores sociais. [...] as representações podem interferir no comportamento do professor e gerar mudanças na forma como se procede ao ensino. É na sala de aula que o professor constrói e reconstrói suas teorias sobre os alunos e segundo suas práticas as ratificam.

Com essa perspectiva, caminhou essa investigação. Seu objetivo: conhecer o que pensam professores e alunos do curso de Letras da Unitins sobre o texto poético na prática pedagógica e na formação de professores. Identificar e analisar as representações que esses atores elaboram sobre o texto poético requer uma compreensão sobre o mesmo, tarefa à qual nos debruçamos no capítulo que segue.