• Nenhum resultado encontrado

CAPITULO 02: O ESTUDO SOCIOLÓGICO DAS REPRESENTAÇÕES

2. REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Parte importante da forma de interação entre os indivíduos e dos indivíduos com o seu meio circundante é o modo pelo qual se dá a apreensão da realidade e o sentido atribuído aos diversos fenômenos. O conhecimento do mundo e de seus acontecimentos, seja adquirido pela experiência direta, seja pela comunicação, é, em grande parte, um produto relacionado à apropriação popular da informação, que fornece um sentido e uma interpretação própria aos diversos acontecimentos. Conhecimentos que são produtos da atividade espontânea das diversas populações (geralmente chamado de senso comum) compõem o objeto central de estudo das Representações Sociais.

Análises de processos e conteúdos cognitivos são objetos de diversas ciências com destaque para a psicologia. No caso sociológico, os estudos do conteúdo, dos processos de conhecimento e gênese das idéias compartilhadas são objetos de análise desde os primeiros estudos sociológicos. O papel que as idéias realizam frente aos processos sociais pode ser observado em obras significativas dos três grandes clássicos da Sociologia. Herança de Karl Marx, o conceito de Ideologia tentava dar conta da forma como as idéias criavam sentidos que poderiam ser usados como instrumento de dominação. Embora ambíguo e afeito a diversas reformulações até hoje, o conceito de Ideologia é bastante influente dentro da sociologia. No estudo clássico de Max Weber sobre a relação entre a ética protestante e o espírito do

capitalismo, observamos a análise do capitalismo por meio de orientações éticas baseadas no incentivo ao trabalho, ou seja, um sistema de idéias e valores que gerariam um dever moral e desempenhariam um importante papel na forma como o capitalismo se estrutura. No entanto, é por meio de uma herança durkheimiana que se sustenta o conceito de Representação Social.

A teoria das Representações Sociais não é um empreendimento de iniciativa da sociologia, mas antes, da psicologia social. Para realizar uma análise sociológica das Representações Sociais realizo uma breve exposição sobre seu conceito e as bases sobre as quais este conceito será utilizado dentro da Sociologia.

As Representações Sociais são conceituadas pela psicóloga social Denise Jodelet (2001) como:

uma forma de conhecimento socialmente elaborada e partilhada, com um objetivo prático, e que contribui para a construção de uma realidade comum a um conjunto social.(JODELET,2001:22)

A análise desse conhecimento sócio-construído tem como intuito apreender como os indivíduos percebem, compreendem e interpretam sua realidade cotidiana e parte-se da hipótese de que, há forte potencial das representações sociais guiarem ações sociais individuais e coletivas.

O conceito foi elaborado pelo psicólogo Serge Moscovici, em um posicionamento inovador e crítico frente à psicologia cognitiva, que, até aquele momento, se esforçava em analisar a percepção da realidade em termos de processos cognitivos universais sem dar grande importância aos conteúdos da cognição. A Teoria das Representações Sociais dá ênfase à dimensão social da formação das idéias como aspecto importante na explicação da compreensão, interpretação e atitude do individuo frente a sua realidade, tornando-se uma área de análise intermediária entre processos psicológicos e relações sociais. O termo tem inspiração em Durkheim que cunhou o conceito de representações coletivas (DURKHEIM,2007) referindo-se às classes gerais de idéias e crenças nas quais haveria a vigência do social sobre o indivíduo. Moscovici aprimora o conceito durkheimiano realizando uma articulação entre

as esferas individuais e sociais e enfatizando o caráter específico, fragmentado e dinâmico das Representações Sociais. Moscovici se preocupa em tratar as Representações Sociais não apenas como um conceito teórico, mas como um fenômeno social empírico que pode ser observado e apreendido.

As Representações Sociais tornariam convencional um significado sobre aspectos da realidade e simultaneamente prescreveriam, através da memória, da tradição e das estruturas sociais, a percepção dos indivíduos, apresentando-se como um aspecto concreto da realidade. Nesse processo, Moscovici argumenta que haveria uma articulação entre uma face icônica (que se relaciona a imagens e à memória) e outra face simbólica (que se refere a um meio de comunicação e significação). Através da articulação dessas duas faces, a Representação Social se manteria como um esquema de parâmetro para a compreensão da realidade.

