• Nenhum resultado encontrado

A partir da assinatura do Acordo TRIPS,173 os países membros da OMC passaram a ter de seguir um padrão mínimo de preceptivos legais definidores do âmbito de proteção aos direitos de propriedade intelectual em seu ordenamento jurídico interno.

Especificamente em relação aos critérios de concessão das patentes de invenção, assunto mais diretamente ligado ao escopo deste trabalho, dispõe o Acordo:

Artigo 27. 1. Nos termos do previsto nos parágrafos 2 e 3, patentes devem estar disponíveis para quaisquer invenções, sejam de produtos ou processos, em todos os campos da tecnologia, desde que sejam novas, envolvam um passo inventivo e sejam hábeis à aplicação industrial.174

(destaques nossos)

A partir do texto do tratado, portanto, os signatários adaptaram sua legislação para contemplar as três características que fazem do produto ou serviço candidato à proteção patentária, ainda que se valendo de palavras similares.175 É importante destacar que não existem “patentes internacionais”, ou seja, a proteção ao direito do inventor é limitada ao território do país onde foi requerida e concedida a patente.176

Novidade é a característica da coisa até então desconhecida, não compreendida no “estado da técnica” – “tudo aquilo tornado acessível ao público antes da data de depósito do pedido de patente, por descrição escrita ou oral, por uso ou qualquer outro meio”.177 Dada a abrangência do conceito de novidade, costuma-se afirmar que a invenção, para ser patenteável, deve comprovar a

173 Analisaremos o plano de fundo e as características do TRIPS com maior atenção no capítulo seguinte.

174“Article 27. 1. Subject to the provisions of paragraphs 2 and 3, patents shall be available for any

inventions, whether products or processes, in all fields of technology, provided that they are new, involve an inventive step and are capable of industrial application.” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO

COMÉRCIO. Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights (TRIPS). 1994) 175

O próprio Acordo TRIPS reconhece os termos “não obviedade” e “utilidade” como sinônimos de “passo inventivo” e “hábil à aplicação industrial” (nota de rodapé nº 5). No Brasil, por exemplo, encontramos, respectivamente, “novidade”, “atividade inventiva” e “aplicação industrial” (BRASIL. Lei

nº 9.279, de 14 de maio de 1996. Regula direitos e obrigações relativos à propriedade intelectual). 176 ZALFA, Viviane Mega de Andrade. Comprimidos de liberação modificada: análise dos pedidos

de patente depositados no Brasil e da utilização destes na prática do evergreening. 2008. Dissertação (Mestrado em Vigilância Sanitária) – Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde,

Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, 2008, p. 3

“novidade absoluta”178 – não pode ser conhecida por qualquer meio em qualquer lugar do mundo.

Passo inventivo, não obviedade ou atividade inventiva é a ação propriamente dita do intelecto humano, aquilo que diferencia a invenção das meras decorrências lógicas ou naturais de determinados fenômenos. Usualmente definida por exclusão, é a criação que não é evidente à luz do estado da técnica anterior para um expert no assunto.179 Segundo Correa:

Uma pessoa habilitada no estado da arte não é apenas um entendido no seu campo técnico, mas uma pessoa que deve ter algum grau de imaginação e intuição. Ele não deve apenas confiar nos documentos encontrados durante a pesquisa sobre a novidade, mas aplicar sua experiência e seu conhecimento. Um examinador como esse deve ser particularmente rigoroso quando examina o passo inventivo.180

