• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 3: PERSPECTIVAS DA ARQUITETURA VISIONÁRIA

3.3. Resgate da teoria: aproximações entre arquitetura e política

Os arquitetos americanos da nova geração que defenderam uma postura realista, anti-teórica e estritamente projetiva não são unânimes em suas opiniões e também são alvo de ataques de outros autores, principalmente europeus, que ainda acreditam em uma arquitetura baseada na crítica. Segundo Graafland (2006), o discurso “pós-crítico” assume a existência daquilo que denuncia, como o próprio capitalismo global, e ao invés de combatê-lo, se retrai para viver sob o seu regimento. “Um discurso que foca apenas em questões organizacionais, e se refere às arquiteturas críticas como casos perdidos, é de fato uma manobra pós-moderna e pós-política apressada, que precisa ser corrigida.” (GRAAFLAND, 2013[2006], p.311)

Não é possível abstrair o contexto político, econômico de um espaço, e muito menos ignorá-lo como sugere Michael Speaks (2002), pois a rede que determina um espaço é constituída politicamente. Fredric Jameson (2005), teórico marxista, abre seu livro Archeologies of the future com a frase: “A utopia sempre

tem sido uma questão política.” Pois bem, a arquitetura projetiva não deve ser considerada o principal enfoque da disciplina, uma vez que se atém aos elementos exclusivos da arquitetura e se afasta da transdisiciplinarida e da consciência política e socioeconômica, além de possibilitar o perigo de uma ditadura da estética, da tecnologia e do avanço cego da economia global.

Reinhold Martin, professor na Universidade Columbia, indaga que é possível então que a polêmica pós-crítica seja um esforço para enterrar definitivamente a política utópica dos anos sessenta, no mesmo momento em que há uma inclinação conservadora na política norte-americana das últimas décadas – coincidentemente o mesmo local onde se encontra concentrado o discurso da arquitetura projetiva. “(...) Um chamamento à ordem que deseja acabar de vez com o fantasma da política radical, convertendo a crítica política em crítica estética, e em seguida esvaziando até isso de qualquer força dialética que possa ter sido inadvertidamente conservada?” (MARTIN, 2013[2005], p.267)

Pois é diante desse contexto que o reconhecimento da política e economia atuais requer a rejeição do status quo com urgência, pois não há outra maneira de corrigir suas falhas, ou ao menos resistir a elas, isoladamente do sistema político, o que seria uma forma pacífica de positivismo. Martin (2005) aponta que a arquitetura hoje é tão impotente e culturalmente marginalizada, que qualquer crítica realizada pela disciplina soa vazia.

Por isso, apesar das duras críticas realizadas pelos novos arquitetos americanos, o pensamento acadêmico europeu continua apostando na prática de uma arquitetura crítica e que, além disso, seja uma maneira de resistir – como a contra conduta de Foucault – às arbitrariedades políticas e econômicas hegemônicas. Segundo a visão de Michael Hays (2005), a arquitetura crítica seria aquela que a um só tempo fosse resistente às operações confirmadoras e conciliatórias da cultura dominante, assim como impossível de ser reduzida a uma estrutura formal completamente desligada das contingências do lugar e do tempo.

Para diversos autores e intelectuais da área, os projetos visionários deveriam ser reconsiderados, mas não na configuração das utopias que conhecemos em

outros séculos e até mesmo nos anos sessenta: ilhas flutuantes impossíveis evocando um mundo perfeito. Nesse sentido deve haver uma revisão da questão pela busca incessante pelo ideal, dado que a utopia supostamente não se compromete com o problema porque se afasta, é reativa e não proativa.

Tal estranhamento da retração não foi pensado anteriormente como uma deficiência da disciplina ou algo que devesse ser superado, e sim como uma posição interna da arquiteturas visionárias. Não se trata mais de uma utopia revistada, espaços inconstruídos que se afastam da realidade para criar mundos paralelos sem posicionamento político. É necessário um novo tipo de arquitetura imaginária contextualizada e produtiva, da utopia que Derrida chamava de espectro, “um fantasma que introduz outros mundos possíveis na realidade cotidiana, em vez de algum sonho de outro mundo”. (MARTIN, 2013[2005], p.276).

Também é necessário renovar o empirismo e aproximar mais dos fatos. Assim, a crítica não seria negativa, infrutífera. Martin (2005) sugere para essa nova fase a denominação “arquitetura reflexiva”, uma vez que o termo “utopia”, além de desgastado, só pode ser aplicado na teoria e não na arquitetura prática, ou cotidiana. Para esse desgaste, Jameson também apresenta uma proposta.

Talvez algo semelhante possa ser proposto aos companheiros de viagem da própria utopia: de fato, para aqueles muito cauteloso com os motivos de suas críticas, mas não menos conscientes das ambiguidades estruturais da utopia, aqueles conscientes da função política muito real da idéia e do programa da utopia em nosso tempo, o slogan do anti-anti-utopismo pode muito bem oferecer a melhor estratégia. (JAMESON, 2005, p.16)

Autores como o próprio Martin (2005) sugerem uma outra solução imprevista: não escolher um lado diante desse duelo ideológico, mas reestruturar toda a lógica que foi construída até então por meio do realismo utópico. Nessa terceira opção, a arquitetura visionária seria um instrumento para buscar perspectivas

alternativas para a realidade. Considerando que a arquitetura estaria sofrendo um processo de ruptura pelo qual as artes visuais já passaram, de rompimento com a mimese e com os valores do realismo, e considerando ainda que é um erro presumir que a realidade seja inteiramente real, isto é, preexistente, fixa e isenta da imaginação crítica, a ficção e especulação devem ser utilizadas para intervir no futuro de maneira sistemática, como anseiam muitos arquitetos. “O realismo utópico é crítico, é real. É um estilo sem forma. Não é utópico por ter sonhos impossíveis mas porque considera que a realidade é um sonho demasiadamente real inculcado por aqueles que preferem aceitar um status quo destrutivo e opressor.” (MARTIN, 2013[2005], p.274)