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Representações Sociais: perspectiva “leiga” e profissionais (saúde e social)

CAPÍTULO 1: MULHERES, POBREZA E SAÚDE

1.4. Representações Sociais: perspectiva “leiga” e profissionais (saúde e social)

A teoria das representações sociais surgiu no início dos anos 60 através de Serge Moscovici. Este autor reformulou o conceito durkheimiano de representações colectivas43 na medida em que se focalizou na importância dos contextos sociais na produção de conhecimentos e porque deu um novo enfoque metodológico às representações sociais, ao estudá-las inseridas nesses mesmos contextos. As representações sociais situam-se, do ponto de vista analítico, no domínio das teorias do senso comum (“Lay Theories”) (Furnham, 1985), e segundo a definição de Moscovici (1988 cit in Baptista et al, 1995: 13) são: “uma forma de conhecimento social (…) imagens que condensam um conjunto de significações; sistemas de referência que nos permitem interpretar o que se passa, ou seja, dar um sentido ao imprevisto; categorias que servem para classificar as circunstâncias, os fenómenos, os indivíduos com os quais nos relacionamos; teorias que permitem preceituar sobre eles”.

Quando falamos em representações sociais reportamo-nos a um sistema de conhecimento sobre objectos determinados e que tem por função apreender, avaliar e explicar a realidade. Denise Jodelet, que aprofundou a teorização proposta por Moscovici, apresenta uma definição de representações sociais, que se mantém das mais citadas: “ É uma forma de conhecimento, socialmente elaborada e partilhada, tendo um lado prático, contribuindo para a construção de uma realidade comum a um grupo social” (Jodelet, 1989: 36).

Jorge Vala (1993) designa as representações sociais como teorias sociais práticas, na medida em que não são meros reflexos da realidade, mas antes produzindo conhecimentos, são construídas na

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Este conceito diz respeito ao conjunto de mitos, crenças e ideias construídas pelos sujeitos enquanto membros de uma sociedade, e têm por finalidade exercer um poder coercivo devido ao facto de condicionar os comportamentos e relações dos sujeitos. Cfr. Cardoso, 2002.

106 interacção e na comunicação do quotidiano e contribuem para orientar práticas e constituir relações sociais e seus quadros institucionais.

As representações sociais têm subjacente a existência de sujeito e objecto, são sempre representações que alguém elabora sobre alguma coisa e representam uma síntese entre ambos, entre quem constrói (o sujeito) e o que é apreendido e representado (o objecto). Uma das características das representações sociais, bem como de todo o conhecimento gerado socialmente, é o facto de serem produzidas mediante processos que têm um carácter sóciocognitivo, em que as regulações sociais normativas são imanentes ao funcionamento cognitivo. As representações sociais surgem da confluência entre dois pólos: (i) as configurações sócio-estruturais imanentes nas posições sociais e em valores, normas e instituições de que os sujeitos são portadores; (ii) e reelaborações significativas do objecto, geradas pelos indivíduos nas interacções sociais, durante os processos comunicacionais em resultado das dinâmicas do quotidiano e das experiências vividas (Valentim, 1997).

Assim, as representações sociais assumem-se como estruturas estruturantes e como estruturas estruturadas (Spink, 1994 cit in Valentim, 1997). Enquanto produto, as representações sociais aparecem como campos estruturados e ancorados no contexto social em que são produzidos. Ou seja, os conteúdos de conhecimento da representação são indissociáveis das condições sociais em que foram produzidos, i.e, o contexto social em que nascem, circulam e se modificam. Assim compreende-se a seguinte citação: “é a análise das regulações efectuadas pelo meta-sistema social no sistema cognitivo que constitui o estudo propriamente dito das representações sociais, tanto como os seus laços com posições específicas num conjunto de relações sociais explicitadas” (Doise et al, 1992: 15 cit in Valentim, 1997: 127).

O conceito de representações sociais é, pois, utilizado para a investigação cujo interesse se centra na construção social do conhecimento social. E este processo pode acontecer de duas maneiras: por um lado, a investigação das representações sociais analisa a forma como o conhecimento “leigo” ou profissional é influenciado pelo conhecimento científico ou de uma qualquer corrente teórica; por outro, procura identificar diferentes culturas de conhecimento em diferentes grupos sociais (Flick, et al, 2002).

