• Nenhum resultado encontrado

3. Caminho a seguir

3.2. Distribuição do ónus da prova em áreas de reconhecida dificuldade

3.2.3. Responsabilidade contratual e extracontratual

3.2.3.1. Generalidades

Em sede de responsabilidade civil, enquanto que no tocante aos requisitos, não existe muita diferença entre os dois tipos de responsabilidade que se analisará, o mesmo não sucede quanto à prova da culpa.332

1. Se a responsabilidade civil se colocar no âmbito de uma relação contratual, a responsabilidade diz-se contratual ou obrigacional. De acordo com a regra geral, caberia ao que invoca um direito provar os factos constitutivos do seu direito, e à parte contrária, o cumprimento da obrigação, como facto extintivo. Sucede porém que, a

330 O mesmo sucede no artigo 116.º n.º 2 do Código de Processo Administrativo, a saber: “ Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da Administração, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito desde que o interessado proceda à sua correta identificação junto do responsável pela direção do procedimento.”.

331

O n.º 1 daquele preceito prevê que “Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”.

112

prova da culpa está regulada no art 799.º n.º 1 do CC, e, a mesma prevê que, cabe ao lesante provar que a falta de cumprimento ou o cumprimento defeituoso da obrigação não resulta de culpa sua, e não ao lesado. Nestes casos, presume-se a culpa.333

2. Já se a responsabilidade surgir fora do âmbito de uma relação de natureza obrigacional, denomina-se extracontratual ou aquiliana. Esta encontra-se prevista no artigo 483.º n.º 1 (salvo n.º 2) e 487.º ambos do CC, e a culpa surge como facto constitutivo que cumpre ao lesado provar.334

4. A responsabilidade pré-contratual não apresenta nenhuma inovação, e de acordo com a doutrina seguirá o supra regime que se defenda para esta.

5. ROMANO MARTINEZ335, ensina que esta distinção bi ou tripartida já não faz sentido na atualidade. A distinção hodierna teria a ver com diferentes graus de perigosidade. Antes prefere proceder a uma distinção com base em pequenos núcleos de responsabilidade. Comecemos com a médica, e só adiante veremos a do produtor, porquanto se relaciona com a tutela do consumidor.

3.2.3.2. Responsabilidade civil médica

1. A questão que se impõe levantar primeiramente é a seguinte: a responsabilidade civil médica configura responsabilidade civil contratual ou extracontratual?

Subjacente a esta questão, encontra-se uma discussão sobre a natureza da obrigação médica: obrigação de resultado ou de meios. Segundo LUÍS FILIPE SOUSA normalmente os atos médicos que visam, não a cura do doente, mas a melhoria do seu aspeto físico, estético ou transformação biológica, a obrigação do médico é de resultado, porquanto a prestação do médico visa unicamente a obtenção de um resultado

333 RUI RANGEL, O ónus, (2000), cit., p.162. 334

RUI RANGEL, O ónus…, (2000), cit., p.174

113

específico.336337 De acordo com esta lógica, nos demais atos médicos seria obrigação de meios.

2. Qual a relevância do que se disse para a repartição do ónus da prova?

Nos casos de responsabilidade civil contratual é aplicável o disposto no artigo 799.º do CC, em que cumpre ao médico fazer a prova de que o facto ilícito não advém de culpa sua, ou seja, o paciente está desonerado de provar a culpa do médico, desde que preencha os demais pressupostos da responsabilidade civil, a saber: dano, nexo de causalidade e facto ilícito.

Contudo, diversas vezes a relação que se estabelece entre paciente e médico não se enquadra na responsabilidade contratual, nomeadamente quando a relação se estabelece por intermédio do Sistema Nacional de Saúde. Neste caso o paciente terá de fazer prova de todos os pressupostos da responsabilidade civil.

Ainda no âmbito da responsabilidade extracontratual existe um artigo que configura uma circunstância excecional, em que é atribuído ao médico o encargo de provar que o facto ilícito não provém de culpa sua – art. 493.º n.º 2 do CC. Contudo, o mesmo só se aplica às eventuais práticas no quadro de uma atividade perigosa, cujo âmbito se revela muito difícil de determinar.

3. A aplicação do 799.º do CC salvaguarda as dificuldades probatórias dos pacientes. Não obstante, a maioria da doutrina e jurisprudência em Portugal, entende que o médico, em regra, não tem qualquer obrigação de resultado, e, nesse caso, a apreciação do ónus da prova seria feita à luz do regime da responsabilidade extracontratual.

