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Responsabilidade civil do magistrado

No documento Responsabilidade Civil do Estado (páginas 65-67)

NOTA IMPORTANTE:

5. Responsabilidade objectiva/subjectiva?

5.2. Responsabilidade civil do magistrado

A imputação da responsabilidade pessoal dos magistrados, nos termos do artigo 14º, depende do juízo de reprovação que a conduta suscita, isto é, do pressuposto da culpa, na modalidade de dolo9 ou de culpa grave10.

A este respeito de imediato deve questionar-se se, em rigor, é compatível o erro em que incorra o juiz, com o dolo, já que é duvidoso que ambas as realidades sejam compatíveis.

Será de conceber que o magistrado preveja o erro, admita o erro e ainda assim aceite esse erro, sem o corrigir, sanar ou minorar os seus efeitos?

Entendemos não ser curial a conjugação do erro judiciário com o dolo, não só em termos técnico-jurídicos, como decorrente da própria praxis judiciária.

Não é de conceder a assumpção a priori do erro, para que se possa falar de dolo e o seu reconhecimento a posteriori decorre, em regra, da revogação da decisão.

Afim de compreender o âmbito material da responsabilidade dos magistrados, questiona-se se os mesmos são apenas responsáveis pelos danos causados por erro judiciário, nos termos do artigo 13º ou se a sua responsabilidade abrange os actos praticados no âmbito do artigo 12º.

Não apontando o RRCEE para qualquer limitação da responsabilidade dos magistrados, é de optar pela maior amplitude material do artigo 14º, em relação ao artigo 13º, por nele se englobar, quer a responsabilidade por erro judiciário, prevista no artigo 13º, quer a responsabilidade pelo serviço de justiça, prevista no artigo 12º, não se reportando exclusivamente às situações de erro judiciário mas, em geral, a toda a responsabilidade dos magistrados.

Tendo presente a especificidade da graduação da culpa e os pressupostos materiais do erro judiciário, isto é, que exista um erro manifesto ou grosseiro, resulta que o legislador assenta a constituição do dever de indemnizar por erro judiciário, pelo menos, na culpa grave, só concedendo a actuação com culpa leve nos termos do artigo 12º.

9 ALBERTO DOS REIS, considerava existir dolo quando o juiz exerce mal a sua função, não por ignorância,

imperícia ou negligência, mas intencionalmente, isto é, com o propósito firme e deliberado de prejudicar a parte. No dolo cabem os casos em que o agente quis realizar o facto ilícito, prefigurando determinado efeito da sua conduta e os casos em que não querendo o facto ilícito, o previu como consequência necessária da sua conduta (V. MELO FRANCO e O., obra cit., p. 363-364).

10 Há culpa quando o magistrado podia e devia ter evitado o erro; há culpa grave quando a decisão é de todo

desrazoável, evidenciando um desconhecimento do direito ou uma falta de cuidado ao percorrer o iter decisório.

Sendo a culpa, na modalidade de dolo ou culpa grave, o fundamento da responsabilidade dos magistrados, ela constitui o pressuposto para o exercício do direito de regresso, em acção a intentar pelo Estado.

Assim, assegurando o Estado, externamente, a obrigação de indemnizar, passa a poder agir judicialmente contra o magistrado, numa relação que se estabelece unicamente entre o Estado e o juiz, fora do quadro da solidariedade que vale na função administrativa.

Tal regra tem o significado de o magistrado não responder directamente11, não podendo

ser directamente demandado, para além de manter o princípio da irresponsabilidade, nos termos constitucionalmente previstos no artigo 216º, nº 2, corolário da sua independência.

É de questionar se o Estado, na acção de responsabilidade, pode requerer a intervenção

acessória provocada passiva do magistrado, com isto trazendo-o a juízo e associando-o ao caso

julgado que no âmbito dessa acção se forme12.

À questão da intervenção acessória é de responder negativamente, já que chamando-se o magistrado a juízo, embora na qualidade de parte acessória, tal traduzir-se-ia no poder de demandar o magistrado na mesma acção em que o lesado é parte, expondo-o à luta processual, numa subversão do regime constitucional e legal delineado pelo legislador.

Outra questão que se suscita a propósito do artigo 14º, é a da sua compatibilização com o artigo 6º, no sentido de saber se existe o dever de regresso.

Inserindo-se o artigo 6º nas “Disposições Gerais”, aplicáveis ao regime de responsabilidade de todas as funções do Estado, parece decorrer que existe um verdadeiro

dever de regresso, à semelhança do regime da responsabilidade pelo exercício da função

administrativa.

Contudo, não é essa a melhor interpretação, já que, reconhecendo-se a atribuição aos Conselhos Superiores da competência para o exercício do direito de regresso, em relação à

natureza dessa competência/poder, é de recusar o seu exercício vinculado, que retire margem

de apreciação, antes concedendo discricionariedade13 nessa decisão.

11 Cfr. os artigos 5º, nº 3 do EMJ e 77º do EMP.

12 Não é de conceder a intervenção principal provocada por, nos termos do artigo 14º, o juiz não poder ser

directamente demandado pelo lesado, não podendo responder a título principal na acção de

responsabilidade.

13 C. AMADO GOMES, refere ser uma decisão sujeita “a um princípio de oportunidade”, mas em face das

circunstâncias do caso, pela gravidade ou repercussões do erro, admitimos a redução da discricionariedade. Discordamos de GUILHERME FONSECA, obra cit., p. 56-57, quando defende a aplicação do artigo 6º, “em obediência ao princípio da igualdade”, pois juízes e agentes administrativos não se encontram em plano

Caberá a cada um dos Conselhos Superiores – CSM, CSTAF e CSMP –, em face do caso concreto, isto é, tendo em conta a gravidade do erro cometido, decidir se exerce o direito de regresso, sem que se conceda, ao arrepio da letra da lei, a possibilidade de intervenção do Ministro da Justiça.

O artigo 14º, nº 2 prevê a iniciativa do Ministro da Justiça na decisão de exercer o direito de regresso contra o magistrado, mas é de questionar a constitucionalidade do preceito nesta parte, considerando o artigo 2º da Constituição, nos termos do qual a República Portuguesa é um Estado de Direito democrático, baseado, inter alia, na separação e interdependência de poderes (artigo 111º) e o artigo 203º, que consagra o princípio da independência e autonomia do poder judicial face ao Governo, não cabendo ao poder executivo qualquer função de controlo do poder judicial.

Mostra-se ainda incompreensível tal solução considerando que o artigo 217º da Constituição reserva a competência para a prática dos actos de nomeação, colocação, transferência, promoção e exercício da acção disciplinar aos respectivos Conselhos Superiores, não se vislumbrando razão que determine, em relação ao direito de regresso, uma alteração no quadro legal de competências.

É de recusar a interferência de um membro do Governo, seja na actuação funcional, seja no accionamento da responsabilidade civil dos magistrados, por desconformidade com a ordem constitucional vigente, atentos os princípios da separação de poderes e da hierarquia entre os actos normativos.

O regime do RRCEE é omisso quanto à medida do direito de regresso, valendo o princípio segundo o qual o magistrado responde na medida da sua culpa.

Seguindo a solução de outros sistemas de direito, de jure condendo deveria ser previsto um limite que atenda ao rendimento anual do magistrado, o que aliás já foi defendido por alguma doutrina a propósito da responsabilidade pelo exercício da função administrativa.

No documento Responsabilidade Civil do Estado (páginas 65-67)

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