• Nenhum resultado encontrado

RESPONSABILIDADE CIVIL OGMs

RESPONSABILIDADE CIVIL POR RISCO

4.1. responsabilidade objectiva

Segundo o conceito básico da responsabilidade civil, salvo os casos em que a lei especifique claramente,

“não basta que se verifique uma violação ilícita de um direito ou interesse juridicamente protegido de outrem. Impõe-se, ainda, que se tenha procedido com dolo ou mera culpa.”258.

Contudo, episódios como a BSE na Europa, o tabaco e as cadeias de "fast food" nos Estados Unidos e os nitrofuranos em Portugal trouxeram à ordem do dia a preocupação com a saúde alimentar. Com essa preocupação as discussões jurídicas sobre a responsabilidade do produtor e do Estado pelos danos causados à saúde do consumidor vieram a propor a objectivação dessa responsabilidade, com a consequente dispensa da demonstração da culpa.

No Direito português O Decreto-lei nº 383/89, modificado pelo DL 131/2001 versa sobre a responsabilidade objectiva do produtor, mas não exclui a aplicabilidade do Código Civil. Diante dessa responsabilidade objectiva, pode-se afirmar que o consumidor não precisa de provar a culpa do produtor259.

A responsabilidade objectiva tem a particularidade de facilitar ao danificado a obtenção da sua reparação. Essa forma de responsabilidade deve ser aplicada principalmente quando a responsabilidade subjectiva seja inoperante, pela dificuldade do lesado em produzir a prova da culpa do autor pelo dano que este lhe tenha causado260.

258

Almeida Costa, Mário Júlio B. de. Direito das Obrigações. Almedina, 7a. ed., Coimbra, 1998, pp. 502, 503, 526 e 527

259 Alves, Francisco Luís. “A responsabilidade objectiva do produtor e os nitrofuranos”, In. Boletim da Ordem dos Advogados, nº 27, Jul.Ago/2003.

260 Victoria, María Adriana. Producción y comercialización agroalimentaria: gestión de calidad y control en el mercosur. rol de las empresas, consumidores, ong y el estado, In. Herrera Campos, Ramón (Dir. Coord.); Lledó

É a vulnerabilidade do consumidor diante dos demais envolvidos nas relações que envolvam produtos defeituosos, OGMs, ou ainda outros produtos que causem danos a si ou a terceiros que determina a prioridade da sua protecção e o oferecimento dos instrumentos jurídicos necessários para garantir os seus direitos e as suas indemnizações contra os causadores dos danos261.

Segundo Santos Briz262, o fundamento da responsabilidade objectiva se encontra na existência do risco e consequentemente na justiça distributiva: os riscos que os prejudicados seriam coagidos a assumir são transferidos aos seus causadores, ainda que os tenham ocasionado de forma lícita.

Se por um lado o causador de um dano é obrigado a repará-lo, por outro lado quem se beneficia de uma actividade criadora de um risco ou perigo para pessoas ou bens alheios deve evitar as suas consequência prejudiciais, de modo que, ao não fazê-lo, age com culpa civil. Há portanto uma inversão do ónus da prova. Havendo dano, o seu causador fica já obrigado a compensá-lo, em razão do risco que a actividade comporta, ainda que não seja provada a sua culpa ou negligência, sendo porém indispensável ao lesado provar a relação causal entre o produto ou actividade perigosa e o dano263.

Nas situações em que ocorram danos à saúde pública ou ao meio ambiente, em função do desrespeito às medidas de precaução em qualquer das fases da produção ou da comercialização de OGMs, caberá a correspondente indemnização. A fonte dessa obrigação de indemnizar está na relação causal entre a culpa, nesse caso incorporada na forma de risco,

Yagüe, Francisco (ed.). “Derecho agrário ante el tercer milenio (VI Congresso Mundial de Derecho Agrario) (UMAU), pp. 1287 à 1309.

261 Victoria, María Adriana. Producción y comercialización agroalimentaria: gestión de calidad y control en el mercosur. rol de las empresas, consumidores, ong y el estado, In. Herrera Campos, Ramón (Dir. Coord.); Lledó Yagüe, Francisco (ed.). “Derecho agrário ante el tercer milenio (VI Congresso Mundial de Derecho Agrario) (UMAU), pp. 1287 à 1309.

262 Idem supra.

263 Viguri, Agustín. Agricultura y medio ambiente: estudio comparado de la responsabilidad civil, In. Herrera Campos, Ramón ... Derecho agrário ante ..., pp. 1345 à 1361.

e o dano sofrido, pois não há dúvidas a respeito da existência do risco nas actividades que envolvem OGMs264.

No âmbito dessas actividades, aqueles que criam, produzem ou comercializam produtos cuja origem se deu por meio da modificação do código genético de seres vivos criam também riscos cujas consequências são imensuráveis. Esses criadores dos riscos devem portanto, responder segundo critérios objectivos265.

Contudo, apesar da existência da previsão legal da responsabilidade objectiva do produtor pelos danos decorrentes dos seus produtos, por exemplo dos OGMs, a simples alegação do dano não gera responsabilidade e nem direito a indemnizações, sendo necessário e essencial apresentar as provas do nexo causal e do dano efectivo.

Não cabe entretanto à vítima, provar se houve ou não culpa do utilizador da coisa, sendo este ónus do seu produtor266. Essa presunção de responsabilidade, herdada do direito francês, está estabelecida no direito americano na categoria dos “torts”, que inclui as actividades perigosas. Este princípio do “res ipsa loquitur” ou do “things speaks for thenselves” (que em português pode ser traduzido como “as coisas falam por si”) determina a presunção da culpa e a inversão do ónus da prova, cabendo ao demandado provar que não agiu com dolo, culpa ou com negligência, excepto quando o demandante tenha tido parte na acção que produziu o dano267.

264

Cazorla González, María José. “Variedades vegetales transgénicas: control de riesgos y responsabilidad ante futuros daños”, In. Herrera Campos, Ramón (Dir. Coord.); Lledó Yagüe, Francisco (ed.). “Derecho agrário ante el tercer milenio (VI Congresso Mundial de Derecho Agrario) (UMAU), pp. 251 à 266.

265 Moltini, Patricia; Victoria, María Adriana. Responsabilidad ocasionada por productos transgénicos, In. Herrera Campos, Ramón. Op. cit., pp. 1334 à 1344

266 Victoria, María Adriana. Producción y comercialización agroalimentaria: gestión de calidad y control en el mercosur. rol de las empresas, consumidores, ong y el estado, In. Herrera Campos, Ramón. Op. cit., pp. 1287 à 1309.

267 Viguri, Agustín. Agricultura y medio ambiente. estudio comparado de la responsabilidad civil, In. Herrera Campos, Ramón. Op. cit., pp. 1345 à 1361.

Essa presunção de culpa cabe também ao produtor ou vendedor de OGMs que causem danos e fundamenta-se na expectativa do comprador de ter um produto seguro e isento de riscos se utilizado nas condições normais e esperadas de sua utilização e na consequente obrigação daquele de garantir essas segurança e inocuidade esperadas. É a frustração das expectativas de segurança que determina a responsabilidade do produtor de OGMs268.

Se a isenção da necessidade da prova da culpa facilita o trabalho da vítima na obtenção da reparação do seu dano sofrido, a prova do nexo de causalidade nos casos dos danos ao ambiente é difícil e demasiadamente complexa, pois em geral a causa é colectiva ou plural, sendo quase impossível a determinação da autoria, donde deriva a evolução do carácter da responsabilidade por danos ao ambiente de individual para solidário269. Em função dessa dificuldades de prova, são portanto atribuídos à responsabilidade civil por danos ambientais, o carácter objectivo e o carácter solidário da responsabilidade. A única possibilidade do produtor se isentar da responsabilidade reside na demonstração, ao seu cargo, de que o defeito não existia até ao final da sua intervenção na cadeia de produção, ou de que o demandante agiu com dolo ou com negligência, assumindo o risco e participando na produção do dano.

Se o dano se produz por erro de quem utiliza um material como mero instrumento desse dano, ou seja, se o dano se produz com culpa humana, a responsabilidade subjectiva do utilizador suplanta a responsabilidade objectiva do produtor, que nestes casos é inexistente. Por outro lado, se o erro for causado pelo material, pela coisa, sem a concorrência de culpa humana do seu dono, guardião ou utilizador, cabe a responsabilidade objectiva do produtor.

É difícil a tarefa do produtor de demonstrar a assunção do risco pelo lesado, pois tem de provar que esse conhecia o perigo e que, com sua conduta culposa causou o dano

268 Hahn, Anne-Catherine. L'Ébauche d'un droit européen de la responsabilité civile, In. Werro, Franz. L'européanisation du droit prive – vers un code civil européen? (Enseignement de 3ème cycle de Droit, 1997) Ed. Universitaires Fribourg, pp. 397 à 419.

269 Victoria, María Adriana. Responsabilidad por la produccion y comercializacion de frutos y produtos agroalimenticios en el marco de los mercados comunes, In. Herrera Campos, Ramón (Dir. Coord.); Lledó Yagüe, Francisco (ed.). “Derecho agrário ante el tercer milenio (VI Congresso Mundial de Derecho Agrario) (UMAU), pp. 1234 à 1265.

(“contributory negligence”) 270.

Com o âmago de incentivar medidas seguras de redução dos riscos de "contaminação" pelos OGMs, a Comissão Europeia editou em 23 de Julho de 2003, recomendações para a coexistência de culturas de OGMs com culturas baseadas em técnicas convencionais e biológicas.