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A resposta rortyana e segundiana à acusação de relativismo e esvaziamento dos valores.

3. ENCONTROS IMPROVÁVEIS, APROXIMAÇÕES PEDAGÓGICAS.

3.6. A resposta rortyana e segundiana à acusação de relativismo e esvaziamento dos valores.

111GEBARA, Ivone.

“Hora de ficar: dificuldades das religiosas na evangelização em meio a um povo empobrecido.” Vida Pastoral n. 160, set-out/1991, São Paulo: Paulinas. Pág. 4. 112Idem.

“Espiritualidade: escola ou busca cotidiana?”. Vida Pastoral, n. 164, mai-jun/1992, São Paulo: Paulinas. Pág. 9

Ambos os pensadores, Segundo e Rorty se veem envoltos na mesma questão do relativismo. Ambos apresentam o conhecimento humano como visceralmente atrelado às limitações humanas, logo, relativo às suas contingências, precariedade, provisoriedade. Ambos compreendem que um discurso que se queira preciso, objetivo, imparcial, estável, totalizador exige uma linguagem divina, no sentido de não humana e que esta linguagem, inexiste. Por isso, é preciso tratar o conhecimento humano como uma experiência mundana, linguística e contextualmente relativa.

Tanto o pragmatismo rortyano responde à acusação, de pensadores como Thomas Nagel e Habermas, de perder-se no auto-refutativo relativismo; como a teologia da libertação, como afirma Segundo, se vê sob a suspeita da teologia acadêmica, de origem europeia, de trocar valores duradouros e absolutos da fé cristã por interpretações ideologizadas, logo, relativizadas ao seu contexto histórico, provisório e politizado.

Segundo mesmo nos apresenta o problema, vejamos o que diz:

Nenhuma solução a um problema histórico pode pretender ter um valor absoluto, se absoluto significa independente de todo condicionamento circunstancial.

Pareceria, portanto, que, paradoxalmente, o absoluto fica definitivamente submetido à relatividade histórica.

Isto aparece claramente como a dificuldade maior, talvez, de uma teologia que sustenta a diferença e a complementariedade (...) entre fé e ideologias. Constitui, assim, um problema metodológico decisivo para a teologia da libertação. Se não lhe acharmos uma solução, toda esta teologia será tachada e condenada de relativismo. Evidentemente, o que precede pode ter mostrado que as pretensões da teologia acadêmica a um caráter absoluto eram ilusórias. Isso, entretanto, não impede que a teologia acadêmica continue se apresentando revestida com essa roupagem absoluta, enquanto que a teologia da libertação, a cada passo que dá, tem que enfrentar clara e explicitamente a acusação de não pretender sequer possuir semelhante caráter absoluto.113

Rorty responde a esta acusação constantemente em suas obras, separo aqui dois trechos que podem muito bem nos ajudar a compreender como o problema se coloca. Assim organiza a questão o nosso filósofo pragmatista:

“Relativismo” é o epíteto tradicional aplicado ao pragmatismo pelos realistas. Três visões diferentes são comumente referidas por esse nome. A primeira é a visão de que toda e qualquer crença é tão boa quanto qualquer outra. A segunda é a visão de que a “verdade” é um termo equívoco, possuindo tantos significados quanto houver procedimentos de justificação. A terceira é a visão de que não há nada a ser dito nem sobre a verdade, nem sobre a racionalidade, para além das descrições dos procedimentos familiares de justificação que uma dada sociedade – a nossa – emprega em uma ou outra área de justificação. O pragmático toma esse terceiro ponto de vista etnocêntrico. Mas ele não sustenta a primeira visão, auto-refutadora, nem a excêntrica segunda visão. Ele pensa que seus pontos de vista são melhores do que os pontos de vista dos “realistas”, mas não pensa que eles correspondem à natureza das coisas. Ele pensa que a extensa flexibilidade da palavra “verdade”- o fato de ela ser meramente uma expressão de aprovação – assegura sua univocidade. O termo “verdade” em sua avaliação, significa o mesmo em todas as culturas; exatamente como termos flexíveis como “aqui”, “lá”, “bem”, “mal”, “você” e “eu” significam o mesmo em todas as culturas. Mas a identidade de significado é, certamente, compatível com a diversidade de referência e com a diversidade de procedimentos para assinalar os termos. Assim, ele se sente livre para usar o termo “verdade” como um termo geral de aprovação, do mesmo modo que o faz o seu oponente “realista” – e, em particular, livre para usá-lo na recomendação de seu próprio ponto de vista.114

Pensar em Rorty e em Segundo como autores relativistas é um empobrecimento, quando não, também uma distorção. Estão para além da questão relativista, contraponto típico de uma construção teórica feita de dentro de uma paradigma fundacionista e representacionista. Afinal, para um fundacionista o debate é pela afirmação com pretensões absolutas, ou ainda, universais. Logo, a assimilação de uma ideia de relatividade para pensar o

114 RORTY, Richard. Objetivismo, relativismo e verdade. Escritos filosóficos I. Rio

fenômeno humano e suas racionalizações parece sempre uma afirmação do tipo “tudo é relativo”; que obviamente é auto-refutativa, pois se tudo é relativo, o que se acabou de afirmar é impossível de ser afirmado, porque também é relativo. Ou ainda, se tudo é válido, nada é válido. A resposta de Segundo e de Rorty a esta suspeita não é argumentação de dentro do paradigma fundacionista, com seu verificacionismo exacerbado. A resposta de ambos é um afastamento da lógica absolutista de pensamento, para uma proposição contextual, modesta e revolucionária.

Não propõem, nem Segundo nem Rorty, uma natureza intrínseca da verdade, referida por relativismo. Menos ainda, falando com Segundo, uma revelação com um novo conteúdo, mas tão pronto e unilateral quanto pensa a teologia de tipo fundacionista. Mas, enquanto Rorty, com William James, chama de verdade aquilo que é bom para nós acreditarmos, ou como uma crença bem justificada e que, por isso e por enquanto, dispensa outras justificações, Segundo chama de revelação um processo pedagógico e aberto à época, à cultura, ao contexto e à comunidade local, capaz de construir historicamente uma teologia útil para seu povo. Este processo pedagógico constitui verdades úteis e libertadoras para o seu contexto, mas provisórias e abertas ao contínuo progresso humano de aprendizagem, ao aprender a aprender.

Se há um relativismo no pragmatismo de Rorty e na Teologia da Libertação de Segundo, ele não é a categoria fundacionista reversa, que o pretende como uma afirmação metafísica alternativa, como se a relatividade fosse a estrutura ontológica da humanidade e sua história. Se há um relativismo nestes pensadores é o do processo pedagógico de flexibilização dos conteúdos, os mais bem justificados, e abertura de horizontes de imaginação, visando ao progresso humano, ou à humanização das relações sócio-econômico-políticas. É o relativismo que não absolutiza as verdades nem as ideologias, menos ainda os valores culturais ou as crenças privadas; mas os relaciona incessantemente aos eventos acidentais, aos contextos sociais, às demandas novas da comunidade e assim por diante. Novamente a professora Inês Araújo Lacerda nos ajuda a elaborar o pensamento de Rorty:

Conhecer é um direito que emerge em meio à conversação, nada há por detrás de nossas práticas de justificação. É por meio dessas práticas que vez por outra um filósofo sistematiza e/ou revoluciona, como ocorreu diversas vezes na história da filosofia. Não há dois lados separados por um fosso intransponível, o da ciência e tecnologia, que seria o lado duro, da prova, da verdade, da verificação, e outro lado, frouxo, subjetivo, dos valores, da moral, da educação. Há a cultura, a linguagem, as tradições, e tudo o mais que a história da humanidade tem produzido e que serve para sua própria compreensão, no sentido de possibilitar interpretações e justificações de nossos sistemas de crenças. Nenhum discurso deveria ter privilégio epistemológico ou ontológico. A vida intelectual deveria tomar o rumo do anti-dogmatismo, esse é o sentido do relativismo em Rorty.115

3.7. O ponto de encontro no pragmatismo americano presente no

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