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Ressocialização e Reintegração Social

1. CONCEITUAÇÕES FUNDAMENTAIS

1.4. Ressocialização e Reintegração Social

Um dos integrantes do grupo disse-nos, quando entramos no assunto “reintegração social”, que o correto seria que, após o cumprimento da pena, os egressos do sistema prisional fossem encaminhados para locais onde pudessem cursar uma faculdade, locais onde pudessem aprender profissões, um lugar que tivesse pessoas da sociedade para acolhê-los, enfim, lugares que realmente fizessem o papel de recuperar alguém: “certo, agora que cumprimos nossa pena numa penitenciária, vamos ao que interessa, vamos ao que pode nos fazer melhor daqui pra frente!”. Ele continuou dizendo que seria preciso, dentro ainda da proposta que apresentava a todos nós, construir uma nova instituição

para esta finalidade, não no cárcere, mas na sociedade livre, e com pessoas que

quisessem realmente estar de braços abertos, e quisessem realmente ajudar os recém- chegados à “instituição” (instituição esta que ele acabava de criar-imaginar naquele mesmo instante, enquanto ser político e pensante que é, sem talvez se dar conta da instigante proposta político-criminal que fazia). (trecho elaborado a partir de um comentário feito por um integrante do Grupo de Diálogo Universidade, Cárcere, Comunidade – GDUCC, integrante este do grupo dos internos - dos presos - durante um dos encontros no cárcere em 2013).

Embora não haja previsão legal expressa da finalidade de reintegração social aos Conselhos da Comunidade, a prática (os próprios conselheiros, juízes e outros envolvidos assim desejam) e as resoluções administrativas alçaram o objetivo de ressocialização/reintegração social aos Conselhos. Por vezes, há uma confusão quanto a duas expressões.

Nestes termos, será preciso dar alguns contornos sobre as noções de ressocialização e de reintegração social, dada a confusão conceitual que podem gerar. Primeiro, a ressocialização, tradicionalmente configurada e intentada na prática pelos Conselhos. Em segundo lugar, a reintegração social, que será aqui brevemente delimitada para posteriormente ser estabelecida como parâmetro, como sugestão (modelo) para uma das formas de atuação para os Conselhos da Comunidade.

Iniciam-se as considerações sobre a ressocialização a partir do livro A Nova Defesa Social: um movimento de política criminal humanista, de Marc Ancel, livro que delineia os contornos essenciais do que se entende por ressocialização.

O “movimento” (de Política Criminal) da Nova Defesa Social teve com um dos seus maiores expoentes justamente Mar Ancel. Este movimento, segundo Ancel, é a tentativa de superar noção de “Defesa Social” vigente havia um bom tempo: a de proteção da sociedade contra o crime através da “severidade da repressão” (1979, p. 3).

Segundo esta nova concepção, duas linhas de frente deveriam nortear as medidas de política criminal: a prevenção da criminalidade e o tratamento dos delinquentes, a partir da constatação de que o problema era de duas ordens: “sociais e criminológicas”. A política de prevenção deveria ter o condão de proteger a sociedade e de proteger o indivíduo também, a quem se proporcionaria um tratamento adequado (ANCEL, 1979, p. 10 e 12).

Seria necessário implementar uma “ação sistemática de ressocialização”. Para o autor:

Essa ação de ressocialização não pode, entretanto, se desenvolver senão por meio de humanização, sempre crescente, do novo direito penal que deverá fazer apelo a todos os recursos do indivíduo, buscará torna-lo confiante em si mesmo e restituir-lhe o sentimento de responsabilidade pessoal, ou, mais precisamente, talvez, de responsabilidade social, bem como o senso dos valores humanos (ANCEL, 1979, p. 17).

Evidentemente que a ação de ressocialização “[...] não seria unicamente de caráter humanitário e sentimental”, mas realizada a partir do estudo da personalidade do delinquente e do fato criminoso, para se “[...] descobrir a realidade humana e social que contém e revela cada espécie criminosa” (ANCEL, 1979, p. 19).

Um dos aspectos destacados por Ancel como positivos do movimento da Nova Defesa Social é justamente a nova atitude diante do delinquente, em primeiro lugar levando-se em consideração a personalidade dele, mas de fato não se pretenderia considerar o “ser humano” como objeto de estudos e sim como sujeito de direitos.

