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A modernidade trouxe inúmeras transformações ao mundo do trabalho que são resultado da globalização da economia e de políticas neoliberais. Esses resultados trazem benefícios, mas também alguns prejuízos, como: desemprego, multiplicidade de relações trabalhistas, formas precárias de contrato, redução de benefícios conquistados pelos trabalhadores, podendo engendrar processos de exclusão, destruição e violência (AGUIAR, 2008).

No início do século XXI, evidencia-se a realidade do trabalho na maioria das organizações com intensas pressões por resultados, associados à concorrência, ao desemprego e à intensificação das mudanças tecnológicas. Essas cobranças, que visam principalmente à resolução de problemas e à produtividade, vêm dificultando a percepção, a reflexão e o bem- estar coletivo relacionado ao mundo do trabalho (ZANELLI, 2010). As organizações tentam responder e se adaptar a mercados competitivos globais, bem como mudanças relacionadas ao ambiente social, tecnológico e climático. Em contrapartida, os níveis de estresse pessoal e as cargas de trabalho aumentam (Mc EWEN, 2011).

As formas como essas cobranças e pressões vêm sendo utilizadas para o aumento da produtividade e competitividade podem ter consequências sérias para a saúde física e psíquica do trabalhador. De acordo com Dejours (1999), o reflexo desses efeitos tem sua expressão mais pelo aumento das alterações psíquicas e psicossomáticas do que pelas manifestações avaliadas na saúde ocupacional, como situações decorrentes do comportamento e estilo de vida, de riscos e acidentes, numa relação causa/efeito.

O processo de mudanças no trabalho com vistas à produtividade pode proporcionar diferentes momentos de tensão e desgaste entre os trabalhadores. Assim, reconhecer, prevenir ou controlar o estresse relacionado ao trabalho é fundamental para manter a saúde dos trabalhadores.

No que se refere ao trabalho contemporâneo, é preciso pensar que talvez as características da Modernidade, das incertezas, da flexibilização, das relações instáveis, as questões referentes a tempo trabalho e tempo livre, discutidas anteriormente, não permitam que o trabalhador usufrua de sua criatividade e inventividade no ambiente laboral. Dessa forma, sabe-se que, quando a criatividade do trabalhador é castrada no processo de trabalho, isso o torna um mero reprodutor de um modelo de trabalho, e pode acarretar em danos psíquicos.

Nesse sentido, Dejours (2007, p.24) nos remete à reflexão de que “o trabalho torna-se perigoso para o aparelho psíquico quando ele se opõe à sua livre atividade”. No contexto de mudanças e rearranjos no mundo globalizado, valorizam-se os indivíduos que têm facilidade de adaptação, de modificação e de flexibilização (RIBEIRO et al., 2011).

O trabalho é uma esfera importante da vida dos sujeitos, a qual pode influenciar no processo saúde/doença dos mesmos. Essa dinâmica contemporânea faz com que o estresse profissional e até mesmo o assédio se tornem situações cotidianas (ENRIQUÉZ, 2014). Segundo Ronchi (2015), atualmente, a linha que separa a vida pessoal da profissional é muito tênue, quase inexistente, e esse envolvimento com o trabalho pode se dar durante as 24 horas do dia.

Conforme já discutido anteriormente, o tempo de trabalho e o tempo livre são processos cada vez mais mesclados, o que dificulta ao trabalhador organizar sua vida em tempos com objetivos diferentes. Nesse contexto, ressalta-se a questão de gênero, a qual tem implicação para as mulheres no que se refere ao misto entre as demandas domésticas, as laborais e o tempo livre. Além disso, o trabalho e a vida de forma geral não são processos lineares, contam com a imprevisibilidade, com momentos de tensão e pressão, ou seja, as adversidades são inerentes a esses contextos. Assim, a maneira como são enfrentadas essas

situações adversas pode acabar por interferir na totalidade da vida do indivíduo, incluindo a situação de saúde física e mental.

Compreender a relação humana entre homem e trabalho requer o entendimento dos sentidos e significados conferidos a ele. Da mesma forma, necessita a compreensão dos processos de saúde/doença das pessoas que o exercem, e perceber que muitas pessoas, apesar das pressões, tensões, não adoecem ou sofrem (JOB, 2003). A este processo pode-se denominar de resiliência no contexto organizacional (JOB, 2003).

A resiliência pode ser considerada como a manutenção de um processo normal de desenvolvimento, mesmo em condições não favoráveis, sendo complexo, ativo e organizado (RONCHI, 2015). A possibilidade de o indivíduo interagir com o ambiente pode revelar sua capacidade de dar significado às situações vividas, elaborá-las, e superá-las (RONCHI, 2015).

De acordo com Ronchi (2015, p. 92-93):

a resiliência pode ser considerada uma capacidade que o indivíduo deve aprimorar para enfrentar os efeitos nocivos da adversidade, visto que diariamente vive situações de risco. Esses riscos estão associados às pressões ambientais que comumente os atores sofrem na busca dos objetivos pessoais e organizacionais. Mesmo comumente expostos a riscos, alguns indivíduos conseguem superar as adversidades encontradas e se reconstruírem, enquanto outros não conseguem obter o mesmo efeito.

Ao refletir sobre as características que as organizações exigem dos trabalhadores, Ronchi (2015) destaca a capacidade de planejamento, qualidade e facilidade nas relações, resolução de problemas, enfrentamento de desafios, capacidade de reverter situações de estresse, tendência a exigir coeficiente intelectual cada vez maior, entre outras. Essas características vão ao encontro de características que compõem comportamentos resilientes.

Para Barlach, Limongi-França e Malvezzi (2008), após o período industrial as exigências são de um indivíduo com a capacidade de prever as necessidades relativas ao seu trabalho. Além disso, para manutenção das organizações, devido à alta competitividade, solicitam-se pessoas criativas, capazes de criar soluções novas para as situações cotidianas e para sua inserção no mundo corporativo.

Conforme Ronchi (2015), em um ambiente em constante transformação, como o do trabalho, os indivíduos devem estar preparados para os movimentos que o momento exige. Ter comportamentos resilientes é uma das qualidades esperadas do trabalhador, a fim de que o mesmo possa manter-se equilibrado diante das pressões e tensões advindas do cotidiano laboral.

No que se refere à resiliência nas organizações, ressalta-se que a flexibilidade como característica da resiliência é uma competência desejada pelas formas de trabalho nas organizações atuais. Assim, designam como resiliência, no contexto organizacional, a presença ou construção de elementos de adaptação, a fim de preservar uma relação saudável entre o indivíduo e seu trabalho (BARLACH; LIMONGI-FRANÇA; MALVEZZI, 2008).

Figura 2 - Relações entre as exigências do trabalho na modernidade e possíveis repercussões no trabalhador

Fonte: Autora, 2018.

Conforme a Figura 2 na contemporaneidade existem exigências no trabalho referentes as relações interpessoais, a busca por solução/ resolução de problemas, o sentimento de desafio quando surgem situações adversas, o potencial transformador, a estabilidade emocional, a capacidade de planejar e potencial intelectual. Nesse sentido, essas características dependem da relação estabelecida entre o sujeito e seu trabalho, assim como o significado que é atribuído ao trabalho e as formas de enfrentamento das adversidades neste ambiente. Essas relações quando estabelecidas de forma positiva podem favorecer o bem estar e a saúde do indivíduo. De modo contrário, poderão contribuir para o sofrimento ou adoecimento do trabalhador.

Nesse sentido, observar a dinâmica da resiliência nas organizações “é considerar a capacidade de superar adversidades, crises, empreender em situações de difíceis soluções, resultados positivos” (RONCHI, 2015, p. 93). Para isso, são necessárias algumas competências como autogerenciamento, reavaliação cognitiva para aumento da resiliência, utilização de recursos diferenciados para o enfrentamento de situações, construção de soluções criativas, enfrentamento das tensões, pressões e rupturas que ocorrem nesse

ambiente. Além disso, também seriam importantes para a resiliência na vida laboral competências para lidar com as mudanças, gerenciar o ambiente de trabalho, esforço para ajustamento da relação com o trabalho, e a compreensão dos riscos (RONCHI, 2015, p. 93).

Assim sendo, percebe-se que a resiliência não é estável, é resultado da interação do sujeito com o ambiente (RONCHI, 2015). Ou seja, além das características individuais, encontra-se o contexto ambiental. No que se refere ao ambiente laboral no mundo contemporâneo, é necessário inserir, além das características inerentes à Modernidade, as tecnologias. Elas modificam cada vez mais esse cenário, e consequentemente exigem adaptações do trabalhador.

A resiliência, então, possibilita ao indivíduo estar mais bem preparado para as mudanças e suas implicações, da mesma forma, favorece a compreensão das transformações ao seu redor mais rapidamente (RONCHI, 2015). Assim, é possível perceber a resiliência como fundamental no ambiente laboral, visto que é por meio dela que o trabalhador poderá superar as adversidades e crescer com elas.

Figura 3 - Mapa conceitual sobre resiliência no trabalho

Fonte: Autora, 2018.

No que se refere a resiliência no trabalho (Figura 3), esta requer do trabalhador alguns aspectos como: criatividade e inovação, esperança, autenticidade, auto-estima elevada,

autoeficácia para a resolução de problemas, pensamento crítico, autonomia, capacidade de interação com o meio, ser pró - ativo, lidar com a imprevisibilidade, gerenciar o estresse e o apoio de familiares e/ ou amigos. Nesse contexto, poderia se dizer que estas características podem favorecer ao equilíbrio do trabalhador diante das situações problema, a fim de que este possa responder de forma positiva as adversidades.

A capacidade de lidar com as adversidades pode ser desenvolvida, mas para isso é necessário um engajamento do trabalhador e das lideranças envolvidas. Promover resiliência é possibilitar aos sujeitos enfrentarem as adversidades e obterem respostas mais ajustadas, com menor risco de adoecimento, ou seja, promover a resiliência possibilita promover saúde nos ambientes laborais.

Estudo indica que os espaços de trabalho que possibilitam a autenticidade pessoal podem auxiliar na promoção da resiliência (McEWEN, 2012). Também evidencia que, nos indivíduos capazes de trabalhar de forma consistente com seus valores pessoais, e que tenham a crença de que o trabalho lhes proporciona significado e propósito para além das tarefas cotidianas, há maior empenho em persistir apesar das dificuldades (McEWEN,2012). Para isso, no entanto, há a necessidade de as organizações também estarem preparadas e com o desejo de articular espaço que permita estas expressões de autenticidade, possibilitando o compartilhamento de ideias e valores para a tomada de decisões. Assim, será possível favorecer a resiliência em seus trabalhadores.

Da mesma forma, as virtudes e habilidades, conhecimentos e personalidade devem ser reconhecidos e utilizados no trabalho, o que pode torná-lo mais gratificante e menos estressante (McEWEN, 2012). Assim, potencializar ou encontrar oportunidades de aplicar os pontos fortes individuais no trabalho pode favorecer o crescimento, desenvolvimento e a satisfação. Consequentemente, contribuir para o desenvolvimento da resiliência no trabalho. Além disso, McEwen (2012) refere que as organizações muitas vezes acabam enfatizando as necessidades de desenvolvimento de habilidades dos trabalhadores, não valorizando as potencialidades já existentes, no entanto, este cenário está se modificando.

A avaliação da resiliência no trabalho é uma importante forma de autoconhecimento para os trabalhadores, bem como subsídios para as organizações. Um instrumento elaborado por autores australianos, com essa finalidade, é a Resilience at Work Scale (WINWOOD; COLON; McEWEN, 2013). Ela será descrita, a seguir.