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Responsabilidade Direta do Produtor

A introdução da responsabilidade do produtor pela conformidade não foi fácil no seio da legislação comunitária. O Livro Verde sobre as garantias dos bens de consumo e os serviços pós- venda32 trouxe a questão até às instâncias legislativas comunitárias, introduzindo uma

responsabilidade conjunta, “quase-subsidiária”, na medida em que o comprador poderia proceder contra o produtor se a ação contra o vendedor fosse impossível ou se constituísse um fardo excessivo. O Livro Verde argumenta, no sentido da mais-valia que tem a consagração da responsabilidade direta do produtor, da seguinte forma: “Nas modernas sociedades de consumo, baseadas em sistemas de produção e distribuição em massa, a confiança dos consumidores em relação aos produtos que adquirem, encontra-se mais ligada à competência que atribuem aos fabricantes do que à dos vendedores: a concorrência entre produtos semelhantes também se faz mais entre as marcas do que entre os vendedores; estes têm principalmente os elementos "preço" e "serviço pós-venda" à sua disposição como fatores de concorrência (sem negligenciar totalmente a sua função de "conselheiros"). Quando o defeito de um bem resulta do fabrico do produto é contraditório que o vendedor, que não teve qualquer influência no processo de produção e que, em muitos casos, nem sequer desembalou o produto, seja o único responsável perante o comprador. Também é contraditório que o produtor seja responsável quando o produto defeituoso provocar um prejuízo a pessoas ou (em certos casos) a outros bens e que não tenha nenhuma responsabilidade quando, muito simplesmente, o produto não funcionar ou quando um defeito de fabrico tiver provocado danos ao próprio produto. Além disso, a extensão da ação baseada na garantia face ao fabricante aumenta as possibilidades de o consumidor ver reparado o prejuízo sofrido, uma vez que os meios financeiros do fabricante são frequentemente mais importantes do que os do retalhista”.

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Esta questão foi, também, formulada pelo Parlamento Europeu no “Parecer sobre a Proposta de Diretiva de 1996”. Nos trabalhos preparatórios da Diretiva esteve previsto um regime de “responsabilidade quase-subsidiária” do produtor, onde o consumidor poderia exercer contra o produtor ou contra o seu representante, os direitos de reparação e de substituição, quando não pudesse ou fosse demasiado oneroso exercê-los contra o vendedor33. Porém, e

apesar de todo o entusiasmo e apoios que recebeu34, o regime sucumbiu na passagem do

anteprojeto para o projeto de Diretiva.

A Diretiva manteve o respeito pelo princípio vertical privity, não prevendo assim a responsabilidade do produtor perante o consumidor pela desconformidade do bem. Apenas vem responsabilizar o produtor indiretamente, através do artigo 6.º - onde só se o produtor estiver vinculado à garantia comercial é que pode ser responsabilizado pelos defeitos de conformidade de origem.

Ora, a Diretiva no considerando 23 considera que existe (…) uma preocupação crescente em garantirum elevado nível de proteção dos consumidores; que,atendendo a esta evolução e à experiência adquirida coma aplicação da presente Diretiva, poderá ser necessárioconsiderar um grau mais elevado de harmonização e prever, nomeadamente, a responsabilidade direta do produtor pelos defeitos de que é responsável” e o artigo 12.º da Diretiva obriga que “O mais

tardar até 7 de Julho de 2006, a Comissão examinará a aplicação da presente diretiva e apresentará um relatório ao Parlamento Europeu e ao Conselho. O relatório abordará, designadamente, a questão da eventual introdução da responsabilidade direta do produtor e, se necessário, será acompanhado de propostas”.

A Comissão das Comunidades Europeias que ficou encarregue de avaliar a aplicação da Diretiva n.º 1999/44/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio de 1999, relativa a certos aspetos da venda de bens de consumo e das garantias a ela relativas, incluindo uma análise da questão da eventual introdução da responsabilidade direta do produtor35, enviou

um questionário aos Estados-Membros com o objetivo de obter informações acerca das respetivas leis nesta matéria.

No que diz respeito à responsabilidade direta do produtor foram também enviados questionários semelhantes às partes interessadas para tentar perceber o impacto que a

33 ALMEIDA, Carlos Ferreira de, Direito do Consumo, ob. cit., p.185.

34 A favor de uma responsabilidade solidária, MONTEIRO, Sinde, Proposta de Diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho relativa á venda e às

garantias dos bens de consumo, Revista Jurídica da Universidade Moderna, Diretor: José Júlio Gonçalves, Ano I, n.º1, Edição Universidade Moderna, Coimbra, 1998, p.469.; a considerar a Diretiva dececionante neste ponto: TENREIRO, Mário & GÓMEZ, Soledad, La Directive 1999/44/CE sur certains aspects de la vente et des garanties des biens de consommation, REDC, Maio de 2000, p.20 e ss,; OUGHTON, David & LOWRY, John, Consumer Law, 2.ª Ed., London, 2000, p.193.