A “política de ressocialização” deveria basear-se nos valores morais aceitos pela sociedade em geral. Assim, conhecer o delinquente a partir do seu ato, mas não do ato isolado, e sim da relação existencial entre o ato e seu autor – conhecer cientificamente o delinquente era premissa necessária para se opinar sobre a “periculosidade” e as “perspectivas de reinserção social” dele (“prognóstico de readaptação social”). Igualmente o juiz não poderia julgar sem antes conhecer o “verdadeiro caráter do indivíduo” (ANCEL, 1979, p. 281-287).

A “mola propulsora da ressocialização” em termos explícitos é a “responsabilidade”, sendo o “sentimento de responsabilidade” o próprio “instrumento” fundamental da ressocialização. A responsabilidade entendida como “concepção de base”, porém uma responsabilização vivida e remodelada, ou uma “pedagogia da responsabilidade” na expressão de Roger Merle, anotando-se, ainda, que o delinquente não deveria ser tratado como um “enfermo irresponsável” (ANCEL, 1979, p. 345). O sentimento de responsabilidade “nasceria” no decorrer do tratamento, tornando o indivíduo capaz de ter consciência dos valores sociais, a partir da reeducação da responsabilidade ou da chamada “terapêutica da liberdade” (ANCEL, 1979, p. 347).

Para este autor a ressocialização seria um direito a ser proporcionado a todos (isso não quer dizer que com a ressocialização se almeje ressocializar a todos). Além disso, a ressocialização, para ter sucesso, deveria ter a cooperação ativa do indivíduo – pelo seu esforço pessoal de readaptação – o indivíduo deve merecer voltar à sociedade (ANCEL,1979, p. 353).

Entretanto, preciso detectar os problemas deste, à época, novo modelo de Política Criminal.

A ressocialização é muito criticada por ter sido estabelecida a partir da disciplina, da condição de submissão dos presos, questão por sinal muito arraigada ao sistema a partir

das noções de segurança e disciplina nas unidades prisionais. Ao contrário do que parece objetivar a teorização de Marc Ancel e apesar da proposta de “participação ativa” dos presos no processo de ressocialização, somente seria considerado “ressocializado” o preso que fosse obediente às normas, à hierarquia das autoridades do cárcere (apresentando um comportamento normal) (PETER FILHO, 2011, p. 83-84).

Sá (2011, p. 319) elucida o que se pretende com a ressocialização dos presos: ao se pretender ressocializar o encarcerado, o que se quer é “silenciar” nele o que ele tem de dissonantes com nós mesmos, é querer silenciar as vozes que em nós mesmos estão sufocadas (“abafadas”). Pretender ressocializar é pretender “dissolver as contradições” (“dentro dele, dentro de nós mesmos e nas relações entre nós e eles”): “o que é impossível”. Não se pode pretender dissolver as contradições numa estratégia de reintegração social, por sua vez, já que são as contradições inerentes à vida humana, como condição mesma de existência.

Braga (2012, p. 28), por sua vez, critica as chamadas ideologias “res”, que reduzem o indivíduo a um objeto de intervenção penal. Ressocialização, reinserção, reeducação. Nestes conceitos, nestas ideologias, o que se pretende é modificar o modo de ser do apenado, devendo este absorver os valores vigentes da sociedade para somente depois ser novamente inserido. Segundo a mesma autora, três pressupostos diferenciam a reintegração social destas ideologias “res”: a normalidade do preso, o preso como sujeito ativo da execução penal, autônomo (não uma autonomia para a adesão aos valores morais vigentes) e a sociedade como corresponsável pela reintegração social (e o seu importante papel de retomada do diálogo com os encarcerados).

A proposta de inclusão social (que pode aqui ser chamada de reintegração social) é um processo que diferentemente da ressocialização não pretende que a pessoa seja “reeducada” para viver em sociedade. Pelo contrário, ela, na condição de membro da mesma sociedade, participará ativamente deste mesmo processo, mas não se reeducando “ativamente” nos valores impostos pela sociedade. Não será o objeto de intervenção, o sujeito passivo, mas aquele que participará de verdade e de forma “consciente” e “crítica” nas estratégias, de modo que se atinja, juntamente com os demais envolvidos (sociedade, profissionais das unidades, técnicos ou não), a descoberta de si, a valorização de si, sem que com isso deixe de reconhecer (o que é fundamental) as próprias responsabilidades,

mesmo que reconhecidas as responsabilidades do próprio contexto social a que se pertence (SÁ, 2011, p. 306).