O conceito, porém, é aberto o suficiente para criar realidades diferentes em cada país. A lei brasileira não define com precisão o que chama de atividade inventiva, limitando-se a descrevê-la como “sempre que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica”.181 Entende Zalfa que o produto ou processo não pode “resultar de um simples acaso ou ser encontrado na natureza”, razão pela qual não são patenteáveis “meras combinações de meios conhecidos ou substituições de materiais por outros que sabidamente tenham a mesma função”.182 A lei mexicana, por sua vez, considera invenção toda criação humana que permita a transformação de matéria ou energia existente na natureza para benefício do homem ou para satisfazer suas necessidades concretas, ao passo que em Taiwan é definida como uma criação de alto nível de conceitos técnicos a partir da utilização de regras naturais. Em todos esses casos, ao fim e ao cabo, o texto legal remete a criações ao invés de simples descobertas do que ainda não havia sido divulgado previamente; não obstante, há jurisdições nas quais descobertas úteis para a solução de um problema são

178 ZALFA, op. cit., p. 3 179

PÉREZ, Miriam Martínez. Las patentes sobre ‘second generation products’ utilizadas como

estrategia para dilatar la entrada de genéricos en el mercado de la Unión Europea. CUADERNOS DE

DERECHO TRANSNACIONAL, v. 6, n. 2, p. 175-200, 2014

180

“A person skilled in the art is not just an expert in his technical field but a person who should have

some degree of imagination and intuition. He should not only rely on the documents found in the novelty search, but apply his experience and his knowledge. Such an examiner should be particularly strict when examining the inventive step.” (CORREA, Carlos María. Guidelines for the examination

of pharmaceutical patents: developing a public health perspective. ICTSD, WHO, UNCTAD (2007).

Pharmaceutical Sector Inquiry. Comunidade Europeia. 2009)

181 BRASIL, op. cit. 182 Op. cit., p. 3

patenteáveis.183,184 Na prática, diferentes países adotam diferentes metodologias baseadas em indicadores verificados pelo servidor do escritório de patentes responsável pela concessão do direito, sempre lembrando que aquilo que é óbvio ou não óbvio pode variar com o passar do tempo.

Em derradeiro, a aplicação industrial ou utilidade da invenção pressupõe a possibilidade do invento ser “empregado em uma atividade econômica qualquer”.185 Não pode, porém, ser mera especulação; ela, a invenção, deve ter um uso, uma utilidade: “uma sequência de DNA para a recombinação de um fragmento de gene com uma função bem definida é uma invenção patenteável, enquanto sequência de DNA sozinha sem qualquer indicação de função ou de seus atributos úteis não o é”.186,187

Ainda que fundados em conceitos legais abertos, é certo que os requisitos da novidade e da aplicação industrial não costumam gerar grandes discussões administrativas ou judiciais na prática. Sua verificação dá margens a graus muito estreitos de subjetividade, o que não acontece com o requisito da atividade inventiva. Seja pela falta de pessoas entendidas na área da solicitação da patente, pelo elevado número de pedidos a serem examinados por um número restrito de pessoas ou pela política de desenvolvimento e inovação adotada pelo país, um baixo grau de exigência na interpretação desse conceito leva à concessão de “patentes fracas”, conceito que exploraremos com maior vagar no próximo tópico.

183 CORREA, op. cit., p. 3

184

“δa τEP [τficina Española de Patentes] aplica la prueba de ‘problema-solución’ a la hora de

evaluar el requisito de la actividad inventiva, de tal modo que éste quedará acreditado si, ante un problema que necesita ser resulto, se le da solución a través de la invención” (PÉREZ, op. cit.).

185 ZALFA, op. cit., p. 4 186

PARKER, Scott; MOONEY, Kevin. Is ‘evergreening’a cause for concern? A legal perspective.

Journal of Commercial Biotechnology, v. 13, n. 4, p. 235-243, 2007

187

“(...) in the area of biotechnology, it needs some consideration, given concerns that patent

applications claiming gene-related inventions would block the use of the claimed gene sequence for uses that were not yet known by the applicant and, therefore, would not justify the grant of a patent in respect of the function which the applicant was not even aware of.” (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA

SAÚDE; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA PROPRIEDADE INTELECTUAL; ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DO COMÉRCIO. Promoting acess to medical technologies and innovation. 2012, p. 59)