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1 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO ORDENAMENTO JURÍDICO

1.7. Responsabilidade Civil Objetiva

A doutrina tende a ligar o surgimento da responsabilidade civil objetiva, àquela que prescinde de culpa, com complexidade da vida moderna que, aos poucos, tornou ineficaz o uso exclusivo da tradicional teoria da culpa para reparar novos danos que

surgiram e ainda surgem. Exige-se, pois, tão apenas a comprovação de dano e o nexo causal com a conduta do agente.

Caio Mário da Silva Pereira já assentava:

A insatisfação com a teoria subjetiva tornou-se cada vez maior, e evidenciou-se a sua incompatibilidade com o impulso desenvolvimentista de nosso tempo. A multiplicação das oportunidades e das causas de danos evidenciaram que a responsabilidade subjetivista mostrou-se inadequada para cobrir todos os casos de reparação. Esta, com efeito, dentro na doutrina da culpa, resulta da vulneração da norma preexistente, e comprovação de nexo causal entre o dano e a antijuridicidade da conduta do agente. Verificou-se, como já ficou esclarecido, que nem sempre o lesado consegue provar estes elementos. Especialmente a desigualdade econômica, a capacidade organizacional da empresa, as cautelas do juiz na aferição dos meios de prova trazidas ao processo nem sempre logram convencer da existência da culpa, e em consequência a vítima remanesce não indenizada, posto se admita que foi efetivamente lesada49.

Gustavo Tepedino, em 1999, já falava da fundamentação da responsabilidade objetiva baseada em critérios de seguro social, baseado em objetivos postos pela CRFB/88 que moldam o estudo da responsabilidade civil, criando-se a tendência de que esta torne-se cada vez mais objetiva na medida em que as relações sociais se intensifiquem:

Com efeito, os princípios da solidariedade social e da justiça distributiva, capitulados no art. 3º, incisos I e III, da Constituição, segundo os quais se constituem em objetivos fundamentos da República a construção de uma sociedade livre, justa e solidária, bem como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, não podem deixar de moldar os novos contornos da responsabilidade civil. Do ponto de vista legislativo e interpretativo, retiram da defesa meramente individual e subjetiva o dever de repartição dos riscos da atividade econômica e da autonomia privada, cada vez mais exacerbados na era da tecnologia. Impõem, como linha de tendência, o caminho da intensificação dos critérios objetivos de reparação e do desenvolvimento de novos mecanismos de seguro social.50

Mais recentemente, Cavalieri Filho afirma:

Com efeito, se o desenvolvimento do maquinismo fez surgir a indústria, mudando a base econômica do País, trouxe como consequência os acidentes de trabalho. O progresso científico fez aparecer um sem-número de inventos, encheu as ruas de veículos que, se por um lado, facilitam a vida em sociedade, por outro, dão causa a um brutal número de acidentes de trânsito, diariamente. O crescimento da população, com milhões de pessoas migrando do interior para os grandes centros em busca de trabalho, levou ao caos os sistemas de transportes urbanos51.

Ou seja, logo se observou que a teoria subjetivista não mais era capaz, por si só, de atender aos anseios que a transformação da vida social dos últimos séculos trouxe.

49 PEREIRA, Caio Mário da Silva, op. cit., p. 262. 50 TEPEDINO, Gustavo, op. cit., p. 176.

Percebeu-se que, caso mantida a regra sem exceção de que a vítima sempre deverá provar a conduta culposa do agente causador do dano, faria crescer, no Judiciário, o número de pessoas que, embora capazes de comprovarem os danos sofridos, não poderiam vê-los ressarcidos, pois impossibilitadas de produzirem provas neste sentido.

Em busca de fundamento teórico que servisse de suporte à responsabilidade objetiva, estudiosos do Direito elaboraram a chamada Teoria do Risco. Assim sendo, passou-se a conceber a ideia de que determinadas atividades contém, intrínsecas, a sua própria existência, a probabilidade de se gerar dano. Ou seja, quem quiser em praticá-las estará assumindo o perigo, o risco, de gerar os danos decorrentes destas.

Maria Helena Diniz ressalva o fato de que este perigo deva ser decorrente da atividade em si e não da postura do agente:

É preciso deixar bem claro que o perigo deve resultar do exercício da atividade e não do comportamento do agente. Como pontifica Marco Comporti, a atividade perigosa é a que contém notável potencialidade danosa, em relação ao critério da normalidade média, revelada por meio de estatísticas e elementos técnicos e da experiência comum. Logo, todo aquele que desenvolve atividade lícita que possa gerar perigo para outrem deverá responder pelo risco, exonerando-se o lesado da prova da culpa do lesante. A vítima deverá apenas provar o nexo causal, não se admitindo qualquer escusa subjetiva do imputado. A responsabilidade, fundada no risco, consiste, portanto, na obrigação de indenizar o dano produzido por atividade exercida no interesse do agente e sob seu controle, sem que haja qualque indagação sobre o comportamento do lesante, fixando-se no elemento objetivo, isto é,na relaçãodecausalidade entre o dano e a conduta dos seu causador.52

O risco, pois, vincula-se à coisa, à atividade, ao caráter impessoal, extrapolando a culpa pessoal, subjetiva. Ampliam-se as possibilidades de responsabilidade para que se possa atender, de forma justa e isonômica, número elevado de vítimas que, até então, encontravam-se incapazes de verem ressarcidos os danos sofridos.

Fala-se, pois, da criação de nova teoria que visa preencher lacunas deixadas pela subjetiva, sem, contudo, necessariamente substituí-la, sendo certo que o Direito pátrio recepciona, de forma harmônica, ambas as teorias subjetiva e objetiva.

O que se quer com a implementação da responsabilidade objetiva e com a teoria do risco é evitar que se reproduzam, no Judiciário, sentenças acríticas que lesam pessoas que figurem como parte mais frágil de determinadas relações jurídicas, seja pela condição financeira, seja pela dificuldade em produzir-se provas de culpa do ofensor. A técnica individualista se mostrou, pois, insuficiente para atender princípios constitucionais

de solidariedade social e de justiça distributiva que devem permear todo o Ordenamento Jurídico pátrio, criando, por vezes, espécie de securitização das atividades produtivas53.

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