Isso, como dito, deve valer não somente para os apenados, mas para a sociedade e para os profissionais do cárcere também – técnicos ou não (e seus conhecimentos teórico- científicos ou seus “sensos comuns”). É necessário, portanto, levar em consideração os conhecimentos não sistematizados cientificamente trazidos pelos presos (na ideia já prescrita do fortalecimento dos discursos dos presos). O simples fato de elaborar, organizar e acompanhar as estratégias de reintegração social não excluem os profissionais técnicos de constantes revisões de seus pontos de vista.

Deve-se ter clara a noção e a importância da reintegração social como uma via de mão dupla em que o ideal não é a reintegração do preso, mas a reintegração entre os presos e a sociedade (BRAGA, 2012, p. 30).

A noção de reintegração social, conforme aponta Sá (2011, p. 306), é exatamente oposta ao conceito de ressocialização, posto que neste o que predomina é a sujeição dos presos aos protagonistas da ressocialização (aqueles que são os verdadeiros sujeitos ativos do processo, os que irão passar os valores aos presos, apontar o que deve ser feito ou não, o que é o certo e o que é o errado). Há o mesmo entendimento quanto aos Conselhos da Comunidade, posto que em algumas práticas destes órgãos é possível vislumbrar os Conselheiros não somente como os protagonistas da ressocialização, mas como os que se prezam a ainda dar uma chance a quem “não a mereceria”. É exemplar esta noção da ressocialização em logotipos (logomarcas ou slogans) e nos discursos oficiais dos Conselhos da Comunidade. Nestes logotipos é possível ver mãos estendidas a mãos de pessoas que estão “caídas”, “precisando de ajuda” (como se estivessem literalmente no chão ou em um “buraco”), de uma orientação na vida (estes no nível do chão são, evidentemente, os presos). Nos discursos destes órgãos é comum a assertiva de que os Conselheiros devem levar aos presos os valores sociais (melhor dizendo, valores morais), ensinar-lhes a ética e o trabalho, ofertar o substrato moral a eles.

As estratégias de reintegração social não estão baseadas nestas premissas. As relações são fundamentais nesta nova proposta: ao invés de alguém estar no lugar mais alto, sabendo o que o outro (em lugar inferior) deve fazer como correto, como o outro deve

se comportar. As pessoas, nestas estratégias, estabelecerão, contrariamente, relações simétricas, “entre iguais”, com os sentenciados, com os demais participantes, com todos e de todos para todos. Assim, não há lugar para alguém mais importante nestas relações e a exclusividade do saber não está com esta ou aquela pessoa, sendo que cada um tem seu saber, suas vivências, seus contextos e histórias de vida, e, claro, suas responsabilidades (SÁ, 2011, p. 306).

E por que não responsabilidades? Eis a pergunta que não calará. Entretanto, não se está a cair novamente na proposta de ressocialização, vista acima pelo olhar de Ancel, por certo. O que acontece é que, como informado, a proposta de um terceiro modelo não se faz à margem do entendimento de que há um comportamento que é socialmente problemático (não dá para negar a importância de tratar da questão da responsabilidade de todos, inclusive a do sentenciado). Seria algo demagogo e inadvertido não tratar de responsabilidades, mas de outra forma. As responsabilidades sociais aqui não estão escondidas, camufladas, mas igualmente se tornam objeto de discussão.

Como meta as estratégias de reintegração social devem buscar a inclusão social da pessoa presa; o seu objetivo imediato, no entanto, será dar a chance para que estas pessoas sejam incluídas num grupo social, proporcionando condições, através de um diálogo entre pessoas presas e não presas, que todos, e não somente os presos, reflitam em suas formas de agir e, especialmente ao preso sejam dadas condições de avaliar as respostas que deu e vem dando às situações conflituosas (e as consequências destas respostas), fornecendo-se maiores possibilidades de que os presos “readéquem criativamente suas respostas” diante das situações complicadas da vida. É pelo diálogo em grupos, durante estas discussões, que os presos poderão se expressar, discutir, ouvir outras opiniões, as opiniões da sociedade e enfim poderão apresentar seus próprios posicionamentos (SÁ, 2011, p. 306-307). Vale dizer que esta sugestão (que é implícita, não é uma imposição/condição da estratégia) de readequação de condutas vale para os outros membros do diálogo – os que estão em liberdade. Veja-se neste contexto a corresponsabilidade da sociedade nos comportamentos socialmente problemáticos.

