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3. RESÍDUOS SÓLIDOS E AS COOPERATIVAS NA RECICLAGEM DE

3.1 RESÍDUOS SÓLIDOS: O RESULTADO DIRETO DE UM PROCESSO

Após a discussão acerca da crise ambiental vivida pela sociedade, da necessidade da mudança do paradigma atual da humanidade, e da descrição das dimensões da sustentabilidade, insere-se como parte considerável do contexto desse debate a problemática dos resíduos sólidos, em seus mais variados tipos (desde os comuns, gerados nas residências, até aqueles mais sofisticados, produzidos no setor industrial) e que, de forma mais contundente na atual sociedade moderna, são gerados numa escala de milhões de toneladas por dia.

Isto se deve principalmente ao conjunto de interfaces da alta capacidade produtiva, aliada ao imenso poderio tecnológico e ao padrão de consumo predatório da civilização moderna, em consequência do estilo desenvolvimentista dominante (orientado pela racionalidade produtivista que estimula a maximização dos lucros em curto prazo e o consumo ilimitado) que degrada o potencial produtivo dos ecossistemas pela exploração inconsequente dos recursos da natureza (acima de sua capacidade de suporte), transformando- a em um mero instrumento, isto é, um meio para alcançar os objetivos econômicos, o que contribui para o desperdício e a intensa geração de resíduos. Para o Programa das Nações Unidas,

O consumo contribui claramente para o desenvolvimento humano quando se amplia as capacidades das pessoas sem afetar adversamente o bem-estar dos outros, quando é justo para com as gerações futuras como para a presente, quando respeita a capacidade de suporte do planeta e que incentiva o surgimento de comunidades dinâmicas e criativas. (ONU, 1998, p. 38).

Tal cenário, no tocante à satisfação das necessidades das gerações presentes e futuras, não condiz, em hipótese alguma, com a essência do conceito de desenvolvimento sustentável, pois grande parte dessas necessidades é criada pelo sistema capitalista neoliberal e impressa na mente das pessoas, para que, assim, elevem ao máximo seu padrão de consumo. Segundo Capra (2012), “as necessidades humanas são finitas, mas a ganância não. O restante é resíduo, vivemos num sistema de desperdício”; ademais, diante dos padrões prevalecentes de consumo, a equidade social e econômica sugerida pelo próprio desenvolvimento sustentável converte-se num total despropósito, pois para equipararem-se os

níveis de consumo entre países “ricos” e “pobres” seriam necessários vários planetas como o

nosso (LEFF, 2009).

Sachs (1986) em seu debate sobre o ecodesenvolvimento já mencionava que a humanidade deveria impor um nível de consumo com vistas a não extrapolar os limites ecológicos do planeta. O autor ainda afirmava que a eliminação dos desperdícios provocados pela produção ou consumo levantaria o problema quanto aos limites do incremento ao materialismo em benefício dos serviços sociais, levando a um perfil de desenvolvimento menos intensivo em recursos e menos degradante para o ambiente.

E, em virtude dos fatores citados acima, faz-se necessária a apreciação detalhada da temática dos resíduos sólidos, desde sua origem, passando pelos impactos causados e oportunidades inerentes ao modo de como geri-los (política, econômica, social e ambientalmente). Ademais, o tema caracteriza-se como uma das faces do saneamento básico e deve ser considerada uma questão de saúde pública e de cidadania, haja vista a negligência quanto ao seu gerenciamento acarretar inúmeros malefícios à qualidade de vida da população.

A geração de resíduo é, segundo Rodrigues (1998, p. 141), “tão antiga quanto o processo de ocupação da terra pelo homem” e, portanto, indissociável das atividades humanas. Nos primórdios da civilização, como, por exemplo, no paleolítico, os ocupantes das cavernas confinavam resíduos em reentrâncias das rochas.

Os resíduos gerados pelo Homem, quando este ainda possuía um comportamento predominantemente nômade, somado à coleta natural e caça (vindo a confundir-se com os demais animais), eram quase que exclusivamente excrementos, animais mortos, restos de alimentos que eram destinados à alimentação de animais, sobras de madeira que eram reaproveitadas como lenha e aparas de tecido da confecção artesanal, os quais se convertiam em colchas de retalhos. Sendo assim, eram gerados em quantidade relativamente pequena e sua composição originava-se quase que completamente da natureza, provocando impactos de

proporções não significativas (VIANA, SILVA e DINIZ, 2001; RIBEIRO e MORELLI, 2009; WALDMAN, 2010).

Posteriormente, quando o Homem se tornou sedentário, ou seja, superou as adversidades impostas pelo ambiente, fixou-se em um local determinado e passou a produzir seus alimentos, dando início à atividade agrícola (Idade Média), na qual os restos eram compostados, utilizados como ração ou para a fabricação de adubo.

Mais decisivamente durante a Revolução Industrial (século XVIII) com o desenvolvimento tecnológico que levou à produção de ferramentas de trabalho e de armamento, juntamente com o crescimento populacional e a formação de uma sociedade de consumo, o ser humano assumiu o controle (apropriou-se) dos recursos da natureza, surgindo assim os excedentes de produção em suas diferentes composições (FIGUEIREDO, 1994; CONCEIÇÃO, 2003; BRASIL e SANTOS, 2004; WALDMAN, 2010).

E, ao contrário dos ecossistemas naturais que há bilhões de anos trabalham sob a forma de processos cíclicos, nos quais os resíduos produzidos por uma determinada espécie servem de alimento para outra, numa contínua ciclagem de nutrientes, de modo que o ecossistema como um todo permaneça livre de resíduos; o Homem produz crescentes quantidades de resíduos num sistema linear (CAPRA, 1996).

Conforme discutido por Ribeiro e Morelli (2009), no que reporta à origem do

vocábulo “lixo”, este provem do radical latim lix, o qual possui como significado “cinzas” ou “lixívia”. Do latim, residuu, significa aquilo que sobra após a utilização de determinadas

substâncias. Nos dias atuais, o que vem sendo bastante divulgado pela mídia é o termo

“resíduo”, o qual é conhecido como basura nos países de língua espanhola e refuse, garbage

ou solid waste nos países de língua inglesa. No Japão, país oriental, lixo é chamado de gomi; no idioma francês é conhecido como ordures; em holandês diz-se afval; e em italiano

spazzatura.

São várias as definições existentes para o vocábulo “lixo”, no entanto, elas mostram-

se semelhantes, tendo em vista compartilharem a ideia da ausência de valor econômico, social ou ambiental de determinado objeto e de sua inutilidade para quem o gerou, como apresentado pela Organização Mundial da Saúde que define lixo como qualquer objeto indesejável para o seu proprietário e que não possui valor comercial (BRASIL, 2006).

Pela Associação Brasileira de Normas Técnicas que descreve lixo como “restos das atividades humanas, considerados pelos geradores como inúteis, indesejáveis ou descartáveis, podendo-se apresentar no estado sólido, semi-sólido ou líquido, desde que não seja passível

2004, p.1); e pelo Compromisso Empresarial para a Reciclagem que define lixo como “os restos das atividades humanas, considerados pelos geradores como inúteis, indesejáveis ou descartáveis; apresentando-se no estado sólido, semi-sólido ou semi-líquido” (COMPROMISSO EMPRESARIAL PARA A RECICLAGEM, 2010, p.24).

Equivocadamente o termo resíduo é na maioria das vezes utilizado como sinônimo de lixo, no entanto, estas são terminologias que apresentam significativas diferenças, fato que vem sendo discutido por diversos autores.

Cinquetti e Logarezzi (2006, p. 95 e 96) diferenciam “lixo” de “resíduo” apontando resíduo como “aquilo que sobra de uma atividade qualquer, natural ou cultural” e que pode ser reutilizado ou reaproveitado dependendo do seu grau de conservação; enquanto lixo consiste naquilo “que sobrou de uma atividade qualquer e é descartado sem que seus valores sociais, econômicos e ambientais potenciais sejam preservados”; enquanto que a PNRS afirma que o rejeito ou lixo são “resíduos sólidos que, depois de esgotadas todas as possibilidades de tratamento e recuperação por processos tecnológicos disponíveis e economicamente viáveis, não apresentem outra possibilidade que não a disposição final ambientalmente adequada” (BRASIL, 2010, p. 02).

Mais especificamente para os resíduos sólidos, existem diversas outras formas de conceituação. Monteiro (2001, p.34) apresenta a seguinte definição “todo material sólido ou semi-sólido indesejável e que necessita ser removido por ter sido considerado inútil por quem o descarta, em qualquer recipiente destinado a este ato”.

Contudo, de maneira geral, os conceitos mais conhecidos e largamente utilizados hodiernamente no Brasil para caracterizar resíduos sólidos são o estabelecido pela NBR 10.004/2004, elaborada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas, a qual apresenta os

resíduos sólidos como “aqueles nos estados sólido e semi-sólido, que resultam de atividades de origem industrial, doméstica, hospitalar, comercial, agrícola, de serviços e de varrição”

(ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS, 2004, p.3); e o exposto pela Política Nacional de Resíduos Sólidos (2010), considerada a mais completa das definições, e por isso foi o adotado pelo presente estudo,

Material, substância, objeto ou bem descartado resultante de atividades humanas em sociedade, a cuja destinação final se procede, se propõe proceder ou se está obrigado a proceder, nos estados sólido ou semi-sólido, bem como gases contidos em recipientes e líquidos cujas particularidades tornem inviável o seu lançamento na rede pública de esgotos ou em corpos d’água, ou exijam para isso soluções técnica ou economicamente inviáveis em face da melhor tecnologia disponível. (BRASIL, 2010, p. 2).

Assim, a despeito da indissociabilidade entre a trajetória humana e a geração de resíduos, bem como dos prejuízos ao meio ambiente (no sentido ecológico mais restrito) advindos de uma produção imprudente; a problemática dos resíduos sólidos urbanos tornou-se pública e notória, passando a se transformar em um grande transtorno para a sociedade moderna apenas quando se percebeu que sua infinita geração, aliados ao acúmulo e destinação inadequada começaram a causar uma série de impactos negativos de forma direta sobre a qualidade de vida da população, seja em termos de saúde pública a exemplo do aumento da incidência de doenças, devido à proliferação de vetores; seja pelo incremento aos gastos públicos direcionados à coleta, transporte e tratamento dos resíduos; ou ainda, pelos aspectos socioambientais como trabalho sub-humano nos “lixões” e a contaminação dos mananciais e do solo.

Dessa forma, as supracitadas consequências dessa produção de resíduos sólidos que, durante todo o século XX, assistimos com muita propriedade vêm a denotar o estágio avançado de falência do projeto de modernidade da sociedade, que, para Santos (1995), se tornou incapaz de cumprir suas promessas de progresso e de desenvolvimento as quais se propunha.