Segundo a literatura não existe um procedimento metodológico estandardizado para estudar as representações sociais, em parte porque se trata de uma modalidade de pensamento moldado pelo

107 conhecimento social do quotidiano. Antes pelo contrário, os estudos das representações sociais têm-se dispersado por todas as possibilidades de produção do conhecimento de um sujeito individual ou colectivo, orientando-se pela tarefa básica de explicitar elementos de sentido produzidos e mantidos em função de condições sociais específicas vividas do ponto de vista individual ou em grupo (Souza Filho, 1993 cit in Valentim, 1997; Cardoso, 2002; Flick et al, 2002).

É neste contexto teórico-analítico que procuro perceber quais as representações sociais construídas por mulheres em idade fértil, profissionais de saúde e técnicos de serviço social (Cfr. figura 1.3).

Figura 1. 3. Representações sociais: mulheres; profissionais de saúde e técnicos de serviço social

•Fecundidade; •Saúde (necessidade / formas de utilização) •Relacionamento com profissionais de saúde; técnicos de serviço social •Relacionamento com medida de apoio social RSI

•Domínios prioritários de intervenção Práticas Conhecimentos Contextos cultural / social Experiência pessoal Media R e p re se n ta çõ e s so ci a is Representações sociais

Condição social “pobre”:

•Fecundidade;

•Saúde (necessidade / formas de utilização) •Domínios prioritários de intervenção Práticas Conhecimentos Conhecimento científico Experiência profissional Media R e p re se n ta çõ e s s o ci a is Condição social “pobre” •Fecundidade; •Saúde (necessidade / formas de utilização) •Programas de Inserção Social RSI •Domínios prioritários de intervenção Práticas Conhecimentos Conhecimento científico Experiência profissional Media 1. MULHERES 2. PROFISSIONAIS DE SAÚDE 3. TÉCNICOS DE SERVIÇO SOCIAL

108 1) Como é que mulheres em idade fértil, que vivem em situação de pobreza, se relacionam com o sistema de saúde, neste caso num momento dos percursos de vida (a maternidade) entendido como “não doença”, mas que tem subjacente a necessidade de cuidados de saúde específicos. E ainda compreender como é que se efectiva a relação entre as suas representações da gravidez e da maternidade, da própria situação de “não-doença”, e da utilização dos cuidados de saúde materna. Fazendo referência à problemática desta investigação poder-se-á afirmar que a fecundidade (a gravidez e a maternidade), enquanto representação social, é construída por indivíduos que pertencem a grupos distintos, exprimindo uma síntese entre ambos.

Assim, a fecundidade (a situação de gravidez e maternidade), tal como outros objectos sociais, ao ser socialmente construída assume um determinado significado para os indivíduos que com ela se relacionam, dependendo da posição social, dos valores e práticas que caracterizam os grupos onde estão inseridos. O estudo acerca das representações da fecundidade em contextos de pobreza e as suas influências na forma como as mulheres se relacionam com os cuidados de saúde torna-se importante não só para ter elementos de compreensão da mudança social como para alimentar debates sobre as políticas voltadas para cada uma delas.

2) É também importante perceber as percepções dos profissionais de saúde sobre as mulheres oriundas de grupos sociais específicos, no sentido de compreender como se efectiva a articulação entre o que é representado por ambas as partes (mulheres e prestadores de saúde) no que diz respeitos aos cuidados de saúde necessários. Assim, espero contribuir para uma organização dos serviços de saúde mais adequada à realidade de quem os procura, e consentânea com as representações de quem os presta. Ou seja, coloco também a questão de saber como é que os profissionais de saúde percepcionam a condição social “pobre”, nas dimensões relacionadas com os comportamentos de fecundidade e os cuidados de saúde, procurando saber se estão uns (mulheres) e outros (profissionais) a construir as suas percepções sobre modelos distintos. A importância de estudar as representações sociais dos profissionais de saúde sai reforçada com estudos como os de Whitehead e Dahlgren (2007a), que afirmam que uma das maiores barreiras, incluída no acesso cultural, prende-se com a relação dos profissionais de saúde com os pacientes menos instruídos, quando falta aos prestadores de cuidados de saúde sensibilização e compreensão para as restrições quotidianas nas vidas dos pacientes que vivem com privações. Acrescentaria a

109 importância de compreender os modelos explicativos de ambos – profissionais, com o modelo bio- médico de saúde; mulheres, com que modelo?

3) Mas importa ainda compreender as percepções dos técnicos de serviço social sobre essa condição social “pobre”, sobre as dimensões relacionadas com os comportamentos de fecundidade, as formas de utilização dos cuidados de saúde e ainda o relacionamento com a medida de apoio social RSI (Baptista et al, 1995; King et al, 2008).

Existe uma vasta investigação acerca das representações sobre saúde e doença por parte das pessoas “leigas” nos assuntos relacionados com a medicina (Furnham, 1985; Herzlich, 1973; Stacey, 1988; Blaxter, 1990; Calnan, 1987).

Nomeadamente, Herzlich (1973) abordou a questão das representações sobre os significados de “ter saúde” e de “ter doença”. Quanto aos significados de “ter saúde” classificou-os em três categorias: 1) saúde no vácuo, em que a saúde é concebida como ausência de doença; 2) reserva de saúde, considerando saúde como um recurso ou um investimento em vez de um estado – é uma característica pessoal uma vez que a pessoa pode sentir que tem mais ou menos “reserva”; 3) equilíbrio, sendo algo que podemos perder ou voltar a ganhar. Enquanto a “reserva de saúde” se caracteriza por uma presença (de saúde) e a “saúde no vácuo” por uma ausência (de doença), o “equilíbrio” está sujeito às contingências do dia-a-dia.

No que diz respeito às representações leigas sobre o “ter doença” a autora (cfr. op. cit.) classificou- as também em três categorias: 1) doença como destruidora, no caso de pessoas muito activas ou envolvidas na sociedade para as quais qualquer interferência com o seu papel familiar ou profissional representa um problema importante – a doença pode limitar a capacidade pessoal para assumir as responsabilidades e a correspondente perda de posição social e isolamento; 2) doença como libertadora, quando a situação de doença liberta das responsabilidades e pressões da vida diária. Podendo até trazer benefícios e privilégios, como seja a simpatia e os cuidados dos outros, introduzindo a noção de ganho secundário; 3) doença como desafio, nesta perspectiva a doença é vista como algo com o qual devemos lutar com todos os nossos recursos, situação em que a pessoa utiliza todas as suas energias para obter melhorias. Ou seja, a pessoa concentra-se na sua recuperação, acreditando no poder da mente sobre o corpo. A verdade é que a própria autora reconhece que a maior parte das pessoas não se encaixa estritamente nas referidas categorias, mas antes apresenta características misturadas das diferentes concepções.

110 A este propósito Albuquerque e Oliveira (2006) referem que as representações sobre saúde e doença das pessoas não ligadas à medicina (“leigas”) estão relacionadas, por um lado, com significações mais latas sobre si próprias, sobre o mundo e imbuídas em sistemas culturais locais; por outro, existem diferenças entre as concepções que as pessoas fazem para os processos de saúde e doença; e ainda, que as concepções das pessoas “leigas” coexistem e competem em termos alternativos com as significações médicas ou dos profissionais de saúde.

Nos últimos anos tem-se assistido a um debate sobre a importância de estudar as percepções sobre as situações de desigualdade social e as relações com a saúde (Wilkinson, 1996; Marmot e Wilkinson, 2001 cit in Davidson et al, 2006). Bem como o reconhecimento, por parte dos responsáveis de saúde pública, da importância de conhecer e compreender as percepções das populações locais, as perspectivas “leigas”, bem como a dos profissionais (Atkinson e Farias, 1995).

Percepções sobre gravidez e maternidade.

A gravidez e o parto são considerados processos biológicos normais e eventos social e emocionalmente significativos nas vidas das mulheres e suas famílias. Actualmente, no mundo desenvolvido, a experiência do parto, apesar de sempre imprevisível (Bewley e Cockburn, 2002 cit in Fisher et al, 2006), é considerado um evento integrado nos percursos de vida associado com um risco mínimo de resultados adversos44 (Geissbuehler e Eberhard, 2002; Searle, 1996 cit in Fisher et al, 2006)45.

Existem estudos que demonstram haver uma associação entre medo e a gravidez (Zar, Wijma e Wijma, 2001 cit in Fisher et al, 2006). Nas sociedades ocidentais os medos do nascimento estão

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A gravidez, embora considerado um processo biológico normal, coloca a grávida em risco para uma série de situações que não teria de enfrentar de outro modo (hemorragia, infecção e toxémia da gravidez), podendo ainda agravar a evolução de condições crónicas preexistentes (por exemplo, doenças cardíacas e diabetes). A OMS considera mesmo a mortalidade materna como um bom indicador das condições de vida e do nível de cuidados de saúde prestados às mulheres durante a gravidez, parto e puerpério, ou seja, indicador de desigualdades de condições sociais e económicas entre populações femininas (WHO, 1998)

45 Em Portugal registou-se um declínio acentuado na mortalidade materna nas últimas três décadas, tendo a taxa de mortalidade materna decrescido de 71,6 por 100.000 nados-vivos em 1970, para 7,9 em 1998. Esta situação explica- se, por um lado, devido a uma grande melhoria (em recursos humanos e equipamentos) na assistência ao parto e, por outro lado, a evolução socioeconómica que ocorreu no país depois da revolução de 1974 (Mendonça e Calado, 2002: 155-157).

111 associados com complicações na gravidez, aumento das intervenções no parto, cesarianas, depressões pós-parto, efeitos na relação mãe-filho (Bewley e Cockburn, 2002; Johnson e Slade, 2002; Ryding Persson, Onell e Kvist, 2003 cit in Fisher et al, 2006).

A maternidade assume um papel muito significativo e contraditório na vida das mulheres em situação de pobreza. No estudo realizado por Perista (1991: 67) conclui-se que existe um elevado número médio de filhos, nem sempre desejados46, havendo dificuldades materiais para os alimentar, vestir, alojar e educar, mas cujo contributo acaba por se tornar essencial para o equilíbrio da vida familiar (por exemplo, através de trabalho remunerado ou pelo cuidado de irmãos mais novos). Estes são alguns dos factos que nos conduzem à importância de prestar especial atenção a aspectos relacionados com a gestação (e primeiros anos de vida dos filhos) de mulheres em contexto de pobreza47.

Há autores que falam mesmo dos aspectos “stressores” que podem acompanhar a gravidez, relacionando-a com a eventual perda de emprego, mau-estar físico, dificuldades em realizar determinadas tarefas físicas e necessidades económicas acrescidas. As mulheres que já têm dificuldades económicas podem ser particularmente afectadas por estes “stressores”, devido aos seus recursos económicos já debilitados, com eventuais consequências negativas adicionais (Chapman et al, 1997 cit in Patrick e Bryan, 2005).

O debate acerca do conceito de gravidez indesejada tem sido longo (cfr. Campbell e Mosher, 2000 cit in Kendall et al, 2005 – a história dos estudo da fertilidade indesejada remonta ao início dos anos 40 e o interesse maior regista-se nos anos 60, paralelo com o desenvolvimento dos novos métodos contraceptivos). Actualmente, admite-se que é inadequado estudar um processo de tomada de decisão e de intenções quanto à gravidez sem ter em conta, simultaneamente, muitas outras preocupações, como a ambivalência relativamente à contracepção e as mudanças nas dinâmicas de uma relação. Isto é, as intenções de um nascimento estão relacionadas com a

46 Eggleston, et al (2001: 808) apresenta as seguintes definições de gravidez: não desejada (“unwanted”), fora de tempo (“mistimed”) e planeada (“planned”), respectivamente: “(…) gravidez indesejada (unwanted pregnancy) - não

intencional, em mulheres que não querem mais filhos, gravidez fora de tempo (mistimed pregnancy) - não intencional,

em mulheres que desejam um filho no futuro, e gravidez planeada (planned pregnancy) - prevista".

47 Catherine Cubbin et al (2002: 238) afirmam que as consequências sociais de uma gravidez indesejada variam consoante a gravidez é fora de tempo (“mistimed”) ou inequivocamente não desejada (“unwanted”). De qualquer forma, em geral, a gravidez indesejada é um resultado de saúde importante porque reduz as possibildiade de iniciação atempada de medidas como a toma de ácido fólico ou a eliminação ou redução dos hábitos tabágicos ou toma de álcool, com implicações para o desenvolvimento fetal e/ou a saúde materna.

112 comunidade, o parceiro e os valores sobre a gravidez, mas o planeamento do nascimento está ligado aos objectivos de vida e educação (Zabin, 1999; Bachrach e Newcomer, 1999).

As normas de fertilidade são definidas cultural e socialmente, segundo um estudo desenvolvido por Geronimus nos EUA (2001, 2003 cit in Kendall et al, 2005), no caso das populações pobres / negras americanas, a norma de fertilidade prematura é uma estratégia colectiva de resposta à pobreza e à rápida deterioração da saúde das mulheres.

As decisões das mulheres acerca da gravidez é multifacetada, logo é necessário compreender a complexidade de circunstâncias e desejos subjacentes a essa decisão (Kendall et al, 2005), enquadrando-se assim a componente do nosso estudo que se debruça sobre as percepções sobre os significados atribuidos à gravidez e à maternidade pelas mulheres, oriundas de grupos socioeconómicos distintos. Sendo para tal necessário incluir dimensões como a contracepção, a maternidade e as dinâmicas relacionais.

A investigação tem mostrado que os profissionais de saúde poderão prestar melhores cuidados aos seus utentes se compreenderem as suas perspectivas acerca da gravidez e do nascimento, assim como as influências culturais nessas percepções, e a forma como estas podem afectar as decisões das mulheres para procurar cuidados de saúde pré-natal (Whiteford e Szelag, 2000). A ideia dos cuidados pré-natais como medida preventiva é uma noção do modelo biomédico de saúde Ocidental, sendo que as mulheres, as suas famílias e os prestadores de cuidados de saúde, todos pressupõem um certo controlo no processo da gestação, em que todo o foco da acção durante a gravidez e o parto é o sistema de saúde, no contexto da biomedicina. Se a mulher subscreve o modelo biomédico de saúde e entende que é possível melhorar o resultado de saúde do parto através de consultas regulares e exames durante a gravidez, esta é vista como uma estratégia prudente. Mas essa é apenas uma das crenças acerca da gravidez e cuidados pré-natais existentes na sociedade, outras culturas têm referenciais que não coincidem com este modelo bio-médico, modelando a forma como entendem a gravidez e parto (cfr. op. cit.).

Também se encontram estudos acerca das representações sociais dos profissionais de saúde sobre diferentes temáticas (Flick et al, 2002; Johnson et al, 2008;) e dos trabalhadores sociais (Baptista et al, 1995; King et al, 2008).

113 Um mesmo objecto pode ser alvo de uma pluralidade de representações, devido à pluralidade de clivagens sócio-económicas e dos quadros de referência em termos de normas e valores. Essas representações vão originar um determinado discurso sobre o real, bem como uma prática em relação ao mesmo. Segundo Baptista et al (1995), este processo é evidente em áreas como a intervenção social, sobretudo pelo facto do trabalho social ser um campo profissional em que a própria representação funciona como instrumento de trabalho. Diria que também os profissionais de saúde se enquadram na perspectiva apresentada por Martin e Royer-Rostoll (1990 cit in Baptista et al, 1995), ou seja, são profissões em que a representação social está no cerne da prática profissional, na medida em que o sujeito da relação (o outro, o cliente, o utente) é também objecto de trabalho. Sendo ainda acrescentado que o tipo de representação que o trabalhador / actor social tem da população com a qual trabalha tem como consequência diferentes comportamentos profissionais e diferentes resultados.

Bruto da Costa no prefácio do livro de Isabel Baptista e restantes autoras (1995: 7) além de nos explicar que entende por percepção da pobreza: “o modo como um dado grupo social percebe e compreende o fenómeno”, também adianta que a pertinência de estudar as percepções que os profissionais têm dos pobres assenta no facto de o “modo como a sociedade, em geral, e determinados grupos sociais, em particular, «percebem» a pobreza condiciona fortemente, facilitando ou dificultando / impedindo, a prevenção e o combate”. As próprias autoras (Baptista et al, 1995) realçam a importância de considerar a opinião da sociedade em geral, dos grupos profissionais ou ainda dos próprios pobres, para o processo de definição e compreensão da pobreza.

É possível traçar algumas características sobre as representações sociais da pobreza e do “ser pobre”. Na medida em que a pobreza é resultado de contextos sociais, políticos e económicos, é possível identificar, ao longo dos tempos, diferentes imagens do pobre e diferentes discursos sobre a pobreza (Guitton, 1991 cit in Baptista et al, 1995). No séc. XIX, com a industrialização, assiste- se à massificação da pobreza e os pobres tornam-se operários. Assim, essa época fica marcada por uma “confusão” entre pobre, operariado e “classe perigosa”, ou seja, as imagens do pobre são sobretudo depreciativas: sujo, estúpido, selvagem, vicioso, irresponsável, “irracional”. Já na segunda metade do séc. XIX, os trabalhadores pobres adquirem uma identidade como classe,

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