4. Segundo ANA PATRÍCIA LOPES, defensora da aplicação da Teoria em Portugal, de acordo com o sistema de cargas probatórias fixas podemos configurar três cenários: i) o paciente prova os factos que alega e que são constitutivos do seu direito (tem de provar os pressupostos da responsabilidade civil) e ganha a ação; o paciente beneficia de uma das circunstâncias que permitem inverter o ónus da prova, como é o

336 LUÍS FILIPE SOUSA, O ónus da prova na responsabilidade civil médica. Questões processuais

atinentes à tramitação deste tipo de acções (competência, instrução do processo, prova pericial), Revista

do CEJ, 2.º semestre 2011, n.º 16, p. 68.

337 Neste tipo de prestações assume uma enorme relevância o consentimento informado do paciente, vide a este respeito ANDRÉ DIAS PEREIRA, O consentimento informado na relação médico-paciente, Coimbra Editora, 2004.

114

caso das presunções e, admitindo que não existem problemas de prova para além da questão da culpa, ganha a ação; ou, não se verificando nenhum dos cenários anteriores, a ação destina-se ao fracasso. 338 Tal raciocínio parece-nos um pouco exagerado.

A este respeito, MANUEL ROSÁRIO NUNES339 reclama uma solução de inversão do ónus da prova da culpa a favor do paciente, porquanto, na generalidade dos casos, o paciente não detém conhecimentos que lhe permitem aferir do procedimento médico.

Por seu turno, TEIXEIRA DE SOUSA critica a tese da presunção de culpa do médico, por considerar que ”a posição do médico não deve ser sobrecarregada, através da repartição do ónus da prova, com a demonstração de resultados que não garantiu, nem podia garantir, o regime do ónus da prova da culpa deve ser sempre o da responsabilidade extracontratual.” 340

5. Na nossa modesta opinião, também aqui o legislador procurou dar resposta às dificuldades probatórias objetivas – ainda que menos significante que nos ramos anteriores - através da consagração de presunções legais que dispensam a prova dos factos presumidos. Não só através do regime da responsabilidade contratual, como no caso da presunção de culpa no exercício de atividades perigosas prevista no artigo 493.º n.º 2 do CC. Além da faculdade de o julgador lançar mão da equidade em casos de prova difícil ou mesmo impossível 341 ou recorrer à prova prima facie.

Bem sabemos que nesta área apenas se verifica uma facilitação ao nível da prova do requisito da culpa, e, num caso, da ilicitude. Contudo, não podemos deixar de considerar que o legislador teve atento às dificuldades probatórias.342

Como refere LUÍS FILIPE SOUSA343 são mecanismos simplificadores da atividade probatória. A saber critérios corretores da desigualdade processual entre o paciente e o médico, permitindo que o juiz – com recurso a um raciocínio dedutivo – se

338 ANA PATRÍCIA LOPES, A distribuição…, (2014), cit., p. 152.

339 MANUEL ROSÁRIO NUNES, O Ónus da prova nas acções de responsabilidade civil por actos

médicos, 2ª ed., 2007, p. 33.

340

TEIXEIRA DE SOUSA, O concurso de títulos de aquisição da prestação, Almedina, 1988, p. 132- 137.

341 V.g. no que respeita à avaliação de danos patrimoniais – art. 496.º n.º 3 do CC.

342 Aliás existiu, na linha do que se fez para o produtor, uma proposta de Diretiva, por parte do Conselho de Ministros da União Europeia, na sequência da reunião daquele em 9-11-1989, que visava versar sobre a responsabilidade dos prestadores de serviços médicos, prevendo uma responsabilidade baseada na culpa, com inversão do ónus da prova. Esta iniciativa, não logrou passar disso mesmo, face às críticas de que foi alvo pelo Comité Económico e Social, Comissão Jurídica do Parlamento Europeu e especialistas da área. Para mais desenvolvimentos, vide MANUEL ROSÁRIO NUNES, O ónus…, (2007), cit., p.84. 343 LUÍS FILIPE DE SOUSA, O ónus…, (2011), cit., p. 77.

115

convença da verificação de certos pressupostos fundadores da responsabilidade civil, designadamente da culpa e do nexo de causalidade.

Documentos relacionados