Por sua vez, em sua manifestação, as Representações Sociais apresentariam uma dinâmica que abrangeriam dois momentos centrais elucidados pelo autor: 1) a ancoragem que consiste em “transformar algo

estranho e perturbador, que nos intriga, em nosso sistema particular de categorias e o comparar com um paradigma de uma categoria que nós pensamos ser apropriada”(MOSCOVICI,2007:61). Baseia-se na categorização

e nomeação da realidade em busca de sua compreensão. 2) a objetivação consiste, por sua vez, na criação de um núcleo figurativo acessível que reproduza um complexo de idéias, realizando a substituição do que é percebido pela maneira como aquilo foi concebido. Esses dois momentos podem ser interpretados como, primeiramente, uma concepção e afirmação de determinadas idéias como fonte explicativa de um aspecto da realidade (ou seja, a ancoragem); e em seguida a estruturação de uma dinâmica por meio da qual esse conjunto de idéias se torna um recurso vastamente usado para compreensão da realidade tornando-se um padrão reproduzido socialmente (objetivação). Ou seja, ancoragem e objetivação podem ser associadas com o processo de criação e reprodução das representações sociais.

Aspectos estruturais e simbólicos específicos de um contexto social constituem as Representações Sociais e lhes dão um caráter múltiplo e

variável. Com foco em processos cognitivos e suas relações com a dinâmica social, as Representações Sociais seriam um meio de analisar a “apropriação

da realidade exterior e a elaboração psicológica e social dessa realidade.”

(JODELET,2001:22). Dessa forma, além de roteiros de interpretação e compreensão da realidade, as Representações Sociais ajudam a entender aspectos das relações entre o individuo e o objeto representado.

Em suas análises do fenômeno da violência, Porto (2006) evidencia os seus pressupostos no estudo das Representações Sociais por uma perspectiva sociológica:

Estes pressupostos de caráter metodológico podem ser assim resumidos: as Representações Sociais a) embora resultado da experiência individual (...) são condicionadas pelo tipo de inserção social dos indivíduos que as produzem; b) expressam visões de mundo objetivando explicar e dar sentido aos fenômenos dos quais se ocupam, ao mesmo tempo em que, c) por sua condição de representação social, participam da constituição desses mesmos fenômenos; d) em decorrência do exposto em ‘b’, apresentam-se, em sua função prática, como máximas orientadoras de conduta; e) em decorrência do exposto em ‘c’ pode-se admitir a existência de uma conexão de sentidos (solidariedade) entre os fenômenos e suas representações sociais, que, portanto, não são nem falsas nem verdadeiras mas a matéria prima do fazer sociológico. (PORTO,2006:254)

Conforme explicitado pela autora, a relação entre experiência, inserção social e representação constitui-se um dos focos principais de sua análise sociológica das Representações Sociais. A natureza da interação social torna-se um elemento fundamental para a compreensão da formação de uma visão de mundo específica. Uma análise sociológica nesse campo, exige uma compreensão das condições de interação e as relações sociais diversas com os diversos elementos que sustentam a interpretação da realidade contida em Representações Sociais.

Aspecto importante enfatizado pela autora, diz respeito à noção de unidade entre a dimensão factual e representacional dos fenômenos sociais. Analisar as Representações Sociais como um elemento constituinte do próprio fenômeno representado evita as tentações de realizar um estudo que tente

contrapor o conteúdo das representações e a ocorrência factual dos acontecimentos. A análise das representações sociais a ser empreendida não tem como intuito buscar as distorções da representação da realidade ou as idéias equivocadas e incoerentes contidas em determinadas representações sociais. As representações sociais expressam um conteúdo de forte apelo no processo de orientação das ações dos autores que compartilham esse referencial cognitivo. As idéias, conceitos e valores que compõem as representações sociais teriam, dessa forma, um potencial de influenciar os acontecimentos, independentemente de sua coerência ou veracidade.