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6 RESULTADOS E DISCUSSÕES

6.3 RESSIGNIFICAÇÃO DO SER

A privação inesperada da rotina diária para o adulto, decorrente da hospitalização prolongada, envolve uma sensação de paralisação da vida, pois, em grande parte dos casos, essa interrupção e a sua duração não foram planejadas. Requer o rearranjo de inúmeras responsabilidades, tais como família, trabalho, lazer, estudos, relações e a reorganização de prioridades, colocando o cuidado com a própria saúde como necessidade fundamental para manutenção da vida. Durantes as entrevistas, alguns pacientes relataram suas experiências afirmando que ficar no hospital os priva de sua rotina normal (P8, P6), causando ansiedade por não saber quando poderão ir para casa (P5).

(...) A gente quer ir para casa. Tu não tens vida ativa aqui... Vais fazer o que? Não tens vontade de assistir um filme, como normalmente faz em casa. Tu estás perdendo trabalho, está deixando de aprender, de repassar conhecimento, de viver, de ir numa academia, de ir numa festinha. Tu não tens vida normal, a tua vida é isso aqui. Parece que para no tempo. Se bem que a gente sabe que tem que ficar. Mas volte e meia dá um baixo astral. Não tem como dizer que isso é natural. (P5)

Identifica-se a perda da rotina normal e o ganho de uma nova realidade, institucionalizada. A institucionalização da vida. Não necessariamente visto pelo paciente como algo positivo, mas reconhecidamente primordial naquele momento. O que provoca sentimentos diversos, nem sempre negativos. Para um paciente, estar hospitalizado era positivo, pois ele veio do interior da Bahia para obter tratamento em Florianópolis, onde seus filhos moram, já que, nas palavras dele “a assistência lá é meio fraca” (P3). A hospitalização pode significar também uma fuga da realidade em que se vive, um local para descansar e, já que se está doente, portanto não se poderia estar em lugar melhor (P7).

De qualquer maneira, representa uma mudança. Significa tornar- se paciente. Como o próprio nome diz, esperar pacientemente. À espera de melhora, de uma cirurgia, da alta médica, de um exame, de um resultado, de um diagnóstico, da cura, da morte. E essa espera, esse tempo para refletir sobre o que se foi, o que é e o que será, sobre a própria vida, pode trazer profundas transformações no ser.

Eu acho que até tem gente mal civilizada lá fora, se cair aqui dentro, ele fica um pouco melhor. Tu tens que ser mais calmo, mais amigo da turma, porque aqui dentro não tem como fazer, dizer, brigar (...) Se ele é ruim lá fora, ele é obrigado a ser bom aqui. (P7)

Quando questionados sobre o que acharam da visita dos Terapeutas da Alegria, os pacientes fizeram em sua maioria, relatos positivos ressaltando que tratava-se de uma maneira de alegrar o paciente (P6), uma terapia e sem dúvidas um trabalho muito bom (P1). Ajuda as pessoas que estão abatidas (P8) e ajuda o paciente a ficar mais contente (P7), melhorando a comunicação (P10). Uma paciente relata inclusive que os TA podem ajudar a desinibir e que isso pode auxiliar a relação médico-paciente, pois ele se comunica melhor, fornecendo mais detalhes do seu próprio estado de saúde (P10).

(...) Aí imagina bem, tu vens, jogam as pessoas em cima de numa cama, difícil né. Aí eles deixam a comida, pegam e levam. Não botam sal. Todo dia de noite cada um vai para a sua casa, para a sua família. Como é que fica a cabeça das pessoas? As pessoas pensam besteira. Pensam umas coisas da doença, sobre a cirurgia "Eu posso morrer" se eu não fizer tal coisa. Eu quero ir embora... vem a saudade, vem a lágrima, vem o choro... (P10) A presença dos palhaços pode libertar momentaneamente os pacientes deste sentimento. Por operar num sistema que quebra a lógica (MASETTI, 1998), colocando em prática refinadas habilidades de improviso e adaptação a novos cenários de acordo com necessidades e respostas individuais (FORD, 2013). Uma subversão da ordem normal das coisas permitindo ao paciente ser ele mesmo, já que “o riso castiga os costumes e obriga-nos a cuidar imediatamente de parecer o que deveríamos ser, o que um dia acabaremos por ser verdadeiramente” (BERGSON, 1983). Trata-se de algo inesperado e agradável (P1), uma coisa diferente (P6).

Sendo assim, a presença do palhaço no hospital promove a libertação do ser, de sua expressão livre, o retorno a sua essência. Promove a aceitação do paciente da sua própria condição pois ele observa o erro, o ser fora da norma, a mudança no curso esperado das coisas, como algo aceitável. E isso favorece a aceitação da sua própria situação atual.

A experiência da hospitalização transforma as pessoas (P7) e isso juntamente com a visita do palhaço podem ser tão significativas que alguns pacientes relatam que quando receberem alta, também querem ajudar os doentes, fazer um trabalho voluntário (P2, P5). Um paciente acredita que é isso que motiva os TA, que eles mesmos ou um ente querido já esteve hospitalizado.

(...) Ficou numa alegria, uma brincadeira total na primeira vez que eles vieram. Parece que chegou na hora certa, no momento certo (...). Inclusive chegou uma enfermeira e pediu silêncio porque o barulho estava muito alto (...). Ela estava pedindo para eles saírem porque, estava muita farra. (P11) Realmente o ambiente hospitalar não é fácil. Se você tiver bom humor você leva mais fácil, porque senão você deprime. Tem que levar no bom humor... Por isso é que é bom. (A5)

De modo semelhante, os acompanhantes dizem tratar-se de um trabalho muito importante. Uma acompanhante relata que mesmo quem não quer dar risada acha graça e isso tira as pessoas do stress em que se encontram (A8).

Entretanto, de acordo com o Paciente 11, os benefícios da palhaçoterapia dependem da aceitação da intervenção. Cada paciente interage em graus diferentes, alguns riem e conversam, apenas assistem ou até contam piadas ou falam mais do que os próprios TA. Isso está diretamente ligado individualidade ou ao estado emocional em que se encontra o paciente no dia da visita, o que é respeitado pelos TA que adaptam as intervenções de acordo com a necessidade identificada e resposta dos pacientes naquele momento. Alguns pacientes não permitem a entrada dos TA nos quartos, já que eles pedem permissão antes de entrar. Outros deixam entrar, mas mesmo assim, dizem não se sentir beneficiados com a intervenção, como o Paciente 4: “Isso não serve para mim, é coisa de criança” (P4). O caso desse paciente será contado com detalhes a seguir.

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