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responsabilidade direta do produtor pode ter a nível de defesa do consumidor e no mercado interno. Dos dezassete Estados-Membros que responderam ao questionário, seis introduziram variadas formas de responsabilidade direta do produtor, a Bélgica, a Finlândia, a Letónia, Portugal, Espanha e a Suécia. Segundo o relatório, na Finlândia e na Suécia o consumidor pode dirigir-se a qualquer elemento da cadeia distributiva, enquanto na Letónia e em Espanha apenas pode apresentar reclamação ao produtor e ao importador. Em Portugal, o consumidor pode recorrer ao produtor e aos seus representantes. De referir também que na Finlândia, Letónia e Suécia, o consumidor pode solicitar qualquer um dos remédios consagrados na Diretiva, ao passo que em Portugal e em Espanha as únicas soluções previstas são a reparação ou a substituição.

Em relação ao possível impacto, as partes interessadas e os Estados-Membros têm opiniões divergentes. A maioria dos Estados-Membros e algumas partes interessadas consideram que a Responsabilidade Direta do Produtor melhora e efetiva o nível de defesa do consumidor, nomeadamente nos casos em que o vendedor não puder resolver as reclamações apresentadas, e que o produtor na maioria dos casos é quem se encontra em melhor posição para colocar o bem conforme com o contrato. Uma minoria considera que vai antes causar incertezas quanto à lei aplicável e adia a resolução das queixas dos consumidores. Um número significativo de Estados-Membros considera que a Responsabilidade Direta do Consumidor constituiria um encargo significativo para as empresas, pois teriam que ser desenvolvidos mecanismos de tratamento de queixas e prever disposições financeiras para a sujeição a esta responsabilidade. Os Estados-Membros que já introduziram a responsabilidade direta do produtor não são desta opinião e consideram ainda que na prática são poucos os casos e, assim sendo, não chegam a representar um encargo para as empresas.

A Comissão considerou, na altura, que não se poderiam tirar conclusões definitivas, pois não havia dados suficientes para determinar se a ausência de regras comunitárias em matéria de responsabilidade direta do produtor teria um efeito negativo na confiança do consumidor no mercado interno. Decidindo não apresentar nenhuma proposta e aprofundar a questão no contexto do Livro Verde.

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Parte II

Ordenamento Jurídico Português

2. Transposição para o Direito Português da Diretiva n.º 1999/44/CE, de 25 de maio, pelo Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21 de Maio 2.1. O direito português anterior à Diretiva

O Código Civil de 1966 e a Lei de Defesa do Consumidor, Lei n.º24/96, de 31 de Julho de 1996, regulavam a venda de bens de consumo. No que diz respeito ao Código Civil importa focar os artigos 913.º a 922.º sobre a “venda de coisas defeituosas”. O artigo 913.º prevê uma garantia legal que abrange quatro situações: existência de vício que desvalorize a coisa; existência de vício que impeça a realização do fim a que a coisa é destinada; falta de qualidades asseguradas pelo vendedor; e falta de qualidades necessárias para a realização do fim a que a coisa é destinada. Este regime apenas se aplica à venda de coisas específicas e a defeitos existentes já ao tempo da transferência da propriedade, deixando assim de parte e venda de coisas genéricas e defeitos supervenientes. O comprador quando possuí um bem defeituoso tem direito à reparação ou à substituição, salvo se o vendedor conhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidades; à anulação do contrato, com restituição do preço e entrega do que já se recebeu; à redução do preço, conservando o comprador a coisa; e à indemnização, pelo interesse contratual negativo em caso de anulação do contrato, eventualmente contratual positivo em outras situações. O artigo 921.º consagra a garantia de bom funcionamento por força da convenção das partes ou por força dos usos.

De referir ainda o “regime da empreitada”, que estabelece no artigo 1218.º e ss do Código Civil o contrato de empreitada relativo a bens imóveis corpóreos celebrado entre profissionais e consumidores. O dono da obra, nos casos em que a obra apresente defeitos, tem direito à eliminação dos defeitos, artigo 1221.º; à redução do preço; à resolução do contrato, artigo 1222.º; e à indemnização, artigo 1223.º.

A Lei de Defesa do Consumidor consagrava também regras importantes a favor do consumidor, nomeadamente o contrato de fornecimento que abrangia não só a compra e venda, como também a empreitada e a locação, artigos 4.º, 7.º, n.º5 e 12.º. O artigo 4.º determina que “os bens e serviços destinados ao consumo deviam ser aptos a satisfazer os fins

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a que se destinassem e a produzir os efeitos que se lhes atribuíssem, segundo as normas legalmente estabelecidas, ou na falta delas, de modo adequado às legítimas expetativas do consumidor”, tendo sido entretanto revogados os n.ºs 2, 3 e 4 que estabeleciam as garantias de “bom estado” e de “bom funcionamento” dos bens móveis não consumíveis, como também dos bem imóveis. O artigo 7.º, n.º5, introduziu nos contratos as informações concretas e objetivas contidas nas mensagens publicitárias. Por fim, o artigo 12.º que tinha cinco números, passou agora a ter apenas dois. Este artigo estabelecia o direito à reparação, bem como os respetivos prazos, o direito do consumidor à indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais e a responsabilidade do produtor independentemente da culpa.