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2.2 DIREITO AO PLANEJAMENTO FAMILIAR E “DIREITO DA REPRODUÇÃO

2.2.3 Reprodução Humana Assistida e ética

Tendo em vista a insuficiência legislativa, são as resoluções do CFM que na atualidade norteiam os procedimentos de reprodução assistida, embasando-se nos princípios bioéticos da beneficência, não maleficência, justiça e responsabilidade (COSTA, 2016, p. 99-100). Heloisa Helena Barboza (2003, p. 55-56) ensina que princípio da beneficência se traduz na atuação médica de modo a não causar dano, maximizando os benefícios e minimizando os possíveis riscos da conduta; o princípio da não maleficência deriva da máxima da ética médica, primum

non nocere (MALUF, 2013, p. 11) e trata da obrigação de não acarretar dano intencional; já o

princípio da justiça ou responsabilidade preza pela distribuição dos riscos e dos benefícios da prática médica, não podendo uma pessoa ser tratada de modo distinto de outra, salvo havendo diferença relevante entre as duas.

Apesar das resoluções preservarem a vedação à fecundação de oócitos humanos com qualquer outra finalidade que não seja a procriação humana, e de trazerem que as técnicas de reprodução assistida não podem ser aplicadas com intenção de selecionar o sexo ou qualquer outra característica biológica do futuro filho, salvo para evitar doenças no possível descendente; conforme já apontado, dada a omissão legal, quem vai guiar a discussão das questões geradas serão os princípios bioéticos. Mesmo assim, considerando que as resoluções estão amparadas nos ideais bioéticos, do texto delas nota-se a preocupação da manipulação genética no emprego da RHA como possível difusora da eugenia, racismo ou qualquer outra seleção discriminatória.

Compreendendo de forma louvável as ameaças – apesar dos diversos benefícios provenientes da tecnologia – trazidas à humanidade por avanços científicos desamparados legalmente, Maria Helena Diniz (2014, p. 602-603) expõe que a manipulação genética envolve riscos e uma séria afronta à dignidade humana (princípio fundamental, como se vê no art. 1º, III, da CRFB/88), os quais podem levar a humanidade a percorrer um caminho sem retorno, posto que traz a possibilidade de:

a) obtenção, por meio da clonagem, da partenogênese ou da fissão gemelar de uma pessoa geneticamente idêntica a outra;

b) produção de quimeras, pela fusão de embriões, ou, ainda, de seres híbridos, mediante utilização de material genético de espécies diferentes, ou seja, de homens e de outros animais, formando, por exemplo, centauros e minotauros, tornando as ficções da mitologia grega uma realidade, pois já se conseguiu camundongo com orelhas humanas;

c) seleção de caracteres de um indivíduo por nascer, definindo-lhe o sexo, a cor

dos olhos, a contextura física, etc.;

d) a criação de banco de óvulos, sêmens, embriões ou conglomerados de tecidos

vivos destinados a servir como eventuais bancos de órgãos, geneticamente idênticos ao patrimônio celular do doador do esquema cromossômico a clonar;

e) produção de substância embrionária humana para fins de experimentação;

f) transferência de substância embrionária animal ao útero da mulher e vice-versa

para efetuar experiências;

g) implantação de embrião manipulado geneticamente no útero de uma mulher,

sem qualquer objetivo terapêutico;

h) criação de seres transgênicos, ou seja, de animais cujo DNA contenha genes

humanos, para que possam produzir hormônios ou proteínas humanas a serem utilizadas como remédio para certas moléstias;

i) introdução de informação genética animal para tornar a pessoa mais resistente

aos rigores climáticos;

j) produção e armazenamento de armas bacteriológicas etc. (grifo nosso)

Nessa vereda, manipulações genéticas sem limites poderiam acarretar desgraças imprevisíveis às futuras geranções, estimulando desvios atentatórios à dignidade humana. No que tange às técnicas de RHA, a preocupação é maior quando tratando de modalidade com fecundação extra-uterina, uma vez que os embriões são formados externamente ao corpo materno, possibilitando-se a manipulação dos mesmos – levando à consequente análise das características de cada embrião e descarte de alguns16.

Em razão disso, no Brasil é vedada qualquer modificação em material genético humano

in vitro e in vivo, salvo para tratamento de defeitos genéticos, respeitando-se princípios éticos,

e a aprovação prévia da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – como visualizado na

16 Como bem visualizado, a modalidade FIVETE (fertilização in vitro convencional) acarreta na formação de –

normalmente – vários embriões, dentre os quais só alguns serão transferidos para a cavidade uterina; o número máximo de embriões por vez que podem ser transferidos depende da idade da mulher, conforme a Res. CFM nº 2.168/17, sendo de 2 embriões para mulheres de até 35 anos, 3 embriões para mulheres entre 36 e 39 anos, e 4 embriões para mulheres com 40 anos ou mais. A fertilização in vitro pode gerar gravidez múltipla, e, sob nenhuma hipótese, dispõe a Resolução, seria possível a utilização de procedimentos que visem a redução embrionária.

Lei de Biossegurança, arts. 6º, II, e 10 (DINIZ, 2014, p. 603-604). Diante de desrespeito a tal proibição, a Lei prevê, ainda, em seu art. 25 (pela prática de engenharia genética em célula germinal humana, zigoto humano ou embrião humano), pena de reclusão de um a quatro anos, e multa. Desse modo, a engenharia genética em embriões é – ainda que superficialmente e com penalização muito branda, se levada em consideração a repercussão que a prática pode acarretar – proibida, vez que as modificações em material genético são legalmente vedadas; isso não inclui, entretanto, práticas de seleção de características dos embriões, que também estimulam segregações.

Conforme citado, a engenharia genética em embriões seria vedada; valendo-se disso, surgem outros mecanismos para distinção de embriões, como o diagnóstico genético de pré- implantação de embriões (DGPI), que, dada a manipulação com o material genético e a falha fiscalização das práticas nas clínicas de reprodução assistida, acobertam também até a própria engenharia genética. O diagnóstico pré-implantacional funciona como um mapeamento genético com intuito de identificar os genes e suas funções, como rastreio da qualidade dos embriões produzidos antes da transferência para o útero materno.

É frequentemente utilizado quando a reprodução assistida é feita com embriões gerados em famílias em que não há prévio conhecimento genético, ou em casos de mulheres com idade avançada em que o emprego da fertilização tenha implicado em falhas de implantação ou abortos contínuos (RIBEIRO, 2010, p. 135-136); contudo, a aplicabilidade do diagnóstico de pré-implantação não se limita a tais hipóteses, sobretudo em ambiente de omissão legislativa.

De fato, apesar do aludido procedimento ser efetuado precipuamente com a finalidade de transferir apenas embriões “saudáveis” à cavidade uterina – o que por si só já gera diversos embates éticos –, portas são abertas às práticas de propósitos não terapêuticos, onde a eugenia não é obstada. Cita-se como exemplo, conforme será analisado mais a frente, as práticas do ex- médico Roger Abdelmassih, o qual, valendo-se da insegurança jurídica sobre reprodução assistida existente no Brasil, ultrapassou limites éticos e atuou sob livre arbítrio.

3 O DIAGNÓSTICO PRÉ-IMPLANTACIONAL E A PROTEÇÃO JURÍDICA DE

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