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CAPÍTULO VI CONTRIBUTO PARA UMA CARACTERIZAÇÃO SOCIOECONÓMICA

6.2. Reprodução e mobilidade social

A obtenção de um diploma do ensino superior constitui nas sociedades contemporâneas uma forma de credenciação que confere vantagens tanto materiais, garantindo melhores oportunidades de acesso a algumas das posições mais bem remuneradas no mercado de trabalho – algumas das quais estão mesmo reservadas aos portadores desses títulos –, como simbólicas, atribuindo-lhes mais prestígio e estima social. O valor social dos diplomas depende em larga medida da sua escassez relativa.

Nas sociedades industriais avançadas, em que o conhecimento adquire uma relevância crescente, embora a criação de postos de trabalho qualificados (e a correlativa destruição de empregos indiferenciados) cresça a um ritmo intenso, o crescimento do número de diplomados foi ainda mais rápido, em resultado do aumento da procura social e de políticas públicas que respondem à pressão para alargamento da oferta correspondente. Assim, assiste-se a uma frustração das expectativas de

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Deve sublinhar-se que a versão da classificação portuguesa das profissões usada no questionário não permite distinguir entre sectores de atividade ao nível dos trabalhadores não qualificados.

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muitos diplomados e a uma banalização dos diplomas que engendra a sua desvalorização relativa e vem reforçar, por sua vez, a diferenciação – e a hierarquização – entre instituições e áreas de formação, induzindo ainda uma busca de qualificações superiores, a nível de pós-graduação. Esta diferenciação e esta busca exprimem-se cada vez mais no espaço internacional.

A internacionalização do ensino superior e a mobilidade estudantil resultam assim da conjugação entre duas linhas estratégicas, a das instituições e dos próprios sistemas académicos regionais ou nacionais de ensino superior no sentido de captar mais e melhores alunos e a dos próprios estudantes e a das suas famílias que alargam o horizonte da sua ação, aproveitando todas as oportunidades que se lhes apresentam à escala global num mundo altamente competitivo. A mobilidade internacional constitui portanto um dos recursos que os estudantes podem mobilizar no sentido de diferenciar e valorizar o seu percurso formativo, usando o espaço social à escala global e as oportunidades que nele se geram (no ensino superior e eventualmente também no mercado de trabalho) na prossecução dos seus objetivos de reprodução ou promoção social. De certa forma, o alargamento do horizonte geográfico da ação pode encurtar as distâncias no espaço social – no sentido que lhe emprestou Pierre Bourdieu (1980, 1989) – facultando recursos que poderão facilitar o acesso a posições sociais mais vantajosas.

Se é certo que este contexto se configura de modo diferente em sociedades onde a expansão do ensino superior foi limitada e onde existe ainda uma grande carência de diplomados, a verdade é que a questão do desemprego jovem assume proporções dramáticas, atingindo também os mais qualificados (BIT, 2012). Embora o problema seja mais aflitivo no Norte de África do que na África subsaariana, num país como Cabo Verde, em 2011, a taxa de desemprego era mais elevada entre os diplomados (16,8 %) e titulares do ensino secundário (19,4 %) do que a média nacional (12,2 %)28. Assim, não só por causa do carácter lento e tardio do desenvolvimento do ensino superior, nessas sociedades, as elites e os grupos em trajetórias ascendentes há muito integraram os percursos de mobilidade estudantil internacional nas suas estratégias de reprodução e mobilidade social. Não se trata apenas de contornar a escassez da oferta e as eventuais dificuldades de acesso no país de origem. Trata-se de explorar o valor acrescentado produzido pela qualidade e notoriedade de uma formação completada numa instituição de prestígio (ou num sistema regional ou nacional prestigiado), num cenário de crescente polarização social (BIT, 2012: 25). O crescimento do desemprego entre jovens diplomados na maior parte dos países africanos, a que se aludiu, vem reforçar essa dimensão internacional, de uma forma que é apenas aparentemente paradoxal.

Todavia, esta possibilidade não está acessível a todos, mas apenas àqueles que dispõem de recursos (próprios ou proporcionados por redes em que se integram), em termos de capital cultural, social ou económico (Bourdieu, 1989), que lhes permitem obter a informação sobre as instituições e os cursos de maior prestígio ou que asseguram melhores oportunidades, que lhes facultam o acesso a

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diferentes apoios e lhes asseguram as condições indispensáveis para a respetiva frequência, entre as quais as de carácter financeiro. Estas circunstâncias não podem deixar de condicionar a caracterização socioeconómica dos estudantes que se deslocam para prosseguir estudos superiores no estrangeiro, e em particular os estudantes da CPLP.

Embora, como antes se referiu, nem todos tomem o rumo de Portugal, são muitos os que o preferem como destino, escolha que de resto se encontra facilitada pela própria organização do tráfego aéreo e pelo funcionamento de redes familiares (Constant & Tien, 2009). Um estudo comparativo das migrações de jovens africanos qualificados para as antigas potências coloniais em 1990-2001 veio sublinhar a importância de fatores como os vínculos históricos, os «vestígios coloniais» na designação dos autores, e a língua comum na opção pelo destino da emigração. O estudo destaca o forte magnetismo de Portugal, em particular tendo em consideração o nível relativo de riqueza do país (que costuma ser um dos fatores de escolha), um magnetismo superior, em termos proporcionais, ao das demais potências coloniais, por exemplo o Reino Unido (Constant & Tien, 2009). No entanto, como também se referiu, nem todos os estudantes da CPLP em Portugal são estudantes internacionais, isto é, que vieram especialmente para frequentar o ensino superior. Muitos são imigrantes ou descendentes de imigrantes, que podem inclusivamente ter nascido em Portugal29. A própria referência às redes, que se baseiam nas relações de parentesco, de amizade e de conhecimento, e ao seu peso como fator de atração e como facilitadoras da integração social, remete para a importância das comunidades de imigrantes.

Esta dupla realidade, entre estudantes internacionais e imigrantes, solicita, como antes se referiu, uma análise comparativa no sentido de distinguir entre uns e outros e de apurar as características específicas destes dois grupos. Não sendo o único este é um dos fatores que estruturam a abordagem constante deste capítulo.