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Freud em seu percurso manteve o feminino no horizonte, tomando-o como um real enigmático que não cessou de se apresentar em sua clínica. Tal enigma se fez presente na constituição da escuta analítica na clínica da histeria, nas questões suscitadas e nunca totalmente respondidas, mesmo que delineadas e, na presença-ausência que estas suscitaram. Foi o encontro com a (im)possibilidade de escutar as mulheres o que permitiu a Freud abrir-se à escuta do enigma presente em cada sujeito. Enigma este que não possui solução total, apenas uma ‘solução-furada’. Logo, neste sentido é que Lacan interpreta o desejo de Freud, como em constante estado de pergunta – “O que quer uma mulher?” (Fuentes, 2009). Uma pergunta sem resposta, uma pergunta eco.

Desse modo, não se trata de responder ao enigma colocado por Freud. Longe disso. Trata-se, talvez, de retornar a este. Pois, retomá-lo nesse ecoar nos possibilita perceber que é no vazio, na sustentação deste não saber, do vazio de resposta, que algo do sujeito e do feminino pode advir enquanto estatuto de verdade – do sujeito e do psicanalista – seu desejo e sua falta, enquanto ecos possíveis. Pois é no fundo, no vazio que algo se perfila.

Neste sentido, o furo possibilita aos sujeitos, neste encontro, a busca por preenchê-lo, tamponá-lo e/ou solucioná-lo – pela via do sintoma ou de localizações imaginárias - bem como a tentativa de fazer com ele, com isso que falta, escapa e não se responde; neste ínterim, muitos são os questionamentos e muitas podem ser as mudanças. Neste sentido, o encontro com a inexistência de um significante que marque o sexo feminino, com o S(Ⱥ), abre para nós o encontro com o impossível de ser dito totalmente, com o ‘vazio de sentido’, bem como com as inúmeras tentativas de atribuição de sentido a isso que falta para nós e para o outro.

Vemos que, desse modo, o ser não existe antes do significante, está assujeitado à linguagem e à lei fálica que o limita, e é só por meio deste limite que a possibilidade de um ‘mais além’, pode se apresentar. Logo, por mais que haja a aposta em uma localização do que é ser mulher e uma busca por dizê-la de inúmeros modos, na poesia, na música, nos movimentos sociais, na psicanálise, tentando decifrar esse enigma, sobra-nos um resto, uma ausência de presença no que se procura dizer, um deciframento oco, em que nem representações imaginárias e nem pontos de ancoramento, por mais sofisticados que sejam, podem balizar de todo a ausência fundante presente nestes sujeitos. Logo, Ⱥ mulher será sempre movida a constituir-se, a nomear-se a partir desse furo, por mais que insista em negá-

36 lo, em escondê-lo – a partir do sintoma e/ou das identificações – pois estes (sintoma e identificações) em algum ponto esbarram nesse furo, e este furo continua sendo o que sustenta a possibilidade de nos questionarmos a respeito de “o que é ser mulher?”.

Percebe-se, então, que o feminino traz consigo essa marca que impulsiona ao movimento, é claudicante, pulsa. E por assim o ser, furta-se às palavras e ao todo significante que preenche. Uma ausência-presença que balança, move e dança, saltando ao vazio ecoando (im)possibilidades.

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