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Seguindo a linha de raciocínio da Resolução nº 1.805/2006, em 2012 o Conselho Federal de Medicina editou a Resolução nº 1.995/2012, a qual passou a dispor sobre as

diretivas antecipadas de vontade:110

Art. 1º Definir diretivas antecipadas de vontade como o conjunto de desejos, prévia e expressamente manifestados pelo paciente, sobre cuidados e tratamentos que quer, ou não, receber no momento em que estiver incapacitado de expressar, livre e autonomamente, sua vontade.

Art. 2º Nas decisões sobre cuidados e tratamentos de pacientes que se encontram incapazes de comunicar-se, ou de expressar de maneira livre e independente suas vontades, o médico levará em consideração suas diretivas antecipadas de vontade. § 1º Caso o paciente tenha designado um representante para tal fim, suas informações serão levadas em consideração pelo médico.

§ 2º O médico deixará de levar em consideração as diretivas antecipadas de vontade do paciente ou representante que, em sua análise, estiverem em desacordo com os preceitos ditados pelo Código de Ética Médica.

§ 3º As diretivas antecipadas do paciente prevalecerão sobre qualquer outro parecer não médico, inclusive sobre os desejos dos familiares.

§ 4º O médico registrará, no prontuário, as diretivas antecipadas de vontade que lhes foram diretamente comunicadas pelo paciente.

§ 5º Não sendo conhecidas as diretivas antecipadas de vontade do paciente, nem havendo representante designado, familiares disponíveis ou falta de consenso entre estes, o médico recorrerá ao Comitê de Bioética da instituição, caso exista, ou, na falta deste, à Comissão de Ética Médica do hospital ou ao Conselho Regional e Federal de Medicina para fundamentar sua decisão sobre conflitos éticos, quando entender esta

medida necessária e conveniente.

Art. 3º Esta resolução entra em vigor na data de sua publicação.

Tartuce ensina que “pela nova norma, a vontade do paciente deve prevalecer sobre a

dos seus representantes, o que representa uma notável valorização da autonomia privada”.111

110 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução nº 1995 de 09 de agosto de 2012. Disponível em <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2012/1995_2012.pdf>. Acesso em 10 de novembro de 2018.

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Acerca da Resolução nº 1.995/2012, Dadalto afirma que “esta Resolução não legalizou as DAV no país, vez que não possui força de lei, vez que o CFM não tem competência para legislar”.112

Entretanto, essa norma representa um marco no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que representa um embrião do tema em meio as normas brasileiras.

Porém, o Ministério Público Federal promoveu Ação Civil Pública com pedido de antecipação de tutela em face do Conselho Federal de Medicina com objetivo de que a Resolução CFM nº 1.995 de 09 de agosto de 2012 fosse declarada inconstitucional e ilegal.

Para o Ministério Público, o Conselho Federal de Medicina editou a resolução sobre oo “pretexto de normatizar a atuação deprofissionais da medicina frente à terminalidade da vidade seuspacientes”, além do mais, “extravasa os limites do poder regulamentar,impõe riscosà segurança jurídica,alija a família de decisões que lhe são dedireito e estabelece instrumento inidôneo para o registro de ‘diretivas antecipadas de pacientes’”.

Apesar da tutela antecipada ter sido concedida suspendendo os efeitos da Resolução, o Juiz ao final entendeu que a referida Resolução não previu nenhuma forma especial para manifestação de vontade, apenas determinou que a vontade no prontuário fosse registrada.

111 Flavio Tartuce. Direito civil: direito das sucessões. 11. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2018, p 428.

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CONCLUSÃO

A utilização da nomenclatura testamento vital não é a mais adequada, uma vez que Testamento Civil trata principalmente de questões patrimoniais e produz efeito post mortem, enquanto que o Testamento Vital, cuida da manifestação antecipada de vontade do paciente frente à submissão ou não dos tratamentos médicos futuros, gerando efeitos ainda em vida.

O conteúdo do testamento vital tem como objetivo a proteção da dignidade do paciente em estágio terminal, bem como da autonomia privada, dentro da ideia do termobeneficência (não maleficência), tendo como fundamento legal o artigo 15 do Código Civil.

Assim, o artigo 15 do Código Civil preceitua que “ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.

Nesse sentido, percebe-se que o testamento vital é apenas um instrumento utilizado para garantir que seja evitado a submissão constrangedora do paciente a tratamentos médicosirrelevantes, ou seja, sem importância, o que apenas prolongaria a vida de forma dolorosa do paciente em terminalidade de vida.

As diretivas antecipadas de vontade rompem na esteira da concretização do consentimento informado, pois é deste que decorre a liberdade do querer, do agir independentemente.

Nesse sentido, observa-se que a capacidade do agente se relaciona diretamente com a sua declaração de vontade, com a manifestação do consentimento informado e com a pessoalidade do paciente.

A ausência de norma jurídica que trate de forma específica do testamento vital como diretiva antecipada de vontade não invalida a utilização de tal instituto em nosso ordenamento jurídico, uma vez que os princípios constitucionais são fundamentos suficientes para tornar possível a utilização do testamento vital como forma de dispor se o paciente, aceita ou não, a se submeter aos tratamentos médicos no estágio terminal de uma doença.

Entretanto, as disposições que versem acerca da aceitação ou da recusa a tais tratamentos serão possíveis se forem relacionados aos tratamentos fúteis, ou seja, não se trata de cuidados paliativos e sim àqueles que não trarão benefícios ao paciente.

Dessa forma, verifica-se que há possibilidade a adição do testamento vital como diretiva antecipada de vontade no ordenamento jurídico brasileiro, bem como a sua utilização mesmo com a ausência de norma específica.

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