Uma vantagem da possibilidade de se expressar dada ao preso, nestes momentos de diálogo, é a naturalidade com que as coisas dela decorrem e, por certo, seus efeitos são mais positivos para os próprios sentenciados. Durante o julgamento do crime, diante da

sociedade puramente punitivista, ou mesmo diante dos profissionais técnicos ou não técnicos do cárcere, jamais a fala dos presos é devidamente valorizada. A sociedade, ao se defrontar com o discurso dos presos (discurso este entendido por forte), levado a sério e não simplesmente rechaçado, poderá passar também a se reposicionar diante de diversos acontecimentos e sensos comuns, e também obter o crescimento pessoal que subjaz enquanto objetivo das estratégias.

Importante que este diálogo seja feito entre a sociedade livre e os presos. É preciso também ter em mente que as estratégias de reintegração social não podem ser realizadas sem a participação dos profissionais técnicos penitenciários. Por isso a importância do trabalho em conjunto entre Conselhos da Comunidade e a Comissão Técnica de Classificação das unidades (ou, no mínimo, com os profissionais técnicos das unidades). Ressalta-se que no desenrolar destas propostas de diálogos não poderá um técnico ou algum profissional técnico da unidade pretender monitorar o desenvolvimento das relações: estas estratégias devem ser “destecnificadas” (Sá, 2011, p. 321). Por certo o planejamento delas não pode deixar de ser técnico.

Em substituição à ressocialização o que se propõe é “[...] construir um verdadeiro diálogo entre a parte encarcerada da sociedade e sua parte não encarcerada”, o que significaria planejar “[...] estratégias de um verdadeiro diálogo, de um canal aberto entre o cárcere e os segmentos da sociedade livre” (SÁ, 2011, p. 320).

Esta reintegração social é definida como a reintegração das partes do todo (que estão em uma relação que é dialética e repleta de contradições). Estas contradições, por certo, não serão dissolvidas nessas estratégias. De fato, o diálogo entre iguais (o diálogo construtivo), possibilitaria o afloramento em todos que dele tomarem parte das próprias contradições contidas em cada pessoa, e da possibilidade de se “dialogar” com estas contradições (internamente e com os outros, e assim realimentando um diálogo interior- exterior-interior-exterior). Sá fala em “processo de comunicação” entre a sociedade encarcerada e a não encarcerada (2011, p. 320).

Peter Filho (2011, p. 171) ilustra o fato de que os projetos de reintegração social devem ser dirigidos não só para os encarcerados, mas também e igualmente para a

sociedade civil e para os familiares dos presos, diferentemente do que ocorre na ressocialização, onde os projetos são exclusivamente direcionados aos presos.

No desenvolvimento destes diálogos, como dito, a importância das relações simétricas se deve ao fato de que ninguém deve sobressair-se sobre os outros, em seus conhecimentos, opiniões ou teorizações. Todos os participantes são corresponsáveis nas e pelas estratégias. Como arremata o autor, a reintegração social é a “Reintegração entre pessoas. Reintegração dentro de cada pessoa” (SÁ, 2011, p. 321 e 325).

Na prática penitenciária de elaboração de exames, de avaliações dos presos, o “diálogo” entre o profissional técnico e o preso se dá, em muitos casos, pelo “método da exploração” (pelo qual a “conversa” – na “entrevista” – é dirigida para determinados fatos e assim é possível observar as reações dos indivíduos) (MIRABETE, 2007, p. 60). É desta maneira que os presos foram acostumados a “interagir”, seja com profissionais técnicos seja com a sociedade (esta que interpreta a fala dos encarcerados como pretensas justificações para fugirem da punição, para colocarem a responsabilidade nos outros, para aliviarem o julgamento de suas ações ou mesmo como pura perversão). Nestas relações, o preso não conseguirá perceber nenhum tipo de interesse em sua melhora, em lhe respeitar, em sua felicidade, como uma relação autêntica e entre iguais.

Até a crítica, num diálogo simétrico e franco, verdadeiro, pode ser bem acolhida, desde que não descarregue nos ombros dos encarcerados toda a culpa de seus destinos e de seus atos, tanto pelo lado positivista quanto pelo lado da livre escolha (arbítrio) e da pura e consequente responsabilização pelos seus atos.

A proposta do diálogo, alerta Sá (2011, p. 334) não vem como “a solução” dos problemas do encarceramento, da criminalidade, mas como uma saída. De um diálogo que deve ser “compreensivo”, “construtivo”, desenvolvido a partir das relações simétricas entre as diferentes partes que o comporão. Está longe de se desejar um diálogo que seja pura admiração, ou pura simpatia, movido por sentimentos ou por intentos de negociação, para se elogiar o outro ou simplesmente aderir a posicionamentos que não se julgue os melhores, de modo a agradar o outro interlocutor.

Antes de tudo, é preciso tomar-se muito cuidado em não deixar a representação nublar uma necessária dose de franqueza e sinceridade que devem permear estes encontros. Ou seja, não deixar que a adoção incondicional de um “papel”, que o participante entende ser mais adequado para ele “representar” nestes encontros, afete a essência do diálogo simétrico. Isso é um policiamento de si mesmo que todos os participantes devem realizar constantemente nestes encontros.

O diálogo proposto não pode ser engessado ou ser “contido” por receios de magoar os outros interlocutores (evidente que deverá haver o respeito sobre as opiniões alheias e o diálogo deve ser conduzido sempre com respeito mútuo).

Quão interessante não seria o encarcerado poder criticar a sociedade, revendo também suas condutas, redefinindo-as diante das críticas recebidas, e à sociedade, também poder criticar o encarcerado, tendo ao mesmo tempo o estímulo de rever suas práticas e seus modos de vida (PETER FILHO, 2011, p. 133). Não se quer dizer com isso que se criará um ambiente para se “lavar roupas sujas”. O diálogo deve ser construtivo, simétrico, de modo que as opiniões dos outros não sejam apenas meras “opiniões” sem valor, e, refletindo com o devido valor a fala dos outros, seja possível até uma reorientação de nossos próprios pensamentos. Não se trata de confrontar posições. O ideal seria que a opinião do outro fosse adequadamente incorporada, acrescida, ao pensamento pessoal de cada um.

Peter Filho (2011, p. 111) destaca, portanto, o objetivo da reintegração social como sendo a promoção do encontro humano – ou seja, “[...], é oferecer uma oportunidade para que o homem conheça o outro à medida em que vai conhecendo a si mesmo”.

A proposta do diálogo, na esteira do que Baratta prescrevia (apresentada por Sá) não é para melhorar o cárcere ou muito menos para legitimá-lo, mas para tornar o cárcere menos cárcere (2011, p. 345). Deve-se esclarecer também que a reintegração social, proposta nestes termos, não é uma finalidade da pena (SÁ, 2011, p. 321; BRAGA, 2012, p. 17). Para Braga (2012, p. 17), servirá para minimizar os efeitos do cárcere.

Interessante aqui a noção da transformação do ambiente. O GDUCC, grupo de diálogo que será tratado adiante e que fornece uma plataforma prática destas estratégias,

reflete a potência de uma atividade que consegue transformar o lugar (alterando até mesmo sua finalidade), fazendo com que, ainda que de vez em quando, esqueça-se estar encarcerado ou estar num cárcere.

Alessandro Baratta, um dos autores que também fundamentam esta urgente reorientação da proposta de reintegração social, apresenta 10 (dez) pontos essenciais para a configuração da reintegração social em contraposição à prática tradicional de ressocialização1, que também são desenvolvidas pelos autores citados acima (Alvino, Braga, Peter Filho). Dois destes pontos elaborados por Baratta são muito importantes neste contexto, especificamente: o de incentivar na comunidade, dentre outras coisas, os debates públicos e reuniões que incluam os detentos e ex-presos e pelo fato de que a reintegração é uma oportunidade geral em que não somente os presos, mas especialmente a sociedade tem de se conhecer, tomar consciência da condição humana e das contradições que existem nela mesma.

Assim, ao invés do “silêncio”, da sujeição, o diálogo e a emancipação. Um diálogo que se deve construir a partir de uma crítica compreensiva, construtiva e edificante. Um “envolvimento”, a partir do qual se redescobre em si mesmo e no outro durante essa busca de se conhecer o ser real (PETER FILHO, 2011, p. 118).

1.5. A teorização sobre as “Funções Manifestas” e as “Funções Latentes” em Robert King Merton

Neste item a questão conceitual levantada parte de um par de conceitos segundo a exposição do professor norte-americano Robert King Merton. Esta conceituação é importante para o estudo porque elenca elementos para análises que objetivem distinguir, ao se interpretar os comportamentos, a finalidade a que se almeja das consequências funcionais da ação – ou das ações (Merton, 1968, p. 128).

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1 BARATTA, Alessandro. Ressocialização ou Controle Social. Uma abordagem crítica da “reintegração

social” do sentenciado. Disponível em: < http://www.juareztavares.com/textos/baratta_ressocializacao.pdf> Acesso em: 20 nov. 2014.

Função é o “papel” desenvolvido a partir dos comportamentos, sejam eles coletivos ou individualizados. As práticas sociais têm “funções” que podem ou